quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Trey Spruance, uma entrevista

o1) Gostaria de saber qual o problema que está fazendo nós fãs esperarem tanto tempo por um novo CD, pois das outras vezes o que ouvíamos é "o Patton anda ocupado com o FNM". Mas e agora?Há um grande cadáver na garagem. Nenhum de nós quer ser o primeiro a ter que limpá-lo. Provavelmente, o que todos esperamos é que os vermes comam toda a carne, aí poderemos lidar com isso juntos. Esta é a essência de uma democracia, no fim das contas: limpar cadáveres, etc.

02) Você e o Patton estão conversando sobre compor um novo álbum do Mr. Bungle? Ou você não tem tido tanto contato com ele nos últimos tempos?
Nós estamos oficialmente tentando entrar em contato um com o outro agora. O
que isso significa além de alguns telefonemas ainda está no ar.

03) Você sabe o que os outros músicos do Mr. Bungle estão fazendo agora?Sim – dois estão na Austrália (n. do e.: Danny Heifetz e Bär Mc Kinnon). Queria estar lá também. O mais provável é que eu vá parar no Irã, aliás – acho que lá eles vão tomar meu passaporte no aeroporto, e eu vou acabar tendo que morar na rua. Mas pelo menos eu posso usar meus limitados conhecimentos de farsi (n. doe.: dialeto persa) para enganar e extorquir todos os agentes da CIA infiltrados lá.

04) Qual foi o momento mais memorável tocando com o Mr. Bungle?
Quando fomos coletivamente amaldiçoados por uma fã bruxa psicótica que fez com que todo nosso equipamento quebrasse. Depois nós ficamos histéricos e destruímos o equipamento de luz, entre outras coisas. Tinha vidro por todos os lados. . Nós temos um quê de ultraviolência na nossa personalidade, então eu concluo que sim, nós merecemos alguns fãs metidos a bruxa má. Nesse dia, nós empurramos as caixas de retorno em cima do público e elas acabaram virando destroços que forma jogados de em nossa direção. Patton caminhou sobre as cabeças e os ombros das pessoas e chegou até o bar, onde ele derramou vodka goela abaixo de de quem ele achava que era menor de idade... Aí os donos do clube não queriam nos deixar sair e acabaram nos trancando. Eram uns ítalo americanos enormes que nos matariam se não pagássemos pelos estragos na hora (normalmente essas coisas são acertadas depois, mas quem pode culpá-los? Nós éramos doidos!). Nossos fãs ainda estavam lá fora e um deles chamou a polícia. Os policiais nos pegaram de surpresa, eles tiveram que arrombar o lugar. Deixamos um cocô dentro do microondas e pusemos na mais alta potência logo antes de sair do lugar. Não foi necessariamente uma boa noite, mas foi memorável. Tiveram outras como essa, a maioria delas aconteceu no começo dos anos 90.

05) No infame show no Phoenix Concert Theater (da turnê do primeiro álbum nos EUA em 30/03/92), o Mike Patton bateu em alguém da platéia com o microfone durante uma cover da música "Time" do Alan Parsons Project. Qual foi a reação da banda depois do acontecido? E o que aconteceu com o cara quando ele foi pros bastidores com a banda?A única razão de ele ser "infame" é porque alguém estava filmando. Pergunte a pessoas que estiveram nos shows em Tijuana, Cleveland ou Houston naquela mesma turnê se você quiser saber o que é realmente "infame". Mas, se me lembro bem, o cara foi super tranqüilo em relação ao acontecido. Eu não vi quando aconteceu, então não tive reação alguma. Só vi que um cara estava sangrando, o que acontece quase toda noite. Eu acho que ele acabou nos processando. Ele foi super legal, do tipo "tudo bem, cara" e depois nos processou. Eu não o culpo. Cara!...

06) Como é o processo de composição das músicas do Mr. Bungle? Como cada um de vocês faz parte dele?Está sempre mudando. Aí é que está a beleza disso. Eu defendo um padrão de total “socialismo composicional” para o futuro. Créditos por escrever música e afins tendem a atravessar todas as fronteiras – e eu sou culpado de escrever muito da música do Bungle - sendo orgulhoso o suficiente a respeito das minhas contribuições para querer que elas fossem creditadas de forma correta. Cansei disso. Quem se importa? Mike Patton escreveu e produziu tudo. Ótimo.

07) Que equipamento você usa em estúdio e shows? Qual o seu set de
amplis, guitarras, efeitos?

Opa. Estúdio – a última vez, nós linkamos três máquinas Studer de rolo 2 polegadas. Eu acho que o California foi a última produção de grande porte feita em equipamento analógico na história. Nada desse tipo vai ser feito. Não usamos Pro Tools, nada dessas bobagens de computador. Foi tudo no velho lixo vintage – LA2A, 1176, V72, 1272, C24, M49, U47/87, EMT, Pultec (n. do e.: compressores, processadores e microfones antigos), é só falar o nome, que nós usamos – além das enormes mesas Neve com automação GML, evoluindo para uma gigantesca mesa SSL de 96 entradas, que fez a gente voltar várias vezes para mexer naqueles faders pequenininhos. Nós usamos até 125 canais num certo ponto da gravação. Nossas armas secretas são os spring reverbs (os baratinhos) e space echoes. Como se isso não fosse óbvio. Mas aplique a compressão DEPOIS de aplicar o efeito, OK, seus retardados? E aplique no CANAL, MALDIÇÃO. Não “espere até a mixagem”.
Joça. Ao vivo nós usamos o ferro-velho padrão: ampli de baixo SWR, uns Kurzweil K2500 (n. do e.: teclados) etc.. Na guitarra eu só uso o POD (n. do e.: pedal simulador de amplis) ligado num spring reverb baratinho para o canal limpo, e um JMP-1 (n. do e.: pré-amp da Marshall) velhinho e surrado para a distorção. Tudo direto. Nem sei de que marca é a minha guitarra – algum cacareco de 100 dólares. Eu concentro mesmo todo o meu esforço é em organizar a maldita banda toda em torno do cérebro do meu K2500 e seus dois filhinhos, tocados pelo Bär Mckinnon e por um músico contratado. Nós mandamos 8 saídas (4 pares de estéreo) agrupadas de acordo com: a) reverb; e b) quem precisa ouvir o que no seu retorno. Não há uso de sequencers nem programações. Tudo é tocado, e quando há samples, são samples de nós mesmos – coisas que eu tive que reagrupar as três máquinas de rolo do estúdio para conseguir os conjuntos certos de sons e mixá-los para usar ao vivo como samples. Normalmente, há 32 camadas de som em cada teclado para CADA MÚSICA. É inimaginavelmente complexo...demais para começar a explicar. Foda-se a Kurzweil por não nos ter dado um endorsement. NINGUÉM exigiu tanto ou aproveitou todo o potencial dos teclados deles como nós. Mas graças a Deus que eles os fabricaram, porque nós estaríamos mortos sem eles.




08) Eu notei que no California existem várias alusões à religião. Há algo em particular neste assunto que fascina vocês ou apenas fazia parte do contexto que vocês selecionaram para contar as suas histórias?Isso foi provavelmente minha culpa. Desculpa. Os membros da banda são agnósticos. Eu sou um esquizofrênico, então não tenho como me enganar Daí a tentativa maníaca de superar a maldição do pós-modernismo com um criptotradicionalismo musical fanático que às vezes aparece nas letras/encartes/conceitos do Mr. Bungle. Como disse, minha culpa, gente. Desculpa.

09) O que você acha de bandas como System Of A Down e Slipknot? Eles costumam citar o Mr. Bungle como uma de suas principais influências.
Tem um cara chamado Vigan que morreu recentemente (n. do e.: Vigen Derderian, morreu nos EUA dia 26 de outubro, aos 73 anos). Ele era um popstar armênio/persa. Imagino se o Shavo ou o Serge (n. do e.: baixista e vocalista do SOAD, respectivamente) ou algum desses caras o conhecia. Enfim, eu não tenho problemas com o System Of A Down – eles foram bem legais conosco quando excursionamos com eles. A indústria da música e o rock em geral são tão escrotos, de um jeito que você não acredita, especialmente quando você está “dentro” deles. Eu não sei como esses caras lidam com isso. Ah, sei sim. Drogas. Eu não agüentaria, mas eles são
armênios, eles vão ficar bem. O Slipknot eu conheço mais de nome e sei que o vocalista é um "cara legal", segundo alguns conhecidos meus do Death Metal. Por isso, vou evitar qualquer julgamento (o que eu admito que seria bem ruim se eles fossem baseados no pouco que eu vi e ouvi).

10) Você pode me indicar um bom livre introdutório à religião/filosofia oriental, sendo ele geral ou específico (por exemplo, indiano)? Acho perda de tempo não ler no ônibus.
Bem, “oriental” é uma palavra genérica, que engloba muita coisa. Devo dizer que os assuntos que estou lendo – xiismo, sufismo (n. do e.: variações do Islã) e afins – não são fáceis de digerir para muitas pessoas. Indo direto à fonte, Rumi e Hafez (n. do e.: poetas medievais afegão e
iraniano, respectivamente) são boas pedidas, mas estão sendo “superbadalados” no momento, então tome cuidado. Sinceramente, a melhor introdução para esses assuntos viria provavelmente de uma perspectiva orientalista ocidental mas-não-tão-fraca-assim, como a do
Henry Corbin (n. do e.: filósofo francês que viveu de 1903 a 1978). Seus livros “Swedenborg e o Islã Esotérico” ou “O Homem de Luz do Sufismo Iraniano” são boas introduções (n. do e.: não há traduções para o português dos livros de Corbin). As verdadeiras obras-primas dele não são coisas que eu posso recomendar de cara, porque são muito difíceis sem que se tenha uma base tanto em filosofia islâmica quanto em ocidental. Na verdade, Seyyed Hossein Nasr (n. do e.: físico iraniano especializado em Cosmologia e Ciência Islâmica, é professor do assunto na Universidade de Georgetown, EUA) também escreveu clara e maravilhosamente bem sobre os assuntos Islã, Misticismo e Tradicionalismo durante muito tempo. Entre esses dois autores, você tem uma vasta lista pela frente, mas vale a pena. No sentido mais amplo de “oriental”, mas não tendo a ver com qualquer um dos meus trabalhos, eu posso recomendar de todo o coração as obras de Chogyam Trungpa Rinpoche (n. do e.: filósofo tibetano, professor de budismo na Inglaterra e nos EUA, viveu de 1930 a 1987). Ele destrói totalmente essas besteiras da moda, esquarteja todo esse lixo de “espiritualismo” e faz de uma forma direta você destrinchar, intimamente, seus complexos – se você quiser investir nisso, ele te dá um remédio forte, claro – é ‘o’ cara. “Dissecando O Materialismo Espiritual” e “O Mito da Liberdade” são meus favoritos, mas muitas pessoas começam por “O Caminho Sagrado do Guerreiro”, que é mais inteligível.
12) Você faz viagens astrais?Tanto quanto qualquer pessoa. Eu tento não fazê-las, apesar disso. Não há nada lá fora a não ser jinn (n. do e.: vejam que viagem: www.thejinn.net) – não importa quão bonitinhas e fofinhas e loucas as coisas possam aparecer para o olho não-treinado, elas são jinn – tudo. E, como eu não sou um praticante de magia negra, não vejo utilidade para esse tipo de coisa.

13) Que bandas brasileiras você curte?
Eu admito que gosto do Caetano Veloso, sim. Agora, "bandas", eu não gosto de nenhuma americana, com exceção de Devo e Sun City Girls, e talvez do Sleepytime Gorilla Museum um pouco. Então, por favor, me informem se tiver algo tão bom assim aí embaixo.

14) Que mensagem você mandaria aos fãs brasileiros do Mr. Bungle?
"Das Ist Das Ende" (n. do e.: “Este é o fim”, em alemão)

15) Na música "Ma Meeshka Mow Skwoz", nós podemos ouvir uma gama de influências que vão desde música de trilha sonora de filmes à música de desenho animado. Qual é a intenção real dessa música?
Bem, a intenção NÃO É a de instruir pessoas a cometerem suicídio, como uma fã japonesa aparentemente entendeu. Ela perseguia nosso empresário de turnê e pedia para falar comigo todos os dias durante 3 semanas até ele encher o saco e me pedir pra eu tirar ela do pé dele. Quando eu finalmente falei com ela, descobri o que ela queria. Então tive de explicar pra ela que a mulher no desenho do encarte para esta música NÃO era ela e que o queimador de incenso não era o disco voador que matou o cachorro dela na semana anterior e que, sendo assim, a música não era um manual de instruções de como ela deveria se matar. Não, isso ela NÃO é. Mas É, talvez, música de funeral ou apocalíptica para todo o mundo pós-globalização que o Templo da Economia conquistou - mas ninguém precisa morrer antes dos outros, ok???

16) Na turnê do Sno-Core (n. do e.: em 2000, com System Of A Down, Incubus e Puya), vocês costumavam se fantasiar de várias formas e com diversas roupas. Qual era sua preferida? E qual foi o melhor show dessa turnê e por quê?
O show na Carolina do Norte foi o melhor porque eles nos odiaram e isso pareceu certo. O Mike deu instruções de como fazer um boquete usando o microfone dele durante uns 15 minutos para todos aqueles idiotas homofóbicos gays reprimidos que estavam na platéia. Eu estava fantasiado como um vaidoso príncipe barroco e ficava atirando beijinhos aos irritadinhos suados que ficavam gritando na primeira fila - daí alguém jogou água e acertou o teclado. Isso me deixou puto, e eu olhei pra ver quem tinha jogado. Daí jogaram de novo e eu vi quem era, o cara estava a 9 cabeças do palco e mais à direita - era um skinhead enorme. Assustador. Mas eu sou muito sensível quando se trata do meu teclado, então, irracionalmente, eu pirei e comecei aquele velho papo de "você tá morto, seu filho da puta". E, enquanto eu apontava pra ele, uma baqueta veio girando de trás de mim e, sem brincadeira, acertou o filho da puta bem na cara!!! Acreditam? Ele até caiu e tal - e o Danny tinha jogado ela de uma distância de 40 jardas – e ACERTOU o cara! Tinham mais de 2000 pessoas lá! - o Danny me falou depois que ele nem sequer enxergava o cara! Ele simplesmente jogou onde eu estava apontando! Nem preciso dizer que todas as pessoas que viram aquela merda provavelmente pensaram que eu fosse um mago - Uau - Quem me dera. Uma bicha ultra-violenta, psicopata, com poderes telecinéticos - As gatinhas curtem!

16) Deixando de lado o ponto de vista das outras pessoas, quais foram as
SUAS razões para entrar e sair do Faith No More em tão pouco tempo?

Para entrar: Eu gostava do Faith No More
Para sair: Eu não gostei do Faith No More
Wles estavam passando por uma "época difícil", eu creio. Isso, aparentemente, explicaria o fato de eles pensarem que eu entraria na banda por um salário de roadie, sem sequer poder renegociar os termos do contrato... hmm. Provavelmente teria funcionado, se eles não estivessem tão FODIDOS internamente naquela época. O empresário deles era legal dentro do possível, a gravadora era ok dentro do possível, a mentalidade da banda é que era uma merda. Bom, eu tenho que admitir que o Roddy Bottum era um cara legal e decente, mesmo durante a época "negra". Quanto ao resto da banda, eles se juntaram com o contador espertinho deles e alguns outros caras sinistros e tentaram planejar toda uma estratégia suja de marketing – foi tudo tão fadado ao fracasso desde o começo – mais o fato de que eles se odiavam mutuamente. Eu acho que fui egoísta. Podem me matar se eu não fui ingênuo o bastante para comprar a idéia daquela xaropada yuppie que estava sendo derramada sobre aqueles coitados. Mas havia chegado o ponto em que eles estavam derramando esse xarope uns nos outros – e, meu Deus, na hora em que eu entrei na banda eles estavam afundando nele. Eu tive que me perguntar: qual a honra de afundar junto com esse navio? Foda-se. É uma ‘experiência de aprendizado’. Sim, é o que aquilo foi. E houve outras experiências dessas, por exemplo, quando eles me fuderam na mídia dizendo que eu tinha saído porque eu era um garotinho rico e tinha medo de fazer turnês... (enquanto eu mendigava a eles dinheiro para comer um burrito quatro meses antes). E eles tentaram me cobrar $10,000 por um ampli de $700, hã, Uau. E o advogado deles entrou na Justiça com um pedido para me proibir de falar sobre o assunto. Eu não ia falar mesmo, uma vez que eles obviamente fizeram um trabalho de colocar a corda no próprio pescoço muito melhor do que eu jamais faria. Mas já faz tempo, e eles terminaram, e você perguntou, então aí está... algo especial para os irmãos brasileiros! Venham me pegar, Corporação FNM, estou com tanto medo.
Viu como é bom ser famoso? E a parte mais engraçada é que todos se fodem no final - - - por isso não guardo nenhum rancor atualmente. Sinceramente. Eu encontrei o Billy uma ou duas vezes desde então e eu honestamente entendo o que aconteceu àquela banda e me sinto mal a respeito. Quero dizer, o Billy era o cara com quem mais me entendia musicalmente - e ele se fodeu tanto quanto ou até mais do que eu, então... e além do mais, qualquer fã do Liabach (n. do e.: Laibach, banda eslovena) é meu amigo. Que posso dizer? Todo dia é Dia do Juízo Final.

17) O Mr. Bungle está parado já tem algum tempo, e no momento alguns integrantes (incluindo você) estão mais voltados para outros projetos musicais (não necessariamente fazendo parte deles), outros nem estão morando mais nos EUA... mas vocês ainda estão trabalhando juntos (ou não) em algum material novo do Bungle?
Não oficialmente, mas eu acho que todos nós queremos – o dia vai se aproximar quando pelo menos eu e o Mike nos falarmos. Então nós teremos uma idéia melhor.

18) Quem são os outros caras do Faxed Head, além de você e do Neil
Hamburger? E o Hospício para Jovens de Coalinga ainda está aberto,
ou em manutenção?

Os membros do Faxed Head são McPatrick Head, Jigsaw Puzzle Head, Neckhead, La Brea Tar Pits Head, e, é claro, Fifth Head. Você terá que perguntar ao ASCII Head sobre o Hospício.

19) Trey, eu estava tentando traduzir None Of Them Knew... e encontrei um conteúdo interessante. Existem referências a Santo Augustinho, ciência e física. Como estudante de filosofia e grande fã do seu trabalho, queria saber se você estudou filosofia, física, antropologia ou apenas gosta de ler sobre estes assuntos?
Sou "pré-esquizofrênico", então não consigo evitar em me preocupar com a fratura que ocorreu no mundo moderno devido a algumas conseqüências problemáticas em adotar certas crenças. Já que a música está acima da filosofia, da astronomia e da geometria de acordo com a velha concepção grega, eu acho que é bem natural que a música acaba incorporando essas coisas tão facilmente. Na verdade, pela minha vida, eu não consigo entender por que isso é a exceção e não a regra... exceto pelo fato de que a adoção de certas crenças ou suposições, em que todo o mundo moderno se fundamenta, causa uma grande brecha entre a realidade, que é muito grande para se consertar. Isso acontece porque as motivações do homem moderno são limitadas a um campo de atividade extremamente estreito e possui a negação ou a descrença em qualquer coisa que não esteja totalmente dentro de seu binário radar pseudo-cultural. Eu sinto que tenho que contextualizar meu trabalho em termos dentro da Grande História, já que em termos da prisão da modernidade, eu estou claramente operando "de fora para dentro", em oposição a ser mais um outro grafiteiro banal que pinta os muros
"de dentro para fora"...

20) Você prefere escrever letras baseadas nessas idéias complexas ou às vezes você tem vontade de escrever como o Patton, explorando o nonsense e idéias mais sarcásticas?
Eu sou bem diferente do Patton. Eu acho que é um bom contraste. O nonsense e o sarcasmo dele fazem meu turbilhão de idéias parecerem menos doidas e mais humanas, e meu turbilhão de idéias faz o sarcasmo dele parecer mais exemplar do lado mais interessante e bonito do nonsense. Isso pode ser a chave secreta do Mr. Bungle, apesar de que todos negariam isso - incluindo eu.

21) Na época em que você estava no Faith No More, você chegou a participar do processo de composição do "King for a Day"? Quais são suas músicas preferidas daquele álbum?
Eu gosto da última música. Meu momento de maior orgulho naquele álbum foi tentar convencer o Billy de que aquela música DEVERIA estar no disco. Ele acidentalmente botou pra tocar uma parte dela quando ele estava procurando umas idéias gravadas numa fita cassete dele, e eu fiz ele voltar a fita e deixar tocar a música inteira pra mim. Ele escreve muita coisa maravilhosa, como aquilo, mas penso que ele não acha que as músicas são realmente boas. Isso não é ridículo? Se eu comandasse o Faith No More, eu faria do Billy o principal compositor e do Roddy, o arranjador das coisas mais pop. Em outras palavras, deveriam ser esses dois caras mais o Puffy em um quarto compondo, com a guitarra sendo adicionada bem depois, e os vocais bem no final do processo. Só assim aquela banda funcionaria. E, do que eu posso falar, sempre era ÓTIMO quando era feito assim.

22) O Mr. Bungle conseguiu um status de banda cult, mesmo estando em
uma grande gravadora. Como você vê isso hoje em dia?
Sempre foi uma anomalia. Se nós, em algum dia tivéssemos um empresário esperto, o que nunca tivemos, nós reconheceríamos que essa banda tem, de longe, a melhor e mais indestrutível fórmula do mundo: a MÚSICA. Mas não. Nós temos que puxar o saco de tipinhos que se acham os maiorais da indústria musical e fingem ser punks ou alguma merda do tipo para que eles venham nos "representar", pois eles sabem que há dinheiro fácil para ser extraído de nossa fórmula indestrutível. NÓS deixamos isso acontecer. É NOSSA culpa. Mas não são apenas os mongóis donos de selos punk que são anti-verdade, ninguém nessa bosta de indústria parece acreditar no óbvio: a banda é cultuada por causa da MÚSICA, não pelas personalidades envolvidas, não por alguma bosta de estratégia de marketing - é a MÚSICA. A MÚSICA. Você não tem que entrar nos joguinhos deles. NÃO TEM. Fodam-se os joguinhos imbecis. Ninguém ganha. Aceitem. A MÚSICA, por outro lado... é vitória certa. Se você conseguir não deixar subir à cabeça, os fãs estarão sempre lá. Esses cretinos acham que os fãs são burros, apenas peões dentro do seu joguinho. Não funciona assim. Simplesmente NÃO funciona assim... não é a Bolsa de Valores.

23) Como você vê o mercado americano de hoje em dia para um músico independente? É mais difícil de viver de música atualmente fazendo algo criativo?
Sim, é claro. E isso vai separar os homens dos meninos, não é mesmo? Eu apóio totalmente.

24) Aquelas covers do Emperor feitas pelo Mr Bungle eram só de zoação?
Ou vocês gostavam de Emperor?
Eu gostava do primeiro EP do Emperor, que é o que tem as músicas que a gente tocava. Depois o "In the Nightside Eclipse" saiu, e também era muito bom. Desde então, perdi o interesse...

25) Como está a cabeça do Mcpatrick? Melhor?
Cada vez pior. Essa é a vida dele.

26) Ennio Morricone = trey spruance , Nino rota = mike patton ?Essa foi ainda pior do que Lennon/McCartney, cara.

27) Que bandas e/ou artistas você tem ouvido atualmente?
Asterisk e compilações de "bandas" javanesas e sumatras que saíram pela Sublime Frequencies neste mês... é muito bom. "Kosmos", é uma compilação de música espacial da Europa Oriental dos anos 60, e também comerciais de TV alemães feitos no final dos 60/começo dos 70 - essas compilações chamam-se "Popshopping" e saíam pela Crippled Dick. Eu descobri elas recentemente. São muito boas. Mais nada. Eu odeio a música atual, com exceção de coisas extremas como o Pig Destroyer.

28) Sobre o Secret Chiefs 3, quais são os planos pro futuro da banda? Tem um CD novo e uma turnê vindo aí? E quem são os membros da banda atualmente?
Novo CD no começo de Abril, chamado "Book of Horizons" ("O Livro dos Horizontes"). É o maior de todos. Tem toneladas de músicos: Kang, Heifetz e os cúmplices de sempre. Além de Shazad Ismaili e Ches Smith na percussão e na bateria, e alguns vocalistas malucos. Esse projeto tem me matado. Espero que valha todo o esforço que tenho feito por ele...

29) Quais são seus planos pro futuro, além do SC3?
Não há futuro, com exceção do SC3, talvez do Mr. Bungle. Há uma enorme expansão do SC3. Logo que vocês ouvirem o novo álbum, vão entender - está se expandindo em sete bandas diferentes. Bandas bem diferentes. É difícil explicar, mas vocês vão compreender quando escutarem. Ou não vão entender absolutamente nada. Mas de qualquer jeito vai ser uma pedrada.

30) Qual era a parte mais difícil no Mr Bungle: compor o álbum
(considerando a complexidade das músicas) ou sair em turnê (considerando a complexidade em tocar essas músicas ao vivo). E como funcionavam ambos os processos? E nós vamos ter a oportunidade de ver o Bungle tocando ao vivo novamente?
Gostei dessa pergunta – eu toquei no assunto por cima antes. Compor é a parte mais fácil e divertida, acredite ou não. Gravar é a parte mais difícil, e se preparar para tocar ao vivo também. Já que grande parte do trabalho de como fazer as coisas no estúdio e como reproduzí-las ao vivo é meu dever, eu poderia dizer que essa é a parte mais difícil, lógico. É um cara ou coroa. Ocupa anos e anos da minha vida, acredite.

31) O que exatamente aconteceu na turnê européia do Mr. Bungle em 2000
que fez com que você e o Mike Patton perdessem o interesse em tocar
juntos?

Boa pergunta. Não estou 100% certo. Eu sei que eu estava ficando irritado com a situação do nosso empresário. Não tenho a mínima idéia de com que o Mike estava irritado, e ainda não sei. A coisa toda parece um pouco ridícula.

32) No tributo Great Jewish Music ao Marc Bolan, você fez uma excelente
Cover de "Scenescof" junto com Phil Franklin na percussão. Você já pensou em fazer um álbum solo?

Eu acho que eu odeio essa coisa de "álbums solo". Se estivéssemos vivendo em um época onde um compositor pudesse ser um compositor, é isso que eu seria. Mas já que não estamos, não vou me degradar lançando álbuns solo. Eu simplesmente vou montar algumas bandas que serão extensões do meu processo de composição e aí verei se funciona. Até agora, tem funcionado.

33) Você disse uma vez em uma entrevista que haviam sobrado faixas tanto do Disco Volante quanto do California. Será que ainda vamos ouvir isso algum dia? E será que você pode falar algo sobre essas músicas?
Eu espero que vocês ouçam. Uma chamava-se "Coldsore", composição do Bär, e é muito boa - é uma espécie de cruza de "After School Special" com "Chemical Marriage", talvez com um quê de anos 80 - que alguns vão achar ofensivo. Outra canção que ficou de fora há um tempo atrás tinha o nome provisório de "spy" e é muito boa para ficar de lado também. Até o Danny escreveu partes para esta música. Nossa, eu espero que algum dia a gente lance elas de algum modo.

35) Alguma música do Mr.Bungle's foi gravada de forma improvisada? Cite exemplos.



Nenhuma!O fim de Dead Goon tem uma parte semi-improvisada, eu suponho. Partes de Platypus onde a música se "despedaça" são semi-improvisadas, eu creio. Acho que é isso.

36) Qual seu método de composição? Letras primeiro... ou você costuma
escolher um tema antes, ou começa com o instrumental...?

É sempre diferente. Eu acho que, para mim, a música tende a vir antes da letra, mas eu sei sobre o que a música vai ser desde o princípio. A letra meio que aparece pelo caminho. Merry Go Bye Bye foi escrita, letra e música, em 20 minutos. None of Them Knew They Were Robots foi escrita em mais de um mês, musicalmente, e a letra foi vindo esporadicamente - - - depois eu encaixei toda a letra na música num café, literalmente no DIA da gravação - depois de passar uma noite sem dormir gravando. Não tenho idéia de como essas coisas surgem, elas simplesmente aparecem.

37) Você tocou com o FNM por um curto período, como foi?Uma bosta.
Fonte: Collision