quinta-feira, 14 de julho de 2011

Punk na veia

Reunindo diálogos e bate-bocas de seus principais protagonistas, gente como Iggy Pop e Dee Dee Ramone, o livro Mate-me Por Favor põe o punk em seu devido lugar: as sarjetas imundas de Nova York

Eduardo Bueno | 01/01/2005 

Tudo começou em 1975, quando Eddie McNeil, então com 18 anos, e dois amigos de escola, John Holmstron (atual editor da revista High Times, especializada em drogas em geral e em maconha em particular) e Ged Dunn, resolveram fazer uma revista, baseados (e bota baseados nisso...) no sólido e irrefutável argumento de Holmstron conforme o qual, se tivessem uma revista, ganhariam “bebida de graça”. Nas palavras de McNeil, a coisa foi mais ou menos assim: “Holmstron queria que a revista fosse uma combinação de tudo em que a gente se ligava – reprises de televisão, cerveja, sexo, cheeseburgers, quadrinhos, filmes B e aquele rock’n’roll esquisito que ninguém além de nós parecia gostar: Velvets, Stooges, New York Dolls e Dictators”.
Posto isso, eles precisavam de um nome para a publicação. “Por que a gente não chama de Punk?”, disse McNeil. Segundo ele, “a palavra punk pareceu ser o fio que conectava tudo o que a gente gostava – bebedeira, antipatia, esperteza sem pretensão, absurdo, diversão, ironia e coisas com um apelo sombrio”. O dicionário diz que a palavra “punk” surgiu em 1596, “de origem obscura, provavelmente relacionado a spunk, ou ‘madeira podre’”. Mais tarde, tornou-se um substituto para “prostituta”, antes de significar “bobagem, coisa ordinária ou sem sentido”. Ou seja, a palavra perfeita para os fins perseguidos pelo trio.
No final do encontro, Holmstron se escalou para ser o editor-chefe da revista. A seguir, Dunn proclamou-se o executivo da “firma”. Como McNeil, além de meio lento, não disse nada, o sagaz homem-fumaça Holmstron matou a charada: “Você pode ser o punk de plantão!” E foi então que Eddie McNeil virou Legs, uma espécie de personagem de cartum em carne e osso, um dublê para as reportagens da revista. Ou seja, seu trabalho era o de exercer seu talento natural para tomar porres e se meter em encrencas.
A revista Punk, acredite, tornou-se um sucesso no circuito alternativo, vendendo 30 mil exemplares. Foram publicados 18 números antes de Legs sair da revista, em 1977, para fazer, aos 20 anos, seu primeiro programa de desintoxicação. Logo depois, ela acabou. Hoje, exemplares antigos são vendidos por pequenas fortunas na internet.
Os caras foram tocando a vida e os anos foram passando, quando Legs achou que os ingleses haviam se apropriado indevidamente do termo a partir da explosão dos Sex Pistols, em fins de 1977. Ele sabia que o punk era uma subcultura americana que já existia por quase 15 anos com Velvet, Stooges e MC5, entre outros. Mas Legs conta que, quando dizia que o movimento punk “já tinha donos”, e que eles não eram britânicos, ouvia o seguinte: “Você não entende. O punk começou na Inglaterra. Sabe, lá todo mundo está no seguro-desemprego, eles têm realmente do que reclamar. Punk é sobre luta de classes, economia decadente e blá, blá, blá.”
Embora argumentasse, lembrando a passagem de Malcolm McLaren (produtor dos Pistols) pelos Estados Unidos e as relações dele com os punks americanos, McNeil pensou em desistir: “Não dava para competir com aquelas imagens de alfinetes e cabelo espetado”. Os Pistols e o terremoto punk na Inglaterra pareciam ser o atestado final da vitória da imagem sobre a palavra. Aí é que entra Mate-me Por Favor – A História Sem Censura do Punk. O livro é a tentativa de Legs McNeil de recolocar as coisas em seu lugar – ou seja, nas sarjetas de Nova York.
E é daí que nascem as melhores histórias de Legs e do livro (que ele assina em parceria com Gillian McCain). Para falar a verdade, não são histórias. São conversas com os principais sujeitos envolvidos com os melhores e piores momentos do punk. Ficamos sabendo, por exemplo, que Lou Reed, o vovô do punk, que criou o Velvet Underground, nos anos 60, vivia num buraco de 30 dólares por mês, em Nova York, e que para pagar o aluguel vendia sangue e posava para jornais sensacionalistas: “Minha foto saiu dizendo que eu era um maníaco sexual que tinha matado 14 crianças e filmado tudo”, diz Reed.
Essa época, a pré-história do punk, revela a relação dos punks com Andy Warhol e a turma da Factory. No auge da onda flower power, ambos odiavam os hippies. “Paz e amor não tinha nada a ver com nada. E a gente não queria se sentir bem”, diz Scott Asheton, guitarrista dos Stooges, uma das bandas que despontavam.
“Em abril ou maio de 1970, a gente chegou para um show em Detroit e as coisas estavam mudando. O desemprego estava empurrando todo mundo para fora da cidade e ninguém estava querendo ouvir falar de ficar numa boa. Começamos a nos envolver com drogas pesadas”, afirma Iggy Pop, vocalista dos Stooges. O fabuloso, o excessivo, o lendário Iggy Pop é o personagem central de alguns dos melhores trechos do livro. É ele quem dá o tom dessa fase da música e do modo de vida dos caras.
Em 1971, na Califórnia, depois de passar horas tentando achar uma veia para tomar uma dose de heroína, Iggy estava atrasado para um show. Quem conta essa história é Dee Dee Ramone, dos Ramones, outra lenda do punk. “Ele estava puto e o show atrasado pra caramba. Mas não adiantava reclamar, o cara não saía do banheiro”, diz. Iggy se lembra assim da cena: “Eu ficava gritando ‘Cai fora!’ pra todo mundo e eles ficaram pensando, ‘Meu Deus, o cara vai morrer e blá, blá, blá’. Finalmente, lá estou eu no palco e mal entrei no lugar senti que precisava vomitar”. Dee Dee, novamente: “A banda finalmente entrou e Iggy parecia muito injuriado. Ele estava todo pintado com tinta prateada e só usava cueca. Ele estava lambuzado de tinta prata, mas o cabelo e as unhas estavam dourados. E alguém também tinha salpicado purpurina no cara. Eles entraram e ficaram tocando a mesma canção, sem parar, só com três acordes. E as únicas palavras eram: ‘I want your name. I want your number’ (‘quero seu nome, quero seu telefone’). Aí, Iggy olhou pra todo mundo e disse: ‘Vocês me dão enjôo’. E vomitou.”
Como se vê, nessa época o punk já tinha suas conexões com as artes plásticas e a poesia. E Patti Smith era uma dessas pontes: escritora, poetisa e linda de morrer. Outra influência era o teatro gay de John Vaccaro e as drag queens que inspiraram o visual andrógino de David Bowie. Em seguida, New York Dolls se tornou uma sensação fazendo um rock básico de rua e se apresentando com roupas de mulher. Bowie e os Dolls criaram o glitter rock, um primo chique e afetado do sujo e despojado punk.
Em 1975, aconteceu a história que deu nome ao livro (Please Kill Me, no título original em inglês). Segundo o autor, a frase foi tirada dos dizeres escritos a mão em uma camiseta de Richard Hell (do NY Dolls) feita por ele mesmo, e adornada com o desenho de um alvo de tiro. O fotógrafo Bob Gruen lembra que Hell vestia a camisa no clube CBGB’s na primeira vez em que se viram. “Aquilo era uma das coisas mais chocantes que eu tinha visto. As pessoas tinham idéias extravagantes naquele tempo, mas andar pelas ruas de Nova York com um alvo no peito, com um convite pra ser morto – aquilo foi um verdadeiro marco.”
Richard Hell não se lembra de ter usado a tal camiseta – “Eu era um tremendo covarde” –, mas recorda-se de ter forçado Richard Lloyd, guitarrista do Television, a usá-la. Lloyd, por sua vez, conta que decidiu usar a camiseta porque Hell, embora a tivesse feito, nunca a usava. Mas não parece ter sido uma boa idéia. “Usei quando tocamos no andar de cima do Max’s Kansas City, e mais tarde uns garotos chegaram em mim. Aqueles fãs me lançaram um olhar psicótico e perguntaram: ‘É sério?’ Daí disseram: ‘Se é isso que você quer, a gente ficará contente em obedecer, porque somos seus maiores fãs!’ Ficaram me olhando com aquele ar alucinado, e pensei: ‘Não vou usar esta camiseta de novo’.”
Mas aí vieram os Ramones, punks até os ossos, e o limites se foram. “Quando eu tinha 15 anos comecei a comprar droga no Central Park e levar ao Queens para revender. Dava para pagar o meu e ainda sobravam 5 dólares. Um dia voltei para o apartamento da minha mãe e ela ficou tão puta que jogou uma panela em mim, depois quebrou meus discos e atirou minha guitarra pela janela”, diz Dee Dee Ramone. “Decidi ir pra Califórnia de carona com uns caras num carro caindo aos pedaços. Eles andavam devagar montanha acima e depois vinham abaixo como uns doidos. Os caras pareciam doidos de verdade, falando coisas doentias. Falavam sobre como estavam a fim de arrancar a cabeça de alguém. Tinham um fio de arame e queriam enforcar alguém. Finalmente pararam num posto de gasolina em Indiana e assaltaram o lugar. Nós todos fomos presos por assalto a mão armada.”
É só então que Malcolm McLaren, o picareta brilhante que, antes de inventar os Sex Pistols, na Inglaterra, empresariou o NY Dolls, nos Estados Unidos, deu as caras. No desempenho da função, ele conheceu Richard Hell, cujo visual serviria de inspiração para a estética punk e que MacLaren tratou de levar para Londres. Para Legs McNeil e Gillian McCain, os Pistols roubaram descaradamente a estética e, de certo modo, o som de Hell e do Dolls.
“A estratégia de Malcolm para os Pistols era a teoria do caos. Estava fora do controle e não tinha nada a ver com música. Tinha a ver com o fenômeno aterrorizante que estava chegando da Inglaterra”, diz Danny Fields, que foi empresário de Iggy Pop e dos Ramones. Bob Gruen lembra-se da excursão do Sex Pistols nos Estados Unidos: “Os shows da banda eram o caos, mas a vida na turnê até que era bem comum. Basicamente a gente bebia cerveja, passava uns baseados e ouvia reggae. Mas daí o ônibus encostava, as portas se abriam, pintavam as câmeras de TV e os fãs e a loucura começava”. Segundo ele, a presença de público causava comportamentos esquisitos no grupo. “Uma noite chegamos numa parada de caminhoneiros e eu e Sid Vicious descemos para comer. Eu pedi um sanduíche e Sid pediu uns ovos. Estava tudo normal até aparecer um cowboy com a família. O cara reconheceu Sid e nos convidou para sentarmos com eles. O cowboy disse: ‘Você é o Vicious, você consegue fazer isso?’ – e apagou o cigarro na palma da mão. Então Sid pegou uma faca e furou a própria mão, o sangue começou a escorrer até chegar ao prato de ovos. Mas Sid não se importou e continuou a engolir o rango.”
Durante a estada na América, Nancy Spungen, namorada de Sid Vicious, foi morta a facadas no quarto do casal. Ele, o único suspeito, foi preso, pagou 50 mil dólares de fiança, mas não chegou a ser julgado. No dia em que saiu, tomou uma overdose de heroína e morreu.
Chegamos à década de 80 e o fim é melancólico: as bandas terminam e muita gente morre. Especialmente tristes são as mortes de Johnny Thunders e Jerry Nolan, ex-Dolls e ex-Heartbreakers, ambos vitimados pelas drogas.

Fonte: Aventuras na História

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Aí vão eles

Confesso que fiquei um tanto quanto decepcionado quando os Baggios divulgaram, já há algum tempo, a capa de seu tão aguardado primeiro disco - uma foto "trabalhada" com dois caras vestidos de branco "trabalhando" em algo indefinido, mas que produz uma explosão de luzes "psicodélicas". Achei uma imagem meio vaga, muito embora seja explícita a referência ao fato de que se trata de uma dupla envolvida com a concepção de um disco - mais que isso, uma obra de arte. Mas porque eles estão de branco? Para isto não há nenhum significado especial, me disse Julico.

Toda esta primeira impressão negativa, provavelmente motivada pelo fato de que a dupla já há algum tempo vem sendo trabalhada iconograficamente pela competentíssima dupla de fotografos da Snapic (daí ficar meio que subentendido que a capa seria deles) se desfez ao pegar o material gráfico nas mãos. Impresso e em formato digipac, a arte da capa ganha vida e adquire consistencia. Ou é isto ou fui eu que simplesmente me acostumei com a imagem, pura e simplesmente. Além disso, as fotos da snapic, sempre excelentes, estão lá, espalhadas pelo encarte e na contracapa, abrilhantando o material que é, como um todo, bem acabado e de muito bom gosto - o que é importante nestes tempos de download gratuito. Se é verdade que a primeira impressão é a que fica, o disquinho dos Baggios, embalado no elegante formato digipack, já chega "chegando".

Feitas as devidas loas e ressalvas ao conceito e apresentação do material gráfico - e ele é importante, especialmente num disco lançado em  formato "físico" -, vamos ao som em si. As duas primeiras já são velhas conhecidas: "o azar me consome" foi lançada previamente como single e "em outras" venceu o Festival da Arpub e, por conta disto, foi executada à exaustão pela Aperipê FM. As versões registradas no disco são bastante fièis ao que conhecemos, com exceção de um detalhezinho aqui e ali no arranjo, imperceptíveis à maioria das pessoas (e à mim também, só sei disso porque Julio me falou antecipadamente). Uma vinheta separa as duas músicas, que são ótimas e extremamente apropriadas como cartão de visitas. Mas o bicho começa a pegar pra valer a partir da terceira faixa, para todos os fins, a primeira "inédita" - na verdade é uma música antiga, que já constava da primeira demo, mas aparece aqui numa gravação novinha e "turbinada" por tecladinhos discretos, um novo solo de guitarra e por alguns trechos que surgiram de improviso nas execuções ao vivo e foram incorporados à canção. Destaque para o "lodento" duelo vocal/guitarra/bateria do final, que remete à boa e velha tradição do blues "puro", "de raiz". O timbre da voz de Julico ajuda: ele parece ter nascido no delta do Missisipi, apesar da letra em português e em alto e bom som. É uma das melhores composições do Baggios, velha conhecida de quem frequenta seus shows, e é muito bom ouvi-la em versão tão "encorpada".

A faixa seguinte, "pare e repare", já é mais nova, mas é igualmente redondinha e tem um ótimo refrão, além de também ser conhecida dos shows. "Não estou aqui", a quarta, é mais "obscura". Ótima letra, ótimos riffs e mais uma intervenção esperta dos teclados.

Aí chegamos a "Oh! Cigana" (seria uma letra autobiográfica? Em caso positivo, por onde andará esta cigana que despertou tamanha paixão em nosso "rei do blues" sergipano?)e seus excelentes arranjos de sopros, que não são exatamente novidade, já que a versão demo também os tinha, só que aqui eles aparecem numa "versão estendida". A novidade é um novo solo, na verdade um duelo entre duas guitarras. Muito bom. É seguida por "quanto mais eu rezo" e mais arranjos de sopro que dão ao disco uma pitada de rythm´n´blues.

A próxima é "Seu Cristóvão", muito boa (não existe musica ruim da The Baggios), seguida de "Morro da saudade", que abre com uma gaita muito bem colocada e conta com a participação especial de Helio Flanders, do Vanguart. Na sequencia, a primeira cantada em inglês, "get out now", com uma introdução em "crescendo" que culmina em mais um excelente riff de guitarra, sempre pontuado pela potente e martelada bateria de Perninha. Prefiro Julico cantando em português, mas a sonoridade da língua de Shakespeare (e dos grandes mestres do blues, evidentemente) aqui ficou perfeita.

"Meu eu" é uma balada "bluesy" de bom tamanho a esta altura do campeonato - nos dá a oportunidade de tomar fôlego para o petardo seguinte, a já clássica "candango´s bar", mais uma homenagem às "coisas de São Cristóvão", a cidade histórica vizinha à Aracaju onde tudo começou, há aproximadamente 7 anos. Depois de "Josie magnolia", o disco acaba com "you never walk alone", cuja introdução lembra o Led Zeppelin.

Este disco é um marco e já nasceu clássico, porque é o resultado de um trabalho maturado, testado e aprovado por incontáveis apresentações antológicas por todo o Brasil - a maioria delas, certamente, no bom e velho Capitão Cook, em Aracaju. É certamente uma das melhores manifestações desta entidade viva e rica porém ainda obscura, o rock sergipano.

Ouça no volume máximo, compareça aos shows e ajude a divulgar você também esta pequena pérola do cancioneito independente.

Vida longa e próspera (que o azar pare de os consumir).

por Adelvan