quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Elizabeth Fraser e Cocteau Twins




(wikipedia) Davidson Elizabeth Fraser (29 de agosto de 1963, Grangemouth, Escócia) é uma cantora escocesa, mais conhecida por seu trabalho como vocalista do grupo Cocteau Twins[1]. Seu estilo vocal, melódico e abstrato, e suas letras indecifráveis têm gerado muita discussão ao longo dos anos[2].

Quando o Cocteau Twins lançou seu primeiro LP, "Garlands", em 1982, seu estilo e habilidade vocal surpreendeu a imprensa do Reino Unido, o lendário DJ da BBC, John Peel, teve a banda ao vivo em seu programa de rádio antes mesmo de "Garlands" ser distribuido nas lojas britânicas[3].
Fraser juntou-se ao Cocteau Twins no início dos anos 80 (o guitarrista da banda, Robin Guthrie, foi seu namorado). Embora o grupo nunca tenha vendido milhões de discos, sua audiência foi sendo ampliada a cada álbum lançado; Além disso, Fraser influenciou bandas como Throwing Muses, The Sundays, Belly, The Cranberries e Sugar Hiccup, este último tem o nome de uma faixa do Cocteau Twins[3].
As canções do Cocteau Twins compostas por Fraser são freqüentemente caracterizadas como ininteligíveis; a faixa-título do álbum de 1990, "Heaven or Las Vegas", surpreendeu os fãs com as suas palavras relativamente indecifráveis e foi tocada constantemente em rádios de rock moderno. Os Cocteau Twins se separou no final dos anos 90[3].
Além de seu trabalho com o Cocteau Twins, Fraser colaborou como vocalista nos álbuns de diversos artistas. Em 1986, Fraser cantou em "The Moon and the Melodies", álbum gravado pelos membros do Cocteau Twins e o tecladista e compositor Harold Budd.
Em 1990, participou do EP solo "Candleland" de Ian McCulloch do Echo and The Bunnymen[4].
Fraser participou no álbum do Massive Attack, Mezzanine[5], em 1998, com o vocal na Faixa "Teardrop",e em diversos concertos desta banda.
No cinema, mais recentemente, participou da banda sonora do filme O Senhor dos Anéis[6], contando em diversas faixas.
Em 2009, Fraser lançou o single Moses. O CD traz dois remixes da música Moses, um do músico experimental Thighpaulsandra (Timothy Lewis), e outra de Spaceland[7].
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COCTEAU TWINS

BIOGRAFIA: Elizabeth Fraser (Liz, Falkirk/GB, vocais), Robin Guthrie (Falkirk/GB, guitarra, teclados, programações) e Will Heggie (Falkirk/GB, baixo) formam os Cocteau Twins em 79 - Deixam a Escócia e viajam para Londres em 81. Através de uma fita demo, conseguem um contrato com o selo independente 4AD - O álbum de estréia, Carlands, chega ao segundo posto na parada independente britânica em 82 - Com Head Over Hills (83), alcançam o 51º posto da parada oficial. Nesse ano, Heggie é substituído por Simon Ray monde (baixo, teclados) - Chegam pela primeira vez ao Top 30 britânico em 84 com o EP Pearly-Dewdrops´Drops. Ainda nesse ano, gravam com integrantes de outros grupos da 4AD sob o nome de This Mortal Coil. Ficam novamente no Top 30 com o LP Treasure, também de 84 - O primeiro lançamento dos Cocteau Twins nos EUA é a coletânea The Pink Opaque, em 85 - Alcançam o décimo lugar na Inglaterra com Victorialand, gravado em 86 sem a participação de Simon Raymonde. Nesse mesmo ano, gravam com o pianista e compositor minimalista Harold Budd o LP The Moon And The Melodies - Depois de um silêncio de dois anos, lançam em 88 Blue Bell Knoll, que fica no décimo-quinto lugar na Inglaterra - Em 90, sai Heaven Or Las Vegas, sétimo lugar na Inglaterra. O álbum traz o hit "Iceblink Luck", que fica no Top 40 britânico - Deixam a 4AD em 91. Em abril desse ano, apresentam-se no Brasil acompanhados pelos guitarristas Mitsuo Tate e Ben Blakeman.
FRASES: "Começamos a banda porque vivíamos num lugar muito deprimente na Escócia, e a música era um modo de escapar". "Liz sempre foi paranóica com as letras, que são sobre ela mesma. Ela faz com que sejam incompreensíveis para que ninguém perceba isso". "As pessoas têm uma idéia pré-concebida sobre a nossa música. Elas nos chamam de New Age, e não podemos fazer nada". "Não acho que nossos discos sejam todos iguais. Mas as mudanças foram graduais, nunca radicais". "Liz cantou muitas canções com Lucy no colo. A maior parte do disco é sobre nossa filha" (Robin, sobre Heaven Or Las Vegas).

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Treasure - Cocteau Twins (RCA)
            Não faz a menor diferença que este álbum seja de 1984. A aceleração do tempo digital que estamos vivendo transforma estes meses em décadas, mas Cocteau Twins - a concepção - é atemporal. Para falar deste Treasure, me sinto tão pouco à vontade quanto um guia descrevendo um monumento maia recém-descoberto no meio da floresta da Guatemala, lugar que o quadro-capa realizado pela 23 Envelope evoca com perfeição. Se as letras destiladas pelas vozes de Elizabeth Fraser escapam da sua compreensão, basta preenchê-las com a leitura de contos fantásticos, por exemplo. Com este disco, não há muitas soluções. Ou conto em detalhes tudo o que Robin Guthrie, Simon Raymonde e Elizabeth já fizeram, estão fazendo e vão fazer, ou solto literatura para cima de vocês. E nisso que dá tentar descrever um monumento, explicar o inexplicável. A beleza. Uma beleza que vem do folclore da Idade Média, chupa tudo da música polifônica da Renascença, pirateia o barroco de Monteverdi a Bach, se nutre dos lieder de Mahler e flerta com Siouxie and the Banshees. Erudito e simples. A sofisticação do gato.
            Treasure é o resultado de meses de trabalho em estúdio, que permitiram alcançar aquele equilíbrio tão procurado entre o acústico e o elétrico, o etéreo da(s) voz(es) e das guitarras com o peso das sonoridades surdas do contrabaixo e da bateria, presentes para sublinhar o mistério. Mistério dos sons deformados, ouvidos no fundo do mar, com ruídos das ondas deslizando sobre as praias sonoras dos sintetizadores, e os sussurros da fada Elisabeth. Ela é responsável pelos nomes alegóricos das músicas ("Beatrix", "Persephone", "Pandora", "Aloysius" "Donimo") que rege com suas cordas vocais. O resto segue. Aqui termina a visita do monumento e a tortura do crítico. As obras de arte são implacáveis.

            Jean Yves de Neufville

Bizz # 17 – dezembro de 1986

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BELEZA SEM PALAVRAS

            Vamos com calma. Pense no que não se diz. Aquilo que não deve ser dito. Palavras brancas, beleza, eternidade. Tudo isso soa completamente absurdo. E novamente precisamos de algo que preencha o opaco vazio destes dias calados. Precisamos de coisas práticas. Ou pelo menos colocar coisas em prática. Cabe a nós a escolha da "coisa" certa.
            Existe uma banda que se chama Cocteau Twins, nome de uma antiga canção dos Simple Minds. A banda é de Falkirk, uma cidade-nada da Escócia. Seu núcleo são dois amantes, Robin Guthrie e Elizabeth Fraser. No início, em 82, Will Heggie tocava baixo. Ele saiu em 83 e Simon Raymonde entrou em 84. Hoje, juntamente com o New Order e os Smiths, os Cocteau são a banda independente mais bem-sucedida da Inglaterra. Seus discos são lançados pelo selo 4AD e vendem muito. As capas são verdadeiras obras de arte que misturam texturas naturais, vegetações orvalhadas, substâncias indefinidas, véus, seda e lagos espelhados. São criadas por Vaughan e Nigel, da 23 Envelope, a responsável pelo departamento de arte da 4AD. Os Cocteau gravaram até hoje dois clips, o primeiro deles em um asilo abandonado de estilo vitoriano e o outro em seu próprio estúdio. E os Cocteau Twins fazem música.
            Esqueça a calma. Pense no que não se diz. Aquilo que não deve ser dito. Palavras brancas, beleza, eternidade. Nem tudo é completamente absurdo. A música dos Coeteau evoca paisagens perdidas, quase gregas, de tão clássicas e etéreas, alheia a qualquer tempo ou espaço. Uma música completamente particular, apesar da sensação de universalidade e presença, existe realmente música, e essa música dá voltas silenciosas, criando uma orientação circular que intoxica e dá um imenso, inédito e profundo prazer em ouvir música. Uma música de acordes lentos, harmonias azuis e uma tristeza oceânica, entorpecida, suave. Robin acredita que uma guitarra só produz o som ideal quando tratada com muitos pedais e ecos. Elizabeth canta palavras inéditas, que não pertencem a nenhuma língua em especial. Ela as inventa procurando em livros e misturando os seus sons. Sua voz é única. Extremamente suave, ela expressa paixão, tristeza, calma, alegria sem o compromisso do significado. A música simplesmente é.
            Os Cocteau são tímidos, irônicos, detestam entrevistas, e quando as dão fazem questão de ser vagos, reticentes. Não acreditam na equação pergunta-resposta. Suas melhores entrevistas são longas conversas com os entrevistadores, onde comentam como adoram gatos, sentem-se péssimos em um palco e gostam de gravar somente de madrugada, já meio bêbados, improvisando em seu estúdio próprio. Seus shows são muitos raros, e muito simples também. Robin liga um gravador com percussão e teclados pré-gravados, toca guitarra, Simon orienta com o baixo e Elizabeth canta.
            Garlands, uma coroa de louros tímida e tensa, é a estréia dos Cocteau em disco. Seguem-se dois compactos que desenvolvem as idéias do primeiro LP. No ano seguinte, uma grande mudança. Robin e Elizabeth sozinhos produzem o segundo LP, Head over Heels. Majestoso, lírico e muito trabalhado, ele muda a trajetória dos Cocteau, que agora são donos únicos do seu estilo. O primeiro grande sucesso comercial dos Cocteau veio com "Pearly-Dewdrops’ Drops", um compacto apaixonado, único, que fez dos Cocteau os favoritos da imprensa independente inglesa. No mesmo ano sai Treasure, o terceiro LP, suave, limpo, plácido. O EP Aikea-Guinea, do ano seguinte, traz os Cocteau com uma das canções mais belas do ano, a faixa-título. Ela é também a favorita de Robin, que a considera a mais perfeita definição do som dos Cocteau. Tiny Dinamine e Echoes in a Shallow Bay (mais dois EPs) saem no fim do ano passado, com uma produção impecável dos três e canções profundamente densas, esotéricas e belas. Este ano saiu o LP Victoria/and. Calmo, silencioso, triste, só guitarra e voz, foi planejado para ser um EP e resultou no melhor momento dos Cocteau. Um LP que fala por palavras brancas, sobre beleza, rabos de baleias e eternidade. Uma música que preenche o opaco vazio destes dias calados e dista do enfado, da repetição, dos excessos, da banalização, da síndrome fim-de-século.
            Escute os Cocteau. Não existe nada lançado aqui, mas isso não deve surpreender mais ninguém. Não desista. Eles são simples, iluminados, únicos. Música e oceano em incontáveis doze polegadas.

Bizz # 13 – agosto de 1986

por Cristiano Madureira

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DITO PELO NÃO DITO

            O sol brilha sobre Londres, e eu enfrento o calor implacável para ir ao encontro de Liz, Robin e Simon, no estúdio que eles acabam de construir à beira do Tâmisa. Não sei se estou suando por causa do calor ou porque tenho pela frente uma tarefa árdua: fazê-los falar sobre sua música. Não que eles se recusem a dar entrevistas, mas a verdade é que as respostas são sempre vagas e reticentes - de resto, uma atitude compatível com a própria natureza do som da banda, onde o que menos importa são as palavras. A dificuldade vem ainda da posição que os Cocteau ocupam hoje no cenário pop, tão insula que resiste a qualquer tentativa de rótulo. Mas isso não impede que eles tenham conquistado um público numeroso e fiel, inclusive no Brasil, onde só ficaram conhecidos em 1987, com o lançamento de Treasure, o quarto LP.

            A história do grupo, porém, nos leva para o início da década, quando o guitarrista Robin Guthrie e o baixista Will Heggie conheceram Elizabeth Fraser. Depois de vê-Ia dançar numa discoteca de Grangemouth, na Escócia, eles não pensam duas vezes: "Alguém que dança assim tem que saber cantar". Está formado o Cocteau Twins. Mas o empurrão decisivo só viria com a passagem do Birthday Party (a ex-banda de Nick Cave) por terras escocesas. Após uma breve audição do material da banda, eles sugerem uma visita à gravadora independente 4AD - que contrata o trio imediatamente.
            Em 1982, sai o LP de estréia, Garlands, para delírio da imprensa inglesa, que se deleita com o som muito pessoal dos Twins - onde a riqueza de texturas encobre a simplicidade das canções - e com a voz de Liz. Adotados pelo DJ John Peel, partem para se estabelecer como uma das grandes bandas independentes britânicas, ao lado do New Order e dos Smiths.
            Will deixa o grupo em 1983, depois do lançamento de Head Over Heels, o segundo LP, precedido por uma turnê onde abrem os shows do Birthday Party. Um projeto idealizado por Ivo Watss-Rissel, dono da 4AD, atrai o grupo, que toca como This Mortal Coil - ao lado de integrantes de outras bandas (Dead Can Dance, X-Mal Deutchland, entre outras) - gravando dois LPs com covers e composições próprias.
            Com "Pearly Dewdrops ´Drops", faixa de um EP lançado em 1984, eles alcançam seu maior sucesso comercial até então. Nessa época, já são novamente um trio, com a entrada de Simon Raymonde. Ainda nesse ano, gravam Treasure, considerado até hoje pela crítica o melhor LP do trio, pela variedade inédita de climas e ritmos.
            A imprensa musical continuava procurando adjetivos para definir a música dos Twins e o vocabulário particular das letras de Liz: etéreo, celestial, cinematográfico são os mais constantes. A preocupação da mídia não encontra resposta na banda, que prefere o anonimato - o que fica claro nas belas capas dos discos, jamais incluindo fotos do trio.
            Em 1985, eles compram seu próprio estúdio e tem seu primeiro disco editado nos Estados Unidos: The Pink Opaque, uma compilação de EPs lançados anteriormente na Inglaterra. Enquanto isso, Robin encontra tempo para produzir bandas como Felt, Wolfgang Press e Dif Juz. Victorialand (1986) traz o grupo em sua proposta mais radical, totalmente acústico. O disco chega ao número dez da parada inglesa, em meio a rumores infundados sobre a saída Simon (fora desse disco). Na mesma época, trabalham com o pianista e compositor Harold Budd, com quem gravam The Moon and The Melodies.
            Foi preciso uma retirada de dois anos para que brilhassem novamente com Blue Bell Knoll, mais cinemático do que nunca - e, possivelmente, o mais acessível da sua carreira. Essa entrevista pega o trio rastro dos infindáveis encontros com a imprensa que sucedem o lançamento do LP. Com xícaras de café na mão, nos instalamos no enorme terraço e pergunto por que eles começaram a banda.

            Porque queríamos um lugar assim, à beira do rio... (risos). Porque vivíamos num lugar muito deprimente na Escócia, e a música era um modo de escapar."Liz:" É melhor do que judô". Robin faz cara de desespero e nos pergunta do que ela está falando. Liz continua..."Meu irmão fazia judô, e quando voltava pra casa ele vinha treinar em mim. eu sempre acabava apanhando". Eu simpatizo, passei pelos mesmos problemas com o meu irmão, mas... quando vocês começaram a banda, existia um objetivo, uma idéia original? Robin: "Não, nós simplesmente fomos fizemos música, nunca paramos e dissemos ´Vamos começar uma banda e fazer isto e mais aquilo´". Simon comenta que existe gente assim, ao que Robin responde com um olhar incrédulo. Como foi o começo? Robin: "Éramos jovens e cheios de entusiasmo. E aí perdemos tudo isso". Liz: "Não só musicalmente... é assim com todo o resto".
            Vocês têm alguma semelhança ou afinidade com outras bandas? Liz: "Não musicalmente"."Em atitude, talvez", diz Simon. Robin: "Talvez tenhamos afinidades com outras bandas, mas não sei quais". Simon: "Todo mundo começa com a idéia de fazer algo à sua maneira, lançar apenas os álbuns que quer lançar. Mas quantas pessoas podem honestamente dizer que fizeram isso?".
            Quais bandas vocês admiram? Robin hesita... "Eu gosto de uma banda durante um certo tempo mas depois a tendência é enjoar. Do que você gosta?". Cito Nick Cave e Sonic Youth, e comento que é uma pergunta difícil... Simon concorda: "È, porque talvez resposta seja diferente na semana que vem". Robin: "Alguns anos atrás eu teria dito Sonic Youth também, mas não gosto mais deles. Ficaram cheios si e só fazem merda". Liz o acalma: "Nossa. Parece que você quer matá-los" (risos), Robin continua: "Quanto ao Nick Cave... bem, foi através do Birthday Party que chegamos a 4AD". Simon: "Todas essas pessoas fizeram grandes discos em sua época, mas isso não significa que nos tenham influenciado".
            Muito já foi escrito sobre a voz de Liz e o quase esperanto das letras, Liz: "È, eu não sei por quê. Não importa o que as pessoas pensem. Nós temos que tentar ignorá-las, acho bem mais fácil. Se eu preciso autoconfiança, procuro-a no Robin e no Simon... porque às vezes eu realmente preciso!".
            Quando vocês falam de sua música, parece uma coisa totalmente sem esforço, quase sem intenção. Robin: "Música para mim não é uma tarefa, um dever. È sem esforço no sentido ele que nós gostamos do que fazemos. E divertido. Não é como se estivéssemos carregando o mundo nas costas. Ainda é como era no começo". Mas onde está a intenção? Ou será que a música simplesmente "acontece"? Simon: "E difícil dizer, porque houve tanto esforço para construir este novo estúdio, e no lado técnico da coisa, que quando finalmente fazemos música, esquecemos do resto". Robin: Não que nós entremos no estúdio e façamos um disco inteiro em uma tarde. Somos perfeccionistas, queremos as coisas de uma determinada maneira. E sem esforço porque é como uma paixão ". Não há lugar então para esforço na paixão? Robin: "Ir até a lavanderia é, um esforço. Fazer essa merda não é esforço nenhum. E apenas música".
            O que vocês acham de certos rótulos que são freqüentemente aplicados a vocês, como música atmosférica, música ambiente? Simon: "As pessoas usavam essas expressões antigamente. Não usam mais... não com o último disco. Liz discorda: "Usam sim... coisas idiotas como new age, nos Estados Unidos": Robin interrompe: "Bem, eles são americanos, não se pode esperar muito deles" (risos). O que, então, as pessoas fazem ao som dos Cocteau Twins? Robin diz maliciosamente: "Já nos contaram várias coisas...(risos). Você usa certos tipos de música para certos tipos de situação. Por exemplo, você não acorda e põe um disco do Brian Eno na vitrola, porque aí você volta a dormir imediatamente (risos). Não consigo pensar no que as pessoas fazem ao som de nossa música, exceto... bem, não importa"(risos).
            A música mudou com o passar dos anos? Robin: "Sim, tanto quanto nós mudamos. A música apenas reflete o que estamos sentindo ". No que ela mudou, exatamente? Simon: "Ficou muito melhor". Robin: "Não nos preocupamos muito em fazer um disco Conscientemente diferente do outro, porque conforme vamos amadurecendo, isso tudo vai se refletindo nossa música. Não acho que nossos discos sejam todos iguais. Mas as mudanças foram graduais, a gente não muda radicalmente de um disco para o outro. Mas é só ouvir o que fazemos agora para ver diferenças ". Simon: "Eu sei o que você quer dizer... tem gente que acha que sabe como nossa música soa. Só porque ouviram um disco nosso seis anos atrás. E uma pena".
            Como foi o trabalho com Harold Budd em TheMoon and lhe Melodies? Robin: "Foi bom. Porque o Harold é diferente do, que as pessoas imaginam quando ouvem sua música. È um cara normal, que gosta de sair e encher a cara. Ele realmente faz isso, ao contrário de gente como Nick Cave, que canta sobre isso". Tento defender meu ídolo em vão, mas, à essa altura, Liz está rindo histericamente enquanto Robin e Simon falam ao mesmo tempo. Robin volta ao assunto: "Foi uma experiência diferente, foi divertido. Ele é um cara legal para trabalhar. Mas não dou importância alguma a esse disco". A qual disco você dá importância? Robin não hesita: "Ao seguinte, sempre".
            Como foi a participação de vocês no projeto This Mortal Coil? Robin: "Não tem nada a ver conosco. Nos pediram para gravar umas duas músicas e foi isso. Não gosto daquele tipo de música".
            Me falem um ,pouco sobre o último disco, Rlue Reli Knoll. Robin: "E a melhor coisa que já fizemos até que o próximo esteja pronto. Na época ficamos bem satisfeitos com ele. Sempre que pensamos nos discos que já fizemos, achamos péssimos, mas na época eram bons, suponho". Simon: "Essa é a coisa mais trágica... quando alguém chega para você e diz que gosta da banda, e menciona uma música de quatro anos atrás!". Robin aproveita a ocasião para comentar sarcasticamente: "Garlands é seu predileto, né, Simon? E Treasure, que grande disco...urgh!"(risos).

            Chegou a hora da clássica pergunta, mas como não quero ser jogada no Tâmisa (apesar do calor), inverto-a: vocês influenciaram alguma banda? Robin: "Isso cabe a eles dizerem. Acho que influenciamos sim... se eles admitirem primeiro, nós diremos quais" (risos). Liz, no quinto mês de gravidez, não agüenta o sol e vai para dentro.
            Vocês vêem algo de interessante acontecendo em termos de música atualmente? Robin: "Nos últimos três ou quatro anos não apareceu nenhuma banda que tivesse algo de interessante para oferecer!". Simon: "Sempre a mesma coisa. Quatro ou cinco anos atrás, as pessoas estavam escrevendo um monte de baboseira sobre nós, como se fôssemos a melhor coisa do mundo desde a invenção do pão de fôrma (risos). Os jornalistas têm que manter o interesse dos leitores, não podem escrever sobre as mesmas pessoas eternamente... então eles têm que sair e procurar bandas novas, e mesmo que as bandas não sejam grande coisa, eles têm que dizer que são, têm que justificar seu trabalho". Tudo bem, mas isso imprensa. Vocês, pessoalmente, o que acham? Robin: "Eu tenho ouvido algumas coisas, mas nada de interessante, de diferente. Gosto dos Stone Roses, mas o que eles fazem não é nada, de novo". Simon: "Gosto do disco do De La Sou!. E bom, totalmente diferente daquilo que fazemos. Tem outra função".
            Vocês raramente tocam ao vivo... Robin: "Nós gostamos de tocar ao vivo; mas não temos a obrigação de fazer um álbum e uma turnê, e depois outro álbum e outra turnê e assim por diante". Simon: "A impressão que as pessoas têm é que você é total-mente inútil se não passar metade do ano excursionando". Robin: "O problema é que nunca fomos muito bons ao vivo. Acho que somos melhores em disco".
            Vocês já estão gravando o disco novo? Robin: "Começamos na semana passada.Se o tempo continuar ensolarado assim, não vamos terminar tão cedo (risos). Temos nosso próprio ritmo. Não há pressão nenhuma sobre nós. Estamos fazendo o disco porque queremos, não porque alguém nos disse que já estava na época. Poderíamos não fazer absolutamente nada o dia inteiro se quiséssemos. Mas não somos esse tipo de gente".
            Mais tarde, na cozinha com Liz, enquanto ela folheia uma BIZZ e confessa seu amor pelos Pet Shop Boys, ouço pedaços do disco em preparação e faço as pazes com o mundo. Afinal, se eles fazem músicas assim, por que falar?

Bizz # 49 – agosto de 1989

por Anamaria G. de Lemos

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Os Cocteau Twins estão separados a 12 anos, e a mística que tinha atingido durante a sua vida e sua crescente influência, quando anunciaram que voltariam. Ao mundo foi dito que seria a atração principal do festival Coachella 2005 na Califórnia, e teria que seguir com uma grande turnê. Segundo o baixista Simon Raymonde, a banda se beneficiariam da ordem de US$ 1,5 milhões cada um para voltar a ficar juntos - o suficiente para garantir-lhes segurança financeira, suficiente para assegurar o futuro. Havia apenas um problema. Dentro de algumas semanas do anúncio, a cantora do grupo, Elizabeth Fraser, anunciou que não participaria.
"Eu não me lembro de ser muito dinheiro e, em qualquer caso que não é a razão [da volta]", diz ela, hoje, em sua primeira entrevista desde a separação da banda em 1998. "Mas as pessoas ficam tão malditas no cativeiro. Mesmo quando algo está encarando você no rosto, as pessoas simplesmente não conseguem vê-lo. Eu sabia que não ia acontecer e não demorou muito para querer sair."
A decisão de Fraser não aceitar a volta foi feito pelas mesmas razões que contribuem para a separação da banda em primeiro lugar: ela não poderia mais encarar o guitarrista do grupo, Robin Guthrie - seu amante até 1993, e pai de seu primeiro filho. Mas enquanto eles estavam juntos, o Cocteau Twins se estabeleceu como um dos três principais pilares da música alternativa britânica, junto com New Order e The Smiths. Guthrie com seus cintilantes efeitos de guitarra certamente o inspirou para que então o DJ Steve Wright, desse o caráter crítico de rock chamado "catedrais sonoras do som" - enquanto os críticos realmente alucinavam durante vocais do outro mundo e muitas vezes Fraser é incompreensível, uma descrevendo seu canto - à sua vergonha - ". a voz de Deus", como Madonna amava classificar. Você ainda ouve a sua influência em qualquer banda que se esforça para som etéreo e sobrenatural. Agora sua voz deve ser ouvida novamente, pois ela solta primeiro single solo, Moses.
Como Fraser diz ele, que a reunião não foi abortada uma mudança de carreira, e não uma chance de ganhar a recompensa financeira a reputação da Cocteau Twins "merecia: era uma tentativa de cura. Seu amigo de infância que virou roadie que virou manager queria-los juntos novamente "para que todos pudessem ser amigos".
No entanto, Fraser tinha reservas. "Há ainda a sensação de estar comprometida", explica ela sobre seu relacionamento com Guthrie. "Mas nós não estamos comprometidos. Nós somos tão diferentes uns dos outros agora." Ela descreve as diferenças em uma frase: "Você pega uns dos outros, fazendo uma coisa ou dizer algo que eles nunca viram sair antes". Ela agora não pode nem pensar em seus companheiros de banda, e nunca pensou em ser assim. "Eles eram a minha vida. E quando você está em algo profundo, você tem de retirar-se completamente."
Não é apenas seus ex-companheiros de banda que ela deixou para trás. Nos últimos 12 anos, ela tem apenas envolvido com música. Ela cantou no Mezanino do Massive Attack álbum de 1998 e requintado hit Teardrop (e viajou com eles em 2006), mas é isso. Ela tem sido oferecido somas "além de seus sonhos" para colaborar com outros artistas - "o mais estranho foi o Linkin Park" - mas todos foram rejeitados.
Fraser vê fazer música como inseparável de suas emoções. Ela sempre teve muita dificuldade para escrever a letra, ela diz, mas de repente algo vai clicar e ela "vai com o som e a alegria" - é por isso que ela canta sons e palavras que não têm nenhum significado, do qual ela só pode fazer sentido mais tarde. Como ela mesma diz, "Eu não posso agir. Eu não posso mentir."
A incapacidade de fingir que é evidente, mesmo agora.
Ela estava tão nervosa antes da entrevista começar, realmente tremendo.
"Eu moro aqui", explica ela, exasperada, apontando para sua cabeça. "E é difícil. Flutuo com cada sensação. Às vezes eu estou bem, e em outras vezes eu sou como um robô. Minha cabeça zumbe ou pára. Não há meio termo." Quando ela ainda estava realizando, ela sofria. Agora ela fala da sua ansiedade se estende para o estúdio. Seu single foi gravado há algum tempo com Damon Reece - baterista do Massive Attack, e sua parceira de mais de uma década - e um amigo próximo, Jake Drake-Brockman. Talvez não saísse se não fosse por uma tragédia: Drake-Brockman morreu em setembro, e Moses está sendo lançado como um tributo.
O Pop sempre foi uma fuga para Fraser. Voltar em Grangemouth, uma cidade petroquímica "hedionda" em Stirlingshire parecia destinado a seguir a mãe para o comércio local até que percebeu que com trabalhava com "luvas de boxe nas mãos", ou seja, ela mal podia operar as máquinas. Ela ia dançar em um clube local, o Nash, que é onde ela conheceu Guthrie: conheceu a Fraser, quando ela tinha 17 anos, numa noite numa pista de dança em 1980 e pediu-lhe para entrar na banda com seu amigo Will Heggie. Ao dizer sim, Fraser adquiriu uma alma gêmea e um capacitador. "Eu olhei para ele. Eu nunca poderia ter feito sem ele." O som característico que desenvolveu "fluiu a partir da química entre nós", especialmente quando Raymonde, um londrino, substituíu Heggie.
Fraser não sentiu que o que estavam fazendo era particularmente experimental ou original - "Parecia que fugia do meu controle", diz ela -, mas o início dos anos 80 foi "um momento de sorte Bandas poderiam fazer o que queriam e ter uma carreira.. Parecia uma festa. " Mas, diz ela, "não poderia ser sustentada."
Ela e Guthrie foram amantes durante 13 anos, durante os quais as dificuldades que enfrenta qualquer relacionamento foram agravados por estar em uma banda juntos. "Estávamos tão perto e certas responsabilidades eram demais para nós", diz Fraser. O nascimento de sua filha Lucy, Belle, em 1989, "não teve impacto tão positivamente", como ela esperava.
Houve ressentimentos de ambos os lados, diz ela. Um queria superar o outro, e Fraser era cada vez mais infeliz na banda, por isso. Ela se ressentia por "fazer o que as pessoas queriam o tempo todo" e começou a libertar-se, um processo documentado nas letras invulgarmente diretas do álbum Four-Calendar Cafe, de 1993. A situação foi aguçado pela dependência de Guthrie em álcool e drogas, revelações (que veio com ele, após a separação da banda) que deixaram os fãs chocados. Mas a própria infelicidade de Fraser passou despercebido por seus colegas. "Notava os outros por algum tipo de percepção da realidade, [mas] eles não tinham notado que havia um problema", diz ela. "E isso foi outra coisa que me enviou absolutamente ao buraco. Quando você precisa das coisas controladas e isso não está acontecendo, você pode se sentir completamente louco." Fraser sofreu um colapso nervoso, e foi submetida a um tratamento de psicoterapia. Hoje, ela continua irritada com Guthrie, pela sugestão feita após a conclusão da reabilitação, que ele precisava de drogas para fazer a música.
"Eu não acredito nisso e eu não acho que ele acreditava no início também", ela insiste. "Quero dizer, eu tentei acompanhar, mas acho difícil o suficiente para se comunicar de qualquer maneira. Sobre como me desligar das drogas. Achei que ia ficar brava com isso e entrar em algo ... saudável." Ela permite-se uma risada. "Mas isso nunca deu certo."
Fraser continuou furiosa consigo mesma para ficar na banda por mais dois anos (e um outro álbum, Milk and Kisses, de 1996) após disso seu relacionamento com Guthrie terminou - "Mas fomos terrivelmente cobrados e eu não era forte o suficiente para pará-lo" . As tensões resultantes, diz ela, causou os maiores danos duradouros. "Periodicamente, a minha mente está queimado", diz ela, "e eu estou atolada em sentimentos que eu não posso negar."
Após separar-se de Guthrie, mas ainda na mesma banda, Fraser atingiu uma intensa relação com Jeff Buckley depois que eles ficaram apaixonados um pelo outro. Novamente, a emoção da música produzida. Um dueto que gravou sublime chamado Todas as flores em tempo curvam-se para o sol está flutuando em torno da Internet, veio sua irritação.
"Por que as pessoas tem que ouvir tudo?" ela reclama. Eu digo-lhe que é maravilhoso. "Mas está inacabado, eu não quero que ela seja ouvida." Há uma pausa. "Talvez ache que não será pra sempre". Buckley morreu em 1997, época em que eles haviam perdido o contato - Fraser estava frustrada com sua turnê, e teev esta reação que pesa sobre ela até hoje. "Eu só queria ter sido mais amiga", diz ela, baixinho. "Sua carreira era tudo para ele, e eu gostaria de ter sido mais compreensiva -. Feliz com um tipo diferente de relacionamento eu perdi alguma coisa lá, e foi minha culpa."
A notícia de que Buckley tinha desaparecido - ele se afogou, nadando no rio Wolf, em Memphis - Fraser veio enquanto estava gravando Teardrop com Massive Attack. "Isso foi muito estranho", diz ela. "Eu tenho cartas e pensava nele e esse tipo de música sobre ele. - Que é como se sente para mim." Parece que Fraser é assombrada pela culpa: por não estar lá com Buckley, para tudo. Como ela mesma diz: "Preciso me perdoar."
Ela muda de assunto, ao surgir Reece, e imediatamente se ilumina. Ainda mais viva, sua química é óbvio. "Será que as pessoas dizem para você ficar longe de mim, por eu estar criando problemas?" ela pergunta a ele. Ele ri. "Só um ou dois."
O casal se conheceu pouco antes da separação Cocteau Twins. Ele, literalmente, levado-a para fora em sua moto Triumph, uma memória que começa a falar sobre o companheiro motociclista Drake-Brockman. Quando Reece e Fraser se mudaram para Bristol, Drake-Brockman ajudou a arrumar a casa, e ensinou Lily a nadar. Reece ainda está em choque após o acidente que matou seu amigo. "Ele usava um paletó de tweed e montou uma máquina de 1938", diz ele. "Ele ia ser o velho homem na moto quando tivesse 80."
A conversa se volta para Fraser, que tinha anteriormente e explicou outra razão para sua retirada da vida pública que era ter um segundo filho. Depois do nascimento de Lucy Belle, ela continuou trabalhando, mas ela fez certo de que ela era capaz de ver seu segundo filho crescer. "Eu estava tão brava comigo", suspira. "Eu percebi que eu tinha perdido, mas isso sou eu, irritada, brava!"
No entanto, as cicatrizes do passado são a cura. Apesar do ônus que ela carrega ela está feliz, e agora sua proximidade com Reece produziu sua primeira música nova para mais de uma década. O casal tem ainda material que "pode tornar-se um álbum", música que - atipicamente - ela diz está muito orgulhoso. Mas ela insiste em que - tal como o dueto com Buckley - a música não está terminada, e não está pronto para consumo público. "Eu sou muito perfeccionista", explica ela. "Eu estou ficando mais forte como pessoa, mas às vezes eu só preciso" - ela está rindo agora - "superar a mim mesmo". Reece entende que o processo de colocar ela de volta juntos como cantora é um processo contínuo.
"Sinto pena pelo público em geral, porque eu a ouço cantando na casa e é realmente incrível", diz ele. "Mas ela é absolutamente verdadeira em todos os sentidos possíveis. Que pode ser muito frustrante, mas é um atributo maravilhoso ter. Eu tenho trabalhado com vários cantores, e muitos deles são falsos. O mundo é um lugar mais triste sem as conções de Elizabeth. "
Fraser sorri docemente, e não diz uma palavra.

http://traczine.blogspot.com/2010/11/elizabeth-fraser-voz-de-outro-mundo.html

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http://www.beatrix.pro.br/mofo/cocteau.htm

Em 1982, na minúscula cidade de Grangemouth, na Escócia existia um cantinho em que um DJ chamado Robin agitava as noites locais tocando clássicos do punk e new wave, chamada Nash, uma boate localizada em um hotel. Grangemouth era tão minúscula que Robin a comparava com um banheiro. Em Nash, sempre aparecia uma garota para dançar e pular, já que não havia outra forma de divertimento. Seu nome era Elizabeth Fraser, conhecida como Liz. Robin e Will Heggie, companheiro de agitos, riam dela, a única que conseguia dançar, e embora não simpatizassem muito com a menina, conversavam entre uma canção e outra. Os três então descobriram alguns gostos comuns, e resolveram montar um grupo. Will tinha um baixo e jurava saber tocar; Robin era guitarrista e Elizabeth mostrou uma voz especialmente peculiar. Para tentarem sair da cidade e ainda fazer algum dinheiro, apostaram na música, enquanto Liz e Robin iniciavam um relacionamento. Adotaram o nome de uma antiga canção do Simple Minds, “The Cocteau Twins”, que foi gravada no álbum de estréia, Life in A Day, do grupo de Jim Kerr, lançado em 1979, com outro nome: No Cure.

Robin, Liz e WillO grupo tinha uma grande paixão pelo som do The Birthday Party, grupo australiano que revelou Nick Cave ao mundo. O Party gravava por um exótico selo chamado 4AD, e Robin e Liz queriam gravar seu primeiro disco pela mesma gravadora. Robin tentou (e conseguiu) conversar com Phil Clavert do Party e entregar uma demo. Phil gostou muito e fez uma importante ponte para que a 4Ad contratasse o jovem trio. “Foi muita cara-de-pau do Robin fazer isso, mas conseguimos o contrato”, lembra Liz.


O que mais chamou a atenção de Phil e da 4AD foi o som produzido pelo grupo. O baixo de Will era pesado, porém extremamente climático. Robin era um guitarrista que não se importava com solos, apenas em sons diferentes, quase minimalistas. E para complementar havia a voz de Liz, sem nenhum paralelo. Como nunca tiveram um baterista, usavam um sintetizador Roland 808. E assim lançaram o seu primeiro disco, batizado de Garlands, em 1982, que recebeu vários elogios dos semanários britânicos.

capa de GarlandsO disco de estréia ofereceu uma prova embrionária do rápido progresso que a banda teria, mostra um som atmosférico habilidosamente construído em volta do talento de Guthrie em usar criativamente a guitarra distorcida, loops e caixas de eco, ancorado no baixo rítmico de Heggie, além de uma onipresente bateria eletrônica. Mesmo sendo um belo trabalho, em comparação com aqueles que viriam a seguir, a sonoridade ainda se apresenta um tanto seca, sem a fluidez dos trabalhos vindouros. Porém, neste primeiro disco, o grupo já apresentava a definição do tipo de som que se tornaria a característica marcante do Cocteau Twins, algo à época, um tanto inclassificável. Se Robin estava mais preocupado com sons diferentes do que com solos de guitarra, o mesmo pode se dizer da relação entre o vocal de Liz Fraser e as letras das canções, pois nesse disco e muitos que viriam posteriormente, o que mais importava eram justamente os sons, pois muitas vezes, as letras cantadas por Liz eram simplesmente incompreensíveis, ou seja, mais valia a sonoridade das palavras do que o seu significado. Aliás, as letras nem sequer apareciam nos encartes dos discos. Apesar da banda defender em entrevistas que essa imprecisão não era proposital, isto acabou se tornando um mito sobre as canções do Cocteau Twins. Perguntava-se, inclusive, em que língua afinal cantava Liz Fraser, chegando-se a conclusão de que não haviam letras nas canções do Cocteau Twins, mas apenas e tão somente sons sem um significado preciso.

Uma das grandes atrações do grupo era o grande cuidado e apuro visual com as capas de discos, singles e EP, todos produzidos pela empresa de artes e design, 23 Envelope. Suas capas etéreas e abstratas tornaram-se uma marca não apenas do Cocteau, mas de quase todo o cast da 4AD, a exemplo do projeto This Mortal Coil, Colourbox, Throwing Muses, etc.

O disco alcançou a quinta posição na parada independente e ganhou um fã: o DJ John Peel. Peel ouviu a banda através do mesmo sistema que Robin apresentou o grupo ao pessoal do Birthday Party, dando-lhe uma famosa fita demo. “Estava um dia na rua e vi o (John) Peel. Pensei que era uma oportunidade muito boa para deixar escapar, me aproximei e educadamente ofereci a fita, que aceitou.” Peel, o DJ mais famoso do Reino Unido, começou a tocar o grupo e logo produziu um programa apenas com eles.

Com o sucesso, abriram shows do Modern English e do Birthday Party por toda a ilha. Aproveitando o sucesso inesperado, lançaram no final do ano o EP Lullabies, que recebeu críticas ainda mais elogiosas. O trio já mudara para Londres, e gravava em um pequeno estúdio e tinha um som diferente. “Garlands parecia uma pedra gigante amarrada em nossos pescoços. Todos esperavam que soássemos da mesma maneira e isso nunca foi nossa intenção”, conta Robin.

No ano seguinte, outro EP, Peppermint Pig, canção que fica nas parada independentes atrás apenas de “Blue Monday”, do New Order, e que teve como produtor Alan Rankine, dos Associates. E, ainda em 1983, acontece o lançamento do segundo disco Head Over Heels, que marca a saída de Heggie. Guthrie e Fraser gravam em 1983 o disco como um duo. Notadamente este é o trabalho de sonoridade mais diáfana do grupo aproximando-se mais do estilo que ficaria conhecido com ethereal, e estabeleceu a fórmula que o grupo continuaria a trabalhar durante quase toda a sua carreira. Ainda como uma dupla, fizeram o EP Sunburst and Snowblind, no mesmo ano.

capa da edição que juntou Sunburst and Snowblind e Head Over HellsNo final de 1983, Simon Raymonde (ex-Drowning Croze) juntou-se à banda para a gravação do disco The Spangle Maker; enquanto o grupo durou, Raymond trouxe um reforço importante para eles, sendo um componente essencial do Cocteau Twins, gradualmente assumindo um ativo papel como escritor das letras, arranjador e produtor. Paralelamente, o grupo participou do projeto This Mortal Coil, idealizado por Ivo Watts-Russel, presidente da 4AD, originalmente um projeto que queria gravar versões de material de outros selos e artistas sem gravadoras, explorando o talento dos artistas “caseiros”, como o pessoal do Dif Juz, X Mal Deutchsland, Wolfgang Press e Dead Can Dance, com participações ocasionais de outros músicos fora da 4AD.

Robin comenta que Ivo lançou o projeto na mesma época em que o Cocteau estava sedimentando sua fama: “quando eu ouvia Song to the Siren tocar na rádio (que tinha vocais de Liz e o baixo de Simon) e nada nosso nas mesmas, me deixava doente de raiva. Simon e Liz participaram de oitos canções lançadas entre 1983 e 1984.



Simon, Liz e RobinSimon conta porque entrou para o Cocteau: “eu sempre fui um grande fã da banda e ouvia todos comentarem como eram místicos e todas essas coisas. Nunca pensei isso, apenas que as músicas eram brilhantes e excitantes e nunca imaginei que, nem em um milhão de anos, seria um membro da banda”, explica.

Simon conta que viajava com o pessoal da 4AD durante os shows, em um dia, em Camden, enquanto Liz e Robin trabalhavam em um pequeno estúdio de 8 pistas, Simon chegou e escreveu a canção “Millimillenary”, que faria parte da coletânea The Pink Opaque, que sairia em 1985. Animado, voltou para casa afim de compor novas músicas até ser convidado por Liz e Robin para passar uma semana na Escócia escrevendo novas composições. “Millimillenary” faria parte de uma coletânea do semanário New Musical Express. O primeiro lançamento de fato do novo trio seria o EP The Spangle Maker, e em seguida, lançariam aquela que é considerada a grande obra-prima da banda (e o primeiro lançamento do grupo no Brasil), Treasure, em 1984.

capa de TreasureEntre os muitos fatores que alçaram Treasure a categoria de obra prima, podemos citar a evolução estrutural melódica das músicas, que apresentam também efeitos sonoros cada vez mais complexos e perfeitamente burilados por Robin e Simon. As canções guardam reminescências sonoras barrocas e dark wave. A voz de Liz também sofreu uma considerável melhora, mostrando um timbre claro e delicado além de um belo alcance vocal, o que pode ser apreciado em faixas como “Persephone”. O disco inicia com a faixa “Ivo” uma clara referência ao presidente da 4AD, as outras canções têm títulos que evocam personagens místicos ou mitológicos, a exemplo de “Lorelei” e “Pandora”. Esse estilo de canções com títulos obscuros ou místicos se repetiriam em outros discos, assim como a utilização de lendas e palavras de origem celta. Essa prática se tornou tão comum que chegaram a disponibilizar um glossário em seu site oficial www.cocteautwins.com com as palavras mais incomuns que apareciam nas canções.

O disco foi votado como o melhor lançamento do ano e Liz considerada a melhor vocalista feminina por vários semanários ingleses. O grupo fez então sua primeira excursão fora da Europa, indo para o Japão onde foram assediados de forma absurda pelo fãs, o que deixou Robin surpreso: “os japoneses são carinhosos. Não era aquela histeria tipo Bealtes, mas após nossas apresentações, ficavam na porta do hotel, querendo conversar, pedir autógrafos. Quando íamos para as estações de trem, eu cheguei a ver entre 2000 a 3000 pessoas nos acompanhando.” Elizabeth completa: “o Japão é um lugar absurdo, eu estava excitada para conhecer por tudo que havia lido, e Treasure era o disco mais vendido do país e lá eles têm a mania de mudar os títulos dos discos nas capas. Treasure virou The Woman the Gods Loved. Imagino que a canção “Persephone” tenha estimulado isso.
Apesar do imenso sucesso do disco, os Cocteau Twins só executavam duas canções ao vivo, “Lorelei” e “Pandora”.

Depois do disco, O Cocteau entrou numa maratona de lançamento nos anos de 1985 e 1986, com seis discos de material inédito e uma coletânea. O primeiro deles foi o EP Aikea-Guinea, e a canção título é uma das melhores composições do grupo segundo, Robin e a favorita dos fãs em shows. Logo depois do lançamento do EP, Robin e Liz participaram de uma inusitada cover de “Respect”, de Otis Redding e que ficou imortalizada na voz de Aretha Franklin, em um álbum do Wolfgang Press, The Legendary Wolfgang Press and Other Tall Stories. Em seguida lançam mais dois Eps, Tiny Dynamine e Echoes in a Shallow Bay, que no final do ano seriam re-lançados como um EP duplo e, segundo Robin, os dois são os dois melhores discos que os Cocteau já produziram. O ano se encerra com o quarto lançamento da banda, a coletânea The Pink Opaque, com faixas desde 1982, além da primeira canção feita por Simon Raymonde, “Millimillenary”, disponível apenas na fita cassete lançada pela já citada revista New Musical Express. O disco foi realizado para funcionar como um cartão de visitas para o mercado norte-americano, já que a banda tinha assinado um acordo para a distribuição de seus trabalhos na América. E antes do ano terminar, a banda já partia para outras colaborações: Simon estava envolvido com o This Mortal Coil e Robin e Liz realizando trabalhos com o pessoal do Dif Juz e do Felt, grupo que teria um pequeno sucesso em uma canção chamada “Primitive Painters”, com vocais de Frazer. E fariam de 1986 um ano inesquecível para suas vidas com o lançamento de dois discos: Victorialand e The Moon and the Melodies.

capa de VictorialandLançado em abril de 1986, o disco não teve a participação de Simon, envolvido com o Coil e, mais uma vez, repetindo o que tinha feito após a partida de Will, Liz e Robin realizaram um trabalho em parceria. O disco, que começou como uma maneira dos dois amantes e músicos para passarem o tempo em estúdio e trabalhando acusticamente com voz e instrumentos e lutando contra suas limitações (palavras de Robin), resultou naquele que é considerado o álbum mais aclamado da vasta discografia da banda e recebeu vários prêmios como o melhor lançamento do ano. O nome foi tirado de uma região da Antártica, e todas as canções giraram em torno desse conceito: “Throughout the Dark Months of April and May” é uma referência ao escuro inverno da região nesses meses; “Whales Tails” fala de rabos de baleia e “The Thinner in the Air”, dos ventos locais. O disco tem a colaboração delicada de Richard Thomas no saxophone e do pessoal do Dif Juz nas tablas (pequenos tambores tocado com as mãos). Nessa época começaram a ser rotulados como new age, por causa dos vocais peculiares de Liz e dos climas esparsos e etéreos da banda, o que não deixou a banda muito feliz. Robin chegou a dizer que new age era música feita por gente de mais de 50 anos e carecas. Para Simon, o rótulo apareceu apenas por causa de Victorialand, mas que new age era muzak, enquanto o Cocteau jamais soou como tal.

Para o próximo disco, resolveram ampliar seus horizontes: ao invés de um disco intiitulado Cocteau Twins, preferiam usar os nomes Simon Raymonde, Robin Guthrie and Elizabeth Fraser, ao lado do pianista Harold Budd. O nome do disco era The Moon and the Melodies. A idéia começou como um documentário de televisão, mas como viram que as músicas eram boas demais para servirem apenas como trilha de fundo, resolveram fazer um disco do grupo, acrescido de Budd, que mais uma vez colaboraria em um trabalho da banda como tecladista e compositor. Budd comparece com sons de teclado e piano que guardam uma forte influência musical de Brian Eno. Também enriquecem a sonoridade do disco a presença do sax e da bateria de Richard Thomas, do Dif Juz , nas faixas “She Will Destroy You”, “The Ghost Has No Home” e “Bloody and Blunt”, o que já havia acontecido no álbum anterior .Tudo isso combinado a guitarra de Robin e o vocal bem trabalhado de Liz, servem para criar aquilo que a banda denominaria “trilha sonora para os sonhos”. Todo o conjunto soa um tanto difuso, distante, como se realmente se tratasse de um sonho, até mesmo o piano, que parece estar sendo tocado embaixo d'água.

E se a banda era um tanto difusa e para alguns misteriosa, começaram a cercar o grupo para entrevistas, o que desagradava os membros do Cocteau. O mais intratável era sempre Robin que chegou a comentar: “Gostaria que as pessoas parassem de querer saberem sobre nossas vidas, o que gostamos, quem somos e que aceitassem os discos e pronto. Por que, raios, querem saber sobre minha filosofia de vida? Desde quando minha opinião é mais importante do que a dos outros?” Enquanto isso, lançaram mais um EP Love's Easy Tears, com três faixas: a faixa de mesmo nome, “Sigh's Smell of Farewell” (a minha preferida do grupo – Rubens) e “Those Eyes, That Mouth”. Posteriormente o EP seria relançado com a adição de outra canção, “Orange Appled”.

Nessa época o grupo havia construído seu próprio estúdio e ficavam horas trancados produzindo músicas, sem se importar com a morosidade das outras bandas. Robin: “ficar trancado dentro de um estúdio meses e meses não significa que queremos simplesmente fazer um trabalho diferente de outro, mas acontece que isso ocorre de uma maneira natural e acabam soando assim. Constantemente mudamos nossas atitudes e nos contradizemos, mas acho que isso é um hábito bem saudável.” Liz tentava explicar porque as letras soavam de maneira quase incompreensíveis: “nós tentamos colocar a voz bem alto na mixagem, para manter todos os efeitos longe, mas parece que sempre falhamos nisso.” Robin, discorda: “não há nada errado com a mixagem, efeitos ou a voz de Liz, é assim que ela soa. Isso quer dizer que as pessoas são incapazes de entender o que ela canta?”

Robin, Liz e SimonRobin mostra que apesar de não gostarem de falar de outros assuntos fora a música, confessou que gostaria de ter sido convidado para o projeto Artists United Against Apartheid, organizado pelo guitarrista Little Steven, colaborador de Bruce Springsteen, de 1986, contra o regime racial da África do Sul. Posteriormente, cederiam uma canção de Victorialand para a campanha dos direitos dos animais, e outra para a paz mundial, em 1993.



“Música com mensagens têm sua hora e lugar e muitos podem e fazem isso melhor do que nós. Pegue o exemplo do Morrissey, que responde qualquer coisa porque tem grande conhecimento geral e o considero melhor falando do que cantando. Esse é um dos motivos que fazem as pessoas comprarem os discos dos Smiths, eles querem uma mensagem. Mas não é por isso que seguiremos a mesma linha”, explica Robin.

“Para mim está claro que as pessoas vejam nos títulos uma maneira de entender a canção, mas acredito que as capas também podem fazer a mesma coisa. Se um disco não mostra os nomes das músicas fica impossível dele ser publicado e evita que os jornalistas fiquem escrevendo 'aquela música que faz hum hum hum', essa merda toda. Em Treasure sofremos esse tipo de problemas ao dar nomes às músicas e no fim, desistimos e fizemos da maneira que achávamos melhor”, explica Liz.

Das quatro canções de Love's Easy Tears, apenas “Those Eyes, That Mouth”, não era tocada nos shows, embora “Orange Appled”, só tenha feito parte das apresentações, a partir de 1991. Em 1987, primeiro ano desde 1982 em que não houve um lançamento oficial do grupo, eles cederam a faixa “Crush” para uma compilação da 4AD, chamada Lonely is An Eyesore, coletânea que acabou sendo lançada aqui, também.

capa de Blue Bell KnollEm 1988, lançam o disco que seria considerado por muitos como o melhor de sua carreira, Blue Bell Knoll. Sei que isso é relativo, mas de fato esse foi o disco que obteve a melhor recepção da crítica e do público. Em uma enquete feita recentemente no site oficial da banda esse trabalho foi apontado pelos fãs como o melhor já lançado, seguido de Victorialand e Treasure. O título evoca uma antiga lenda celta sobre a morte. Somente aqueles que estão próximos da morte podem ouvir o som do blue bell (uma planta gramínea que tem florzinhas em forma de sino). Segundo alguns, a banda teria nesse trabalho sofisticado demais o seu som, apesar de que realmente esse foi até então o disco que soava melhor produzido. Isso é percebido à partir da primeira faixa, e que intitula o disco (e a minha preferida da banda – Beatrix), belamente introduzida por uma delicada seqüência de loops de piano e sintetizador, que acompanham uma melodia fluida e hipnotizante. Em outras faixas do disco aparecem combinações instrumentais diferentes e variadas, que soam ao mesmo tempo ricas e exóticas. As várias camadas de guitarras e baixo se aliam aos sons de xilofone, clavicórdio e marimba produzindo uma sonoridade rica, densa e fluida, conferindo um certo tom impressionista às melodias, evocando diferentes texturas e imagens. Esse disco traz algumas das mais belas e inspiradas canções do grupo: “Carolyn's Fingers” e “Athol-brose”. Esse foi o primeiro trabalho da banda produzido por uma major,a Capitol, além de ser o primeiro disco de estúdio lançado nos Estados Unidos.

Após o disco, o grupo tirou as primeiras férias desde o início da carreira. Robin e Liz ficaram curtindo a gravidez da cantora e o nascimento da pequena Lucy Belle. Simon casou e também virou pai com o nascimento de Stanley. O grupo investiu em um novo estúdio para trabalhar, em Twinckenham, ao sudoeste de Londres e que era conhecido por ter sido o famoso estúdio Eel Pie, de Pete Townshend, do finado The Who. A banda batizou a nova casa de September Sound, já que setembro foi o mês em que nasceram as duas crianças.

Paralelo à isso, Robin produziu vários grupos, como o Chapterouse, o Lush, o Veldt e Shellyan Orphan, enquanto Liz deu uma canja no primeiro disco-solo do bunnyman Ian McCulloch, Candleland, na faixa-título. Em 1990, lançam o novo disco Heaven or Las Vegas, que acabaria sendo o maior sucesso comercial da carreira do grupo.

Tal sucesso talvez se deva ao fato deste ser o menos experimental e mais acessível dos trabalhos da banda, o que não significa, em hipótese alguma que o grupo tenha aberto mão da inventividade sonora, contudo é um disco mais palatável para os padrões pop. É de fato o primeiro disco em que é possível entender claramente as letras cantadas por Liz. Na faixa de ritmo lento e monótono, "Fotzepolitic", ela canta: “Meus sonhos são todos mais ou menos básicos e endereçados, são sonhos de uma garotinha...” . As canções trazem impressões sobre a maternidade ("Road, River, and Rail"), a realidade e o estresse do dia-a-dia ("Wolf in the Breast"), amor ("Pitch the Baby") e trabalho ("Iceblink Luck"). As dez faixas que compõem o disco apresentam sonoridades diversas, que vão do hip hop em “Pitch the Baby” (que foi lançada em uma coletânea da Mute Records/4AD chamada Red Tape); suaves baladas como "Wolf in the Breast" e "Fifty-Fifty Clown"; e a beleza tépida e refinada de "Iceblink Luck" e da faixa título.

A interpretação de Liz ganha uma certa candura, talvez decorrente da maternidade. Mesmo apresentando texturas claras e brilhantes, aparentando ser um disco menos trabalhado que os anteriores, na verdade ele representa uma evolução em relação a exploração de novas tecnologias pelo grupo (especialmente por Robin, o mais ligado nessas experimentações), contudo as canções conseguem soar mais objetivas, coesas e despojadas.

Estranhamente, após o lançamento do disco, a Capitol e a 4AD resolveram lançar, em conjunto, ao invés de um single de trabalho da faixa-título, um novo título, contendo a versão do disco, uma editada e outra canção inédita, “Dials”, que foi usada como música inicial para os shows da turnê.

A turnê, aliás, foi a mais concorrida da carreira dos Cocteau Twins, com ingressos esgotados para todas as apresentações. Pela primeira vez seriam headliners (banda principal de um show) e, ainda assim, não queriam sair excursionando de maneira nenhuma. “Nós não queríamos fazer shows, mas estamos fazendo isso apenas porque há um novo álbum, mas enquanto fazíamos o disco ficávamos angustiados pensando que teríamos que tocar todas essas novas canções ao vivo”, explica Simon. Outro motivo para não quererem realizar apresentações era o longo tempo em que não tocavam certas canções. “Quando entramos em estúdio, gastamos mais da metade de uma tarde, arrumando um solo de guitarra de uma música, detalhes assim, e quando vamos tocá-las dois anos mais tarde, nem sempre conseguimos nos lembrar. Nós não ficamos ensaiando antigas músicas no estúdio como outras bandas que conhecem seu repertório de trás para frente. Não fazemos isso”, completa Robin. Para os shows na América, eles tiveram a companhia, primeiro do Mazzy Star, e depois do Veldt.

A banda percebeu que dificilmente conseguiria reproduzir o som do disco no palco, apenas com baixo, bateria, voz e tapes e que necessitariam de uma maior infra-estrutura. A solução foi a adição de dois novos guitarristas, Mitsuo Tate e Ben Blakeman. Efeitos e baterias eram executados por computadores e apenas na turnê seguinte, entre 1993/94 é que contratariam um baterista. A turnê encerrou, de forma apropriada, em Las Vegas, quando perceberam o quanto o paraíso (alusão ao “Heaven” do título) estava distante, por alguns motivos. O primeiro deles foi a declaração oficial de Ivo, avisando que o longo contrato com a 4AD estava terminado e que poderiam seguir o caminho que desejassem. Apesar disso, houve um certo constrangimento dos dois lados. Mas o maior problema era o de Robin com as drogas, que se tornava cada vez maior, adicionados a um racha interno que só fazia aumentar, embora ninguém comentasse. Apesar de todo sucesso e atenção da mídia, o grupo não estava mais feliz.

caixa de compactos do Cocteau Twins Em três anos, a única canção nova composta foi “Frosty the Snowman”, para uma revista de música, em 1992. Então a 4AD e a Capitol resolveram capitalizar em cima do hiato criativo e lançaram, em 1991, uma caixa contendo todos os inúmeros singles que o grupo gravara entre 1982 e 1990, e canções raras, sendo formada por dez cds.

Os anos de hibernação serviram para que Robin ficasse limpo em relação às drogas e que o grupo descansasse da pressão e começasse a trabalhar novamente em outras composições, que resultaria no disco Four-Calendar Café.

O disco foi lançado por um novo selo no Reino Unido, a Mercury Fontana, que veio até o Brasil assinar com o grupo, já que a Capitol era a represetante norte-americana do Cocteau. Robin explica melhor o ocorrido: “nós estávamos promovendo o Heaven or Las Vegas no Brasil, quando ficamos sabendo que algumas pessoas da Fontana queriam ir até lá para conversar conosco. Disse que poderiam vir, mas eles estão loucos se pensam que assinaremos só porque resolveram vir de tão longe para isso.”. O acerto aconteceu porque a gravadora resolveu deixar a banda totalmente livre para executar suas músicas da maneira que achasse melhor.

É o primeiro trabalho da banda após o término de um longo e estável relacionamento com a gravadora 4AD. Produzido e lançado pela Capitol Records em novembro de 1993, traz 10 faixas que foram gravadas e mixadas no September Sound, o estúdio da banda. É considerado o mais confessional dos seus trabalhos. Aqui o grupo preferiu investir mais no conteúdo que no estilo. Os temas oscilam entre as dificuldades do novo começo profissional e os problemas pessoais de seus integrantes. As canções expõem de forma bastante aberta essas questões, como nunca havia sido feito antes, quebrando um pouco a mística enigmática em torno do grupo. O disco conta com colaborações de estúdio de Lincoln Fong, além das guitarras adicionais de Mitsuo Tate e Ben Blakeman, e da bateria e percussão de Benny DiMassa e David Palfreeman. Canções como "Evangeline," "Bluebeard" e "Know Who You Are at Every Age" representam o contínuo esforço do grupo em tornar-se mais acessível em relação às letras e melodias, contudo, sem abrir mão da fluidez e do estilo ethereal que sempre caracterizou a banda. Ao mesmo tempo em que traz pops dançantes misturados a influência de country-music, como a faixa “Bluebeard” , apresenta canções com forte carga emocional e que expõem as dificuldades e sofrimentos individuais dos integrantes da banda, inclusive uma dos maiores problemas do grupo, a dependência de Robin em relação às drogas e o álcool; à exemplo de "Theft, and Wandering Around Lost","Oil of Angels","Squeeze Wax” e “Evangeline”, que traz um delicado arranjo de guitarras e teclado rítmico.

“Eu fui o último a perceber a que ponto chegaram meus problemas por causa das drogas. Não consegui me limpar rapidamente, demorei uns seis meses. Só resolvi parar com tudo isso quando me lembrei das pessoas que haviam morrido dessa maneira, como o Sid Vicious. Eu havia me tornado um problema.”

As letras de Liz surpreenderam pela maneira direta e até crua seus problemas e dando pistas que o casamento com Robin não andava bem, e não era apenas pela questão do abuso de aditivos químicos. Em “Evangeline”, Liz fala: “Não há como voltar para trás/Não posso evitar meus sentimentos/Não sou mais a mesma/Voltei a crescer”. Em “Bluebeard”, os sentimentos são ainda mais expostos: “Você é o homem certo para mim?/Está seguro disso? É meu amigo?/Ou está intoxicado de mim?/Por que você me maltrata ou trai minha confiança?”

“Percebi que sempre fui uma pessoa muito reservada e que constantemente crio uma máscara para os outros e só agora percebi o quanto fiz isso. Não sei dizer ao certo o que está acontecendo, mas espero que não signifique que não me permita fazer mais do que realizei em Blue Bell Knoll. Gosto de ter habilidade de fazer o que sinto vontade. Neste disco estou expressando ou falando das mesmas coisas, mas não estou aprisionadas nelas. Tudo é muito doloroso e as letras refletem são mais explícitas, embora não ache o termo explícito o mais correto. Penso que são mais pessoais.”

Fraser tenta explicar o motivo de suas letras serem menos abstratas do que no passado: “No passado parece que eu queria escrever e cantar letras que eu não entendia como se eu construísse novas palavras por haver uma resma delas que não tinha a menor idéia do que significavam. Mesmo assim queria usá-las porque me sentia capaz de me expressar sem dar a menor chance de me decifrarem.”

No outono de 1993, o grupo sai promovendo o disco levando um baterista e um percussionistas reais, convidando Benny DiMassa e David Palfreeman , que haviam trabalhado no disco, além dos já habituais guitarristas Mitsuo Tate e Ben Blakeman, e no palco, pareciam mais entusiasmados do que nunca. O grupo fez então algumas experiências totalmente estranhas: a primeira delas foi participar do programa “120 Minutes” da MTV onde Robin mostrou um visível desconforto. Depois participaram do programa “Tonight Show with Jay Leno”, onde tocaram “Bluebeard” com Liz brincando bastante com sua voz e Ben usando um vestido.

Durante a turnê Liz e Robin começaram a deixar ainda mais claro que as diferenças entre eles apenas aumentavam. Enquanto Liz dizia que queria cantar antigas músicas que não eram mais realizadas, Robin desdenhava o passado, dizendo que preferia aprender outras novas para ensinar ao grupo. Robin também começou a ter atitudes de um rock-star típico, reclamando do alto custo diário da excursão: “As antigas canções são ok, assim como as novas, mas na verdade, não me importo com nenhuma delas. Tudo que gostaria era de poder parar por uma semana e aprender outras, mas não podemos fazer isso, por causa do alto custo diário. Parece um choro bobo, mas essa turnê nos custa um sem-número de milhares de dólares por dia e nós estamos perdendo dinheiro com ela. O único dinheiro que entra atualmente para mim são dos royalties. Eu não ligo para salário, mas gosto de ter meu dinheiro como qualquer outro trabalhador, mas a verdade é que já faz 3 ou 4 meses que não tenho um como qualquer pessoa normal. Se fizéssemos apenas uma excursão pela Europa, os custos seriam bem menores e ainda ganharíamos, mas privaríamos nossos fãs na América. Estou tentando ser mais razoável com o tempo porque antigamente eu mandaria os fãs à merda. Então as pessoas compram o ingressos e damos exatamente aquilo que querem. Mas eu fico me perguntando se estou sendo sincero comigo e com a minha música ou apenas fingindo ser. Hoje tento fazer a coisa certa, enquanto no passado queria apenas realizar à minha maneira, que nem sempre era a correta.”

Após a turnê, em 1994, Liz teve uma crise nervosa decorrente de toda a pressão e também admitiu que seu relacionamento com Robin não tinha mais sentindo. Mais uma vez, Robin, Liz e Simon investiram em projetos pessoais, sendo o mais curioso realizado pela cantora, que participou de um disco nunca lançado: um disco de músicas do Pink Floyd com a London Philarmonic Orchestra. Enquanto isso, uma cantora chinesa, Faye Wong (Wangfei) regravou “Know Who You Are at Every Age” e “Bluebears” de Four-Calendar Café em mandarim.

Em 1995, os ânimos estavam mais serenados e o grupo resolveu fazer algo em que sempre foram mestres, um EP, que acabaram virando dois: Twinlights e Otherness.
“Estamos bem melhores agora e foi bom esse pesadelo ter acontecido porque percebemos que se amamos alguém, não importa o quanto ela desça e você continuará a amando. É algo estressante, de fato, porque é um casamento entre três pessoas, mas ao mesmo tempo, muito prazeroso.”

Os EPs foram um processo natural, segundo Liz: “nós queríamos voltar a produzir e imaginamos que um EP, por ser mais curto que um disco seria o melhor caminho”. A opinião era compartilhada por Simon: “é um tipo de exercício. Escrevemos pequenas canções para ver onde queríamos chegar.”

Na canção “Rilkean Heart”, de Twinlights, inspirada no poeta alemão Rainer Maria Rilke, Liz canta sobre o amor e cita Jeff Buckley, cantor, compositor, filho de Tim Buckley e que morreria no ano seguinte, afogado. Muitos diziam que Jeff era a grande paixão de Liz desde que a separação de Robin acontecera, fato que ela jamais comentou, especialmente após a morte de Buckley. A única coisa que disse à epoca foi “é realmente algo cafone falar assim, mas eu estou me sentindo terrivelmente faminta por amor, e me sinto compulsiva com isso.”

A música acabou gerando um projeto novo. O cineasta Drik Van Dooren e desenhista gráfico Tomato resolveram fazer um curta-metragem em cima de “Rilkean Heart”. Mesmo sem o apoio da Mercury Fontana, o grupo bancou o projeto, rodado em 16 mm e Super 8, e que acabou ganhando o prêmio do Grande Júri no Festival de Cinema em Charleston, na Carolina do Sul.

capa de Milk & KissesTudo isso faria que a gravação do último disco oficial do Cocteau Twins, Milk & Kisses fosse realizado em uma harmonia de grande paz e alegria. Esse trabalho representa um retorno às raízes musicais do grupo. Estão presentes as antigas texturas e camadas de guitarras e voz, linhas de baixo, e as letras obscuras e ininteligíveis que tanto caracterizaram o grupo e fizeram a sua mística. Um exemplo é a faixa de abertura, "Violaine", uma espécie de rock'n'roll estilo Cocteau Twins, com uma linha de baixo funk e camadas de guitarra distorcida, acompanhadas da voz de Liz, que canta uma letra totalmente incompreensível, que seria uma espécie de brincadeira sobre mensagens ocultas em canções. "Half-Gifts" e "Rilkean Heart," que apareceram em um formato semi-acústico no EP Twinlights reaparecem em versões diferentes, mais eletrônicas. Merecem destaque as pérolas pop "Tishbite," "Calfskin Smack" e "Ups", além da faixa "Eperdu" que recria um clima fluido como ondas oceânicas, uma referência ao local onde o álbum foi escrito, na costa francesa (Eperdu é o equivalente em francês arcaico à expressão es perdu, "está perdido"). "Treasue Hand" mostra a banda de volta a sua melhor forma, uma bela canção construída sobre um clima sereno e contemplativo que encaminha-se lentamente rumo a uma tensão que explode repentinamente, em uma fórmula semelhante à canções anteriores da banda como "Donimo" (Treasure) e "Pur" (Four-Calendar Café). É um trabalho memorável, que ilustra a caminhada de um dos grupos mais criativo e inovadores das últimas décadas, e traz tudo que um bom álbum do Cocteau Twins pode dar: som hipnótico, onírico, embalado por vozes etéreas, sons líquidos e delicadas texturas sonoras.

Robin define a gravação desse trabalho como uma experiência prazerosa. Elas foram gravadas na ciidade de Brittany, na França, onde a nova esposa de Robin vivia. Segundo ele, foi a primeira vez na carreira em que os três trabalharam ao mesmo tempo em estúdio, já que no passado, cada um fazia sua parte em horas diferentes. “Quando líamos sobre a vibração dos outros grupos trabalhando juntos em um estúdio, achávamos isso uma grande besteira, porque para nós sempre foi extremamente alienante. E descobrimos que esses dois meses juntos, todos os dias foram muito agradáveis.” Simon fala que a melhor coisa do disco foi a rapidez: “Robin e eu escrevíamos uma canção e não precisamos ficar esperando que a musa eterna viesse visitar Liz para que cantasse.”

Uma última excursão mostrou a banda ainda mais madura. Com vários músicos no palco, entre eles um tecladista, a banda soou mais alegre do que antes, cantando vários clássicos da época de Garlands, passando por Heaven Over Heels e Treasure. Após o final das apresentações, eles ficaram livres do contrato com a Mercury Fontana e tiveram que negar que se separariam, dizendo que estavam felizes de terem saído da “grande máquina”. Fundaram um selo próprio, Bella Union, e de forma surpreendente, anunciaram em 1998, em meio às gravações de um novo trabalho, que iriam encerrar as atividades. Simon tenta explicar os motivos: “Sempre houve uma grande dificuldade desde a separação de Liz e Robin, em 1993. Foi um período duro, com excursões e pressão. Eles acabaram se tornando amigos novamente, mas logo arranjaram outros companheiros, o que gerou uma grande tensão. Talvez todos tivéssemos medo de ficar sem a banda e por isso, sempre conseguíamos criar um bom ambiente de trabalho. Todos queríamos deixar a Mercury e desde os tempos da 4AD sonhávamos com um selo nosso.. Começamos a trabalhar e estávamos perto do final, com 15 ou 16 novas canções e Liz já tinha colocado a voz em sete delas. Não sei o real motivo pelo qual ela resolveu partir, já que em duas semanas todas as canções estariam finalizadas. Foi um choque, pois eram coisas maravilhosas, com influências diversas. Enfim, nossa separação será um outro muito sobre a lenda acerca dos Cocteau Twins.”

Com a separação, o grupo deixou alguns legados. Em 1999, pela Bella, lançaram um CD duplo com gravações na BBC, entre 1982 e 1996, o BBC Sessions. Simon explica que fizeram o disco por acharem que tinham uma dívida com John Peel. São trinta faixas divididas em dois discos. Todas são músicas do Cocteau Twins, com exceção de Strange Fruit, uma cover de uma canção de autoria de Lewis Allan, de 1939, que ficou celebrizada nas vozes de Billie Holliday e Josephine Baker. Foi cantada por Liz em uma Peel Session em outubro de 1983. A única música inédita é a instrumental “My Hue and Cry”.

capa de Stars and TopsoilEm 2000 é lançado Stars and Topsoil, uma coletânea de 18 faixas, dos melhores trabalhos da banda gravados entre 1982 e 1990 pela 4AD Records. As faixas foram rigorosamente selecionadas pelos membros da banda e remasterizadas por Robin e Walter Coelho, um engenheiro de som e produtor brasileiro especializado em música eletrônica. O título da coletânea, que foi dado por Liz, sugere uma mistura entre bem e mal, céu e terra, talvez uma reflexão sobre as experiências boas e más, que grupo viveu nos seus 19 anos de carreira. Esta coletânea foi lançada no Brasil e continua em catálogo.



Após o término da banda seus integrantes continuaram produzindo musicalmente, ainda que de maneira esparsa, participando de colaborações com outros artistas e bandas. Simon ainda lançou um disco-solo muito elogiado chamado Blame Someone Else, em 1998. Logo após este lançamento Robin anunciou que voltaria a escrever novamente. Montou um novo projeto musical com a vocalista Siobahn De Maré (ex-Mono), chamado Violet Indiana. A primeira gravação do grupo foi o EP lançado em 2000, intitulado Choke, logo seguido do disco Roulette em 2001,dos singles Killer Eyes do mesmo ano e Cassino, de 2002. O novo projeto de Robin traz harmonias e texturas de guitarra muito próximas aos antigos trabalhos do Cocteau Twins, em meio a um pop com influências de cool jazz.

Quanto a Liz Fraser, fez participações vocais em trabalhos de diversos artistas. Mudou-se com seu novo parceiro, Damon Reece (membro do Spiritualized) em 1998 para Bristol, lar da cena trip-hop inglesa. Em 1998 participou do álbum Mezzanine da banda Massive Attack nas faixas "Teardrop," "Black Milk" and "Group Four", chegando a acompanhar a turnê britânica da banda. No mesmo ano participou da gravação do disco de Craig Armstrong, The Space Between Us, com a canção "This Love" . Em 1999 foi convidada por Peter Gabriel para participar de seu controverso projeto conceitual OVO, que tratava da comemoração da chegada do novo milénio. Liz aceitou e compareceu em duas faixas "Downside Up" e "Make Tomorrow". Também participou da gravação da trilha sonora de diversos filmes, entre os quais o britânico The Winter Guest e o americano In Dreams. Seus trabalhos mais recente são participações nas trilhas sonoras dos filmes O senhor dos Anéis: a sociedade do anel (Lothlorien (Lament for Gandalf)) e O senhor dos Anéis: As duas Torres (Isengard Unleashed).

Até o final de 2003 a gravadora 4AD está prometendo um relançamento de seis discos do Cocteau Twins originalmente lançados pelo selo: Garlands, Head Over Heels, Treasure, Victorialand, Blue Bell Knoll e Heaven or Las Vegas. Os álbuns serão digitalmente remasterizados por Robin Guthrie, e terão o design e a arte de capa revisados (o que está deixando os antigos fãs da banda preocupados). Esse relançamento é bastante justo, pois mesmo após o fim do grupo, e sem que seus ex-integrantes tenham, em suas carreiras solo, feito algo de semelhante relevo em comparação aos trabalhos antigos do Cocteau Twins, é inegável a importância que o grupo tem ainda hoje, influenciando diversos grupos e artistas da atualidade.

Discografia


Garlands (1982)
Lullabies (EP, 1982)
Peppermint Pig (EP, 1983)
Head Over Heels (1983)
Sunburst and Snowblind (EP, 1983)
The Spangle Maker (EP, 1984)
Treasure (1984)
Aikea-Guinea (EP, 1985)
Tiny Dynamine (EP, 1985)
Echoes in a Shallow Bay (EP, 1985)
The Pink Opaque (1985)
Victorialand (1986)
The Moon and the Melodies (1986)
Love's Easy Tears (EP, 1986)
Blue Bell Knoll (1988)
Heaven or Las Vegas (1990)
Iceblink luck (single, 1990)
Heaven or Las Vegas (1991)
Box Set (1991)
Four-Calendar Café (1993)
Evangeline (single, 1993)
Snow (single, 1993)
Bluebeard (single, 1994)
Twinlights (EP, 1995)
Otherness (EP, 1995)
Milk & Kisses (1996)
Tishbite 1 (1996)
Tishbite 2 (1996)
Violaine 1 (1996)
Violaine 2 (1996)
BBC Sessions (1999)
Stars and Topsoil (2000)
 

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Salazar

Um ditador fascista? Político sem brilho, destituído de carisma, Salazar comandou Portugal por mais de 35 anos. A sua condução de um pequeno país, em meio a uma Europa sacudida por abalos, é motivo para que a biografia de um homem insosso esteja longe de ser insossa


por Boris Fausto
piauí

Uma série de ditaduras marcou o mundo ocidental a partir dos anos 20 do século passado. Numa sequência que durou mais de vinte anos, Mussolini inaugurou o cortejo, ao tomar o poder na Itália, em 1922. Seguiram-se Salazar em Portugal (1932), Hitler na Alemanha (1933) e o general Franco na Espanha (1939). Atravessando o Atlântico, o Brasil teve a “glória” de figurar no cortejo, com o golpe de Getúlio Vargas, implantando o Estado Novo em novembro de 1937.
Os ditadores chegaram ao poder por diferentes vias, numa conjuntura em que a democracia liberal se enfraquecera e os regimes chamados fortes pareciam ser a fórmula regeneradora das nações doentes, corroídas pela desordem. Benito Mussolini se tornou Il Duce após um passeio, mitificado pelos seus seguidores: a marcha triunfal sobre Roma. António Salazar assumiu o poder sem abalos. Adolf Hitler foi chamado pelo presidente Hindenburg para salvar a Alemanha. Francisco Franco se destacou pela via sangrenta da guerra civil, da qual saiu vitorioso.
Nesse cortejo de ditadores da Europa Ocidental, segundo o grau de sinistra importância, Hitler ficou em primeiro lugar e Salazar na última posição, embora estivesse longe de ter exercido uma “ditadura branda”. Não por acaso, Hitler, Mussolini e Franco foram objeto de excelentes biografias. Salazar, pelo contrário, recebeu poucas atenções fora de Portugal. E é de um historiador português, Filipe Ribeiro de Meneses, uma qualificada e minuciosa biografia do ditador português. O livro foi escrito originalmente em inglês, sob o título de Salazar: A Political Biographye não há nessa edição o subtítulo publicitário “Biografia definitiva”, que consta da edição brasileira. Traduzido para o português de Portugal, o livro tem para nós, brasileiros, um sabor especial, pelo palavreado luso, que lhe dá um curioso gosto de autenticidade.
É de se perguntar: como é possível atravessar as mais de 800 páginas de uma biografia, cujo personagem central não é uma figura especialmente atraente? Se a minha receita servir, li o livro com grande interesse, prestando menos atenção em minúcias que me parecem secundárias para o leitor brasileiro.
António de Oliveira Salazar, ditador sem brilho, destituído de carisma, teve, entretanto, uma longa carreira política: comandou Portugal por 36 anos. Seus traços de personalidade, seu percurso na condução de um pequeno país, em meio a uma Europa sacudida por muitos abalos, o caráter sui generis do regime autoritário português são motivos suficientes para que a biografia de um homem insosso esteja longe de ser insossa.

alazar nasceu numa pequena cidade, com um desses nomes evocativos de uma aldeia lusa: Santa Comba Dão. Único filho homem da família, viveu a infância num período em que seu pai, vindo da pobreza, alcançara condição mediana. Ao chegar à adolescência, abriam-se para ele dois caminhos numa sociedade que gerava poucas oportunidades econômicas: o sacerdócio e a carreira militar. Salazar entrou para o seminário de Viseu e chegou a receber ordens menores, a caminho de tornar-se sacerdote. Apesar de os padres representarem forte influência na sua formação católica conservadora e no seu moralismo, não seguiu carreira eclesiástica. Seguiu um rumo mais prestigioso, ao ingressar na Universidade de Coimbra em 1910, onde se especializaria em economia e finanças.
Na vida privada, Salazar foi um solteirão, atendido por uma governanta cinco anos mais velha do que ele durante todo o tempo em que viveu em Lisboa. A natureza das relações entre Salazar e Maria de Jesus Caetano Freire, que o país conhecia como dona Maria, deu margem a muita especulação, mas nada de certo se sabe a respeito. Em compensação, dois casos amorosos de Salazar, depois de chegar ao governo, tornaram-se conhecidos. Ambos envolveram relações complicadas: um deles, com uma sobrinha casada; o outro, com Maria Emília Vieira, jovem de vida boêmia, em Paris e na noite lisboeta. Por mais que ele fosse discreto em seus affaires, não era o “monge castrado” como o chamou num panfleto seu opositor Cunha Leal, banido, aliás, para os Açores.
Os casos de Salazar estão bem longe do ideal de família e do papel da mulher que pregava em seus escritos. A família, segundo ele, era “a célula social cuja estabilidade e firmeza são condição essencial do progresso”. Quanto à mulher, o maior elogio que se poderia fazer-lhe resumia-se a um epitáfio romano: “Era honesta, dirigia a casa; fiava lã.”

o plano das ideias, além da raiz fundamental – o catolicismo conservador –, ele foi bastante influenciado pela Action Française, movimento de direita em que figuravam nomes como Charles Maurras, Maurice Barrès e Gustave Le Bon. Este último impressionou Salazar pela relativização das instituições políticas existentes e por não acreditar na capacidade intelectual da grande massa.
A aproximação de Salazar com a política se deu a partir de seus escritos em jornais católicos de província, que tinha em grande conta porque considerava “a imprensa católica do país a mais séria, a mais ponderada, a única decente e limpa, que pode entrar em todas as casas, sem ministrar à donzela incauta o veneno do romance perigoso e sem tecer, sob atraentes formas, a apologia dos criminosos”.
A República portuguesa nunca chegou a se estabilizar. Ficou dividida entre as correntes partidárias, as conspirações monárquicas, a anarquia administrativa e o desequilíbrio orçamentário – herança maldita dos tempos da monarquia, derrubada em 1910. Em dezembro de 1917, um golpe de Estado abriu caminho para a ditadura militar de Sidónio Pais. Figura extraordinária esse Sidónio Pais! Sempre rodeado de belas mulheres, charmoso, carismático, populista, era pessoalmente o oposto de Salazar, que então iniciava seus passos na carreira política. A “República nova” de Sidónio, porém, durou pouco porque o “presidente-rei” foi morto a tiros, num atentado nas ruas de Lisboa, em dezembro de 1918.
Portugal voltou a ser uma democracia cuja morte anunciada percorreu os anos caóticos de 1920 a 1926. Após uma tentativa fracassada, Salazar elegeu-se deputado por um pequeno partido, o Centro Católico Português. Mais tarde, manifestaria desprezo por essa breve experiência parlamentar. Em 1920, oito primeiros-ministros passaram de raspão pelo poder e os assassinatos políticos se tornaram moeda corrente. Por fim, em 1928, uma facção militar desfechou um golpe de Estado. A ditadura, como o regime democrático anterior, seria marcada pela instabilidade não só política, como também econômica e financeira.
Foi um quadro conhecido: gastos crescentes, arrecadação insuficiente, déficits orçamentários. Os ministros da área econômica consideravam essencial obter um empréstimo internacional que ancorasse as finanças portuguesas e permitisse ao país concentrar investimentos em áreas estratégicas. Mas, como lembra Ribeiro de Meneses, havia grande desconfiança de tudo o que fosse português, a ponto de ter-se inventado um verbo em francês – portugaliser –,sinônimo de virar tudo pelo avesso.
Nesse quadro, a estrela do professor Salazar subia. Adversário do empréstimo externo, ele propôs, num relatório amplamente divulgado, medidas fiscais duras para tirar Portugal de uma situação difícil. Entre outras vantagens, o relatório o aproximou dos grandes grupos econômicos, que não eram muitos. Não tardaria a ser chamado para assumir o Ministério das Finanças, como homem providencial. Na véspera de completar 39 anos, tomou posse do cargo, em 27 de abril de 1928. Cada vez mais prestigiado, em meio às divisões no Exército e na sociedade, Salazar foi nomeado presidente do Conselho de Ministros, em junho de 1932. Na realidade, o cargo de primeiro-ministro era mero formalismo. Salazar tornou-se um ditador civil que comandou Portugal quase até sua morte.
Em linhas gerais, as medidas drásticas tomadas por ele, seja como ministro das Finanças, seja como ditador, surtiram efeito. A obstinação pelo equilíbrio orçamentário assim como um choque fiscal, suportado sobretudo pelas camadas pobres, possibilitaram o reequilíbrio econômico de Portugal. O país atravessou relativamente bem a Grande Depressão mundial iniciada em 1929, mesmo sofrendo um corte significativo dos recursos enviados pelos emigrantes portugueses, provenientes principalmente do Brasil. Ribeiro de Meneses rebate a tese corrente de que o Estado Novo luso se caracterizasse pelo imobilismo. Ao contrário, o regime salazarista representaria uma tentativa frustrada, mas nem por isso menos séria, de permitir a Portugal se desenvolver e se modernizar, dentro da ordem e do respeito às hierarquias sociais.
Salazar tornou-se ditador de uma forma bem diversa de seus contemporâneos.Mussolini apelou para a mobilização popular e para o nacionalismo. Supostamente, a Itália, após a Primeira Guerra Mundial, fora desprezada por seus parceiros maiores, vencedores da guerra. Hitler, além de utilizar o terrível ingrediente da conspiração mundial judaico-comunista, inflamou parte da população alemã, batendo na tecla do nacionalismo, ao insistir no direito da Alemanha de ocupar um lugar central na Europa depois de ter sido humilhada pelo Tratado de Versalhes. Franco subiu ao poder como vitorioso em uma guerra civil desastrosa, para ele uma cruzada cristã contra ateus e comunistas.

em longe da retórica ribombante dos ditadores de fascio e suástica, Salazar notabilizou-se por ter salvado Portugal do caos, por uma via que se pode chamar de burocrática. Em torno dele, não se elaborou um culto da personalidade, apesar de seu prestígio na maioria da população. Tinha aversão a aparições públicas, recusava-se a participar de comícios e, para completar, era mau orador e não aceitava baixar o nível dos discursos ou ceder a slogans fáceis de lembrar.
Nem por isso deixou de zelar por sua imagem, a fim de obter ganhos políticos. Por iniciativa do Secretariado de Propaganda Nacional – órgão que lembra o Departamento de Imprensa e Propaganda, o DIP do Brasil do Estado Novo – e dele próprio, sempre se apresentou ao público como um homem humilde, destituído de ambições políticas, que se dispusera a salvar o país, sem medir sacrifícios pessoais. Não fora essa elevada missão, permaneceria na cátedra de Coimbra – um remanso diante das dificuldades de dirigir Portugal. Em maio de 1935, o Diário da Manhã, órgão do regime, lançou essa pérola ao comentar um discurso do ditador: “SALAZAR, ou o ANTIDEMAGOGO: Seria essa a sua melhor definição. O demagogo dirige-se aos maus instintos... Salazar dirige-se às consciências bem formadas, aos impulsos de altruísmo e de equilíbrio, à pequena luz da Graça que dorme, latente, no íntimo de todas as criaturas.”
O salazarismo enfatizava a religiosidade, o nacionalismo, o anticomunismo, a crítica a um liberalismo que a modernidade do século XX não podia contemplar. O nacionalismo era “territorialmente satisfeito”, não se destacava pelo expansionismo, e sim como um instrumento para abafar a luta de classes. O importante era se dar bem com os vizinhos – a Espanha em particular – e manter o status quo nas “províncias de além-mar”.
O anticomunismo tornou-se virulento quando eclodiu a Guerra Civil Espanhola, em 1936. Para o regime, os republicanos e os “vermelhos” eram a mesma coisa, e ambos tinham pretensões negativas em relação a Portugal. Anos mais tarde, o perigo comunista viria a ser uma das justificativas de Salazar para tentar manter as colônias da África.
À primeira vista, pareceria que a ditadura salazarista era mais um regime fascista implantado na Europa Ocidental. A oposição portuguesa, na sua difícil luta política, tinha razões práticas para não olhar Portugal como um caso à parte. Mas, na verdade, apesar de seus namoros com o fascismo, o salazarismo distinguiu-se das correntes totalitárias tanto internas quanto externas.

omo nota Ribeiro de Meneses, no início do Estado Novo talvez a principal ameaça ao regime e a seu líder não viesse da esquerda, mas da extrema-direita, formada pelos integralistas e pelo Movimento Nacional-Sindicalista, de Rolão Preto. Os nacional-sindicalistas tendiam a transformar seu movimento, o dos “Camisas Azuis”, em um partido único. Insistiam em se constituir uma verdadeira representação corporativa da sociedade. Atacavam sem tréguas o comunismo e o capitalismo internacional. Batalhavam pela criação de um clima social propício ao surgimento de um líder carismático, condição que Salazar, sabidamente, não reunia.
Salazar preferiu seguir outro caminho – o da implantação de um regime autoritário, apoiado num setor do Exército. Se a garantia da ordem era cara aos militares, muitos oficiais, especialmente os fascistas e integralistas, faziam fortes restrições a Salazar, seja por sua atitude de transferir a cúpula do poder dos militares para os civis, seja pelos cortes orçamentários que impuseram restrições ao aparelhamento das Forças Armadas.
Como reafirmou Salazar nos últimos anos de vida, os limites do Exército eram claros: a instituição não poderia imiscuir-se nas lutas políticas, nem constituir um partido político, devendo cingir-se a suas tarefas específicas. Mais ainda, Salazar nunca pretendeu se apoiar na mobilização popular, como pretendiam as organizações fascistas, nem na força de um partido único. A União Nacional, lançada no início da ditadura, não teria as características de um partido único nos moldes do fascismo e, principalmente, do nazismo. Uma observação do historiador António Costa Pinto, citada no livro de Ribeiro de Meneses, lembrando que a União Nacional foi criada por decreto governamental, destaca com ironia: “A legislação sobre o partido foi passada do mesmo modo que a legislação sobre as ferrovias. A administração controlava-o, adormecia-o ou revitalizava-o de acordo com a situação de momento.”

alazar se referia a Portugal como país de “elites paupérrimas”. Mas ele pouco fez para ampliar essas elites. Na linguagem de hoje, o primeiro escalão do governo e o aparelho administrativo foram recrutados, essencialmente, nos meios universitários. Além do Exército, apesar das reticências, o regime contou com o apoio da Igreja Católica. Quem, como eu, viveu aqueles tempos associou ao salazarismo dois nomes: o do general Carmona, que foi presidente de Portugal, e o do cardeal-patriarca de Lisboa, Manuel Cerejeira.
O formato autoritário do regime deveu-se tanto às convicções de Salazar quanto a seu pragmatismo, na medida em que ele levava em conta as lentas mudanças da sociedade portuguesa. Comparando o Estado Novo salazarista com o implantado no Brasil, ao lado de muitas semelhanças há, pelo menos, uma diferença básica: no âmbito de uma sociedade em crescimento, na qual a industrialização ganhava ímpeto, Getúlio não poderia prescindir de uma política para a classe trabalhadora, configurada no populismo.
No terreno ideológico, se Salazar não se afinava com o fascismo, adotava alguns de seus modelos. Um bom exemplo é o Estatuto do Trabalho Nacional, de setembro de 1933, inspirado na Carta del Lavoro de Mussolini, de 1927. Quase dez anos depois, a Consolidação das Leis do Trabalho, baixada no Brasil no curso do Estado Novo, teve a mesma inspiração.
O Estado devia ser o centro da organização política e seu papel seria de “promover, harmonizar e fiscalizar todas as atividades nacionais”, tendo como órgão principal o Poder Executivo. Esse Estado forte deveria intervir em todas as atividades e, decisivamente, no campo econômico, em face da crise de que padecia o capitalismo. Ao mesmo tempo, era necessário reconciliar a nação e o Estado, de uma forma nunca conseguida desde o despontar do liberalismo em Portugal, em 1820. A reconciliação teria de ser alcançada pela educação, por um lado, e, por outro, pelo advento de uma nova Constituição, capaz de reavivar o país, ao refletir realisticamente seus corpos sociais ativos: a família, a paróquia, o município e a corporação econômica. Nessa reconciliação, o papel dominante caberia ao Estado, ao qual a nação deveria se integrar.
Entretanto, Salazar insistia que havia limites morais e espirituais à ação estatal, em áreas que, para além da política, pertenciam à consciência individual. Essas áreas privadas serviam como baluarte teórico e prático contra a extrema-direita, e para manter os católicos em papel relevante. Nesse passo, Salazar se distinguia de seus mestres da Action Française, ao rejeitar a noção maurrasiana de la politique d’abord – a política antes de tudo.

ma expressão muito utilizada na época definiu o regime salazarista como uma “ditadura constitucional”. A expressão tinha razão de ser. Em abril de 1933, uma nova Constituição, aprovada por plebiscito, transformou o Estado numa República unitária e corporativa. A Constituição previa a eleição de um presidente pelo voto direto, cabendo a ele nomear um conselho de ministros e o seu presidente. Outros órgãos institucionais eram a Assembleia Nacional e a Câmara Corporativa.
Teoricamente, a maior soma de poderes cabia ao presidente, mas foi o primeiro-ministro – Salazar, como é óbvio – quem concentrou as decisões governamentais. A Assembleia Nacional e a Câmara Corporativa tinham um papel secundário. Ambas se reuniam apenas três meses por ano e esta última desempenhava papel opinativo. A Assembleia Nacional era uma caricatura de um Parlamento, mesmo porque Salazar – tal como outros ditadores de seu tempo – considerava o Parlamento uma instituição caduca, expressão de um liberalismo moribundo e palco para disputas estéreis dos partidos políticos. O corporativismo era parte de um programa político católico que Salazar sempre defendera. Na prática, porém, as organizações corporativas tiveram como funções prioritárias exercer uma forma de controle social, desenvolver o capitalismo nacional e reforçar o papel do Estado.

  consolidação de Salazar no poder foi rápida. A oposição formava um arco que ia dos republicanos conservadores, empurrados para fora da ditadura militar e do Estado Novo, ao Partido Comunista Português, o PCP, liderado por Álvaro Cunhal. Até o fim da Segunda Guerra Mundial, os opositores tiveram escassa repercussão. O desinteresse pela política, a censura aos meios de comunicação, a repressão dos dissidentes, muitos deles sujeitos a prisões e torturas, foram elementos inibidores de uma oposição eficaz.
Em um país de reduzidas dimensões, a polícia política – a famosa Polícia Internacional e de Defesa do Estado, a Pide – estava por toda parte. Dois estabelecimentos penais eram especialmente temidos: Peniche, uma fortaleza no alto de um penedo, situado na ponta mais ocidental de Portugal, e o campo de concentração do Tarrafal, na ilha de Santiago em Cabo Verde, onde morreram dezenas de prisioneiros políticos. No verão de 1937, um atentado a bomba – façanha de uma célula anarquista – serviu para “justificar” a repressão e para demonstrações de apoio a Salazar.
Em 1945, na onda de democratização que se seguiu ao conflito mundial (como o fim do Estado Novo no Brasil), Salazar anunciou eleições legislativas para novembro daquele ano, abertas a todos quantos quisessem desafiar a lista da União Nacional. Meses antes, chegara a dizer que “as eleições seriam livres como as da livre Inglaterra”. Republicanos e comunistas uniram-se no Movimento de Unidade Democrática, mas a Pide passou a acossar e prender os membros do movimento, que acabou se retirando do pleito.
Uma variante desse cenário ocorreu nas eleições para presidente da República, de fevereiro de 1949. A oposição, na qual o PCP tinha grande influência, lançou o nome de Norton de Mattos, um general de tendências moderadas. Comícios entusiásticos mostraram que o antissalazarismo ganhava a opinião pública. Mas, ainda uma vez, a acossada oposição se complicou e Norton de Matos retirou a candidatura.
 Tornou-se cada vez mais claro que as eleições, mesmo em condições anormais, tinham-se convertido em um problema para o salazarismo. No pleito de 1958, o país foi tomado por uma febre eleitoral com a candidatura de outro general, Humberto Delgado, salazarista histórico que passara para a oposição. Delgado manteve sua candidatura até o fim, e só a fraude eleitoral permitiu a vitória do almirante Américo Tomás.
A vida do general Delgado e de sua secretária brasileira, Arajaryr Campos, terminou de forma trágica, em fevereiro de 1965, quando ambos foram assassinados em território espanhol, ao tentar cruzar a fronteira para Portugal. As mortes, perpetradas por agentes da Pide com a autorização de Salazar, tiveram repercussão internacional e quebraram o prestígio do “manso ditador”. O ex-presidente Jânio Quadros enviou um telegrama a Salazar, insistindo numa investigação completa do caso pelas Nações Unidas.

spetacular foi a façanha do capitão Henrique Galvão, que em janeiro de 1961 fugiu da prisão em Portugal e, à frente de um grupo rebelde de nome quixotesco, o Diretório Revolucionário Ibérico de Libertação, apresou no Caribe um navio de passageiros – o Santa Maria. Rumando para o sul, Galvão enviou uma saudação ao povo brasileiro, à imprensa e ao recém-eleito presidente brasileiro, Jânio Quadros. Ao que tudo indica, Galvão esperou a posse de Jânio para desembarcar no Recife, pois JK, seu antecessor, tinha boas relações com a ditadura portuguesa. O “homem da vassoura” enviou a Galvão uma mensagem de boas-vindas e lhe concedeu asilo político. Ele nunca mais voltaria a Portugal e, anos mais tarde, morreria no Brasil.

o plano das relações exteriores, Portugal mantinha tradicionalmente laços estreitos com a Inglaterra, numa posição de inferioridade. Apesar da oposição das correntes germanófilas, o país entrou na Primeira Guerra Mundial ao lado dos Aliados e enviou um contingente militar para lutar nos campos da França. A implantação da ditadura salazarista não impediu a continuidade das boas relações com a Inglaterra, mas esta nem sempre apoiou as decisões do governo português. Salazar suscitou severas críticas dos ingleses, por exemplo, quando, de forma dissimulada mas significativa, ele apoiou o general Franco durante a Guerra Civil Espanhola.
Ao eclodir a Segunda Guerra Mundial, porém, a neutralidade de Portugal foi apoiada sem ressalvas pela Inglaterra. Salazar manteve essa postura, mesmo quando a queda da França parecia prenunciar a vitória do nazifascismo, e procurou influenciar o general Franco para que a Espanha também se mantivesse neutra. Mas em 1941, quando Hitler invadiu a União Soviética, Franco se colocou abertamente do lado alemão, enviando um contingente militar – a Divisão Azul – para lutar, ou melhor, para ser destroçado, na Frente Oriental.
Salazar nunca se identificou com o regime nazista, embora agentes da Alemanha, como de outros países, circulassem em Portugal sem serem incomodados. Numa carta enviada a um de seus confidentes mais próximos, em setembro de 1941, ele afirmou: “Considero uma desgraça para a Europa que (...) o nazismo se imponha por toda a parte com a sua violência e rigidez de alguns de seus princípios. Para os que têm da Civilização uma noção moral, será um franco retrocesso.”
Salazar não via os Estados Unidos com os mesmos bons olhos com que via a Inglaterra. Os americanos – segundo ele – eram estranhos aos princípios europeus. E representavam um capitalismo sem freios, com pretensões hegemônicas. Alguém perguntaria: que importava, afinal de contas, para os Estados Unidos, a postura do nanico Portugal? A resposta pode ser sintetizada na importância estratégica do arquipélago dos Açores. Em julho de 1941, o presidente Roosevelt enviou uma carta a Salazar, afirmando que a utilização do arquipélago, e de outras possessões portuguesas, nada tinha a ver com uma ocupação. Para o propósito de proteger os Açores, Roosevelt dizia ter todo o gosto em incluir forças brasileiras, mas não se chegou a tanto. Depois de muitas pressões e longos entendimentos, Portugal autorizou a utilização dos Açores, primeiro pelos britânicos e depois, com relutância, pelos americanos.
No pós-guerra, a insistência de Salazar na manutenção das colônias da África a qualquer preço acelerou a desagregação do Império português. Portugal invocava a ameaça da União Soviética no continente africano. Dizia que não havia racismo, e sim harmonia de raças nas colônias portuguesas. E lembrava o exemplo maior do Brasil – uma nação luso-tropical cuja história passava pelo papel desempenhado por Portugal. O defensor intelectual dessa ideologia foi Gilberto Freyre, particularmente no livro O Mundo que o Português Criou. Embora Salazar e seus acólitos tivessem horror da importância que ele atribuía à herança africana em Portugal, deixaram o aspecto de lado para utilizar as ideias de Gilberto Freyre, um intelectual de inegável prestígio. Alguns livros do sociólogo brasileiro foram publicados em Portugal e ele visitou o país várias vezes, a convite do governo português.
As colônias portuguesas na Ásia foram caindo, uma a uma: Timor, Goa, Macau. Mas Salazar não podia admitir o abandono das “províncias ultramarinas” da África, cada vez mais convencido de que a independência delas levaria ao domínio da União Soviética ou ao caos generalizado. Os movimentos de independência estendiam-se da Guiné-Bissau e Cabo Verde a Angola e Moçambique. Em busca de uma política integradora e assimilacionista, o governo tentou sem êxito a reforma – uma espécie de luso-tropicalismo em forma legislativa, na feliz expressão de Ribeiro de Meneses. Na verdade, a prolongada Guerra da Angola, cada vez mais impopular em Portugal e na África, a cujo final Salazar não chegou a assistir, foi um fator dos mais importantesna queda da ditadura.

alazar não teve a morte violenta de Mussolini e de Hitler. Como o general Franco, morreu na cama, de morte natural, em julho de 1970. Meses antes, quando sofrera um acidente cardiovascular, fora substituído no poder, sem seu conhecimento, por Marcelo Caetano, atitude que lhe causou profunda amargura. Caetano tentou inutilmente reformar o regime para garantir sua sobrevivência. A Revolução dos Cravos poria fim à ditadura em 1974, por iniciativa dos quadros médios do Exército, acolhidos pela população, num clima de forte emoção. O deus de Salazar poupou-o desse espetáculo de desordem, como certamente ele o denominaria.
Passadas muitas décadas, a Europa Ocidental de hoje é muito diversa do que foi dos anos 30 até meados da década seguinte. A era das ditaduras teve fim, a Alemanha e a França – inimigas mortais em três guerras – tornaram-se nações amigas, o comunismo deixou de ser um fantasma perturbador, o sonho da União Europeia converteu-se em realidade.
Não obstante, nos dias de hoje, a União Europeia atravessa ventos e tempestades, e os temas econômicos e financeiros – déficits orçamentários, irresponsabilidade fiscal – entraram na ordem do dia. Tudo isso soaria familiar aos ouvidos do professor Salazar e ele talvez pensasse que poderia retornar do “assento etéreo” a este mundo, como homem providencial. Nesse caso, alguém precisaria dizer-lhe que os tempos são outros, pois estamos em busca de líderes, aliás muito escassos, e não de homens providenciais.