segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

A Hammer Film production

Sem essa de assistir filmes no computador em tela pequena e com imagem de baixa qualidade ou, suprema heresia, no celular ! O melhor lugar para se ver filmes AINDA é o cinema, apesar dos (muitos) pesares, especialmente a falta de educação do público em geral. Pois bem: fui ver ontem, NO CINEMA, “Deixe-me entrar”, a versão americana para um dos melhores filmes sobre vampiros dos últimos tempos, o sueco “Deixe ela entrar” (Låt den Rätte Komma In). Eu sei, é de uma imbecilidade sem tamanho essa idéia dos americanos de que eles têm que fazer versões próprias de filmes estrangeiros de sucesso, porque os retardados de lá não gostam de ler legendas (até aí, nenhuma novidade, já que os retardados de cá também estão criando uma demanda cada vez maior por filmes dublados nos multiplexes, o que é horrível). Mas de vez em quando eu abro uma excessão, por um motivo ou outro. Neste caso a principal motivação foi a presença de Chloe Moretz, de quem eu virei fã desde sua excelente atuação em “Kick Ass”, no papel principal, o da vampira adolescente. Além disso, o diretor é Matt Reeves, o mesmo de Cloverfield (Monstro), do qual eu gostei bastante, e as críticas que li foram bastante positivas.

Não me decepcionei. Poderia ter sido melhor se o diretor tivesse feito um esforcinho a mais para se diferenciar do original (é praticamente uma cópia Xerox), mas mesmo assim o resultado final foi satisfatório. Replica praticamente tudo, inclusive o cenário, apesar da versão ser ambientada, como não poderia deixar de ser, nos Estados Unidos, mais precisamente no Novo México. Nunca um inocente parque de diversões soterrado pela neve no playground de um condomínio de classe media baixa foi retratado de forma tão sombria – porque seu único frequentador, pelo menos à noite, é o solitário garoto Owen. Ele está, no entanto, prestes a encontrar companhia: Abby, uma garota igualmente estranha com cheiro esquisito, acaba de se mudar para a vizinhança e também quer freqüentar o parquinho em horários pouco convencionais. Os dois acabam desenvolvendo uma bela relação de amizade que logo evolui para um namoro, apesar da garota afirmar que ela não é, na verdade, uma garota. “O que você é, então?”, questiona Owen. “Não sou nada”, ela responde.

Ela é, na verdade, um ser atormentado por instintos primários, manifestos principalmente em uma sede de sangue difícil de controlar e num instinto predador aguçado, acompanhado de força e habilidades fora do comum. Sim, Abby é uma vampira, o que fica explícito em um diálogo do filme (não deveria). Seus ataques são impressionantes. Com movimentos um tanto quanto inverossímeis, é verdade, mas até aí nada demais, já que vampiros são, por si só, seres fantasiosos. As cenas de ação, aliás, são muito boas, especialmente a do acidente de carro, que não consta do original, e a da piscina, igualmente perfeita. São intercaladas por climas melancólicos e sombrios pontuados pela delicada e onipresente (até demais, chega a enjoar) trilha sonora, baseada no piano. Excelente, especialmente para quem não viu a versão original. No cinema, já era: passou praticamente despercebido pelas telas, infelizmente, e já saiu de cartaz em Aracaju.

Mas o que mais me surpreendeu foi a constatação de que se trata de um filme da Hammer, a legendária produtora inglesa de fitas de horror! Não sabia. Faz muito tempo que eles não produzem nada. A Hammer foi fundada em 1934, mas teve seu auge criativo e comercial entre os anos de 1955 e 1979 quando, em associação com a Warner Bros., que atuou na distribuição mundial de alguns de seus sucessos, apostou nos filmes de terror, especialmente o horror gótico povoado de personagens clássicos, como Drácula, Frankestein e o Lobisomem. Tudo começou com o sucesso da versão de Terence Fischer para a obra imortal de Mary Shelley em The Curse of Frankenstein, de 1956. Dois anos depois, o mesmo Fischer dirigiria o clássico “Dracula”, estrelado por Christopher Lee no papel do vampiro e por Peter Cushing como seu antagonista, o Dr. Van Helsing. Foi um sucesso estrondoso, o que gerou um sem número de continuações, algumas quase tão boas quanto o original, como The Brides of Dracula (1960), Dracula: Prince of Darkness (1966) e Scars of Dracula (1970). O filão comercial foi explorado até o fim com Dracula Has Risen from the Grave (1968), Taste the Blood of Dracula (1970), Dracula AD 1972 (1972), The Satanic Rites of Dracula (1973) e The Legend of the Seven Golden Vampires, quase todos estrelados por Christopher Lee, que não se sentia muito a vontade no papel. Ele não participou da sequencia direta do filme de 1958, “The Brides of Drácula”, e no primeiro, para que se tenha uma idéia, fez um príncipe das trevas praticamente mudo, sem quase nenhuma fala, porque se recusava a proferir os diálogos, a seu ver muito ruins.

Os filmes da Hammer eram “trash” e “camp”, mas também eram, inegavelmente, charmosos. Exploravam sem pudor os corpos de suas atrizes, sempre metidas em generosos decotes, e caprichavam nos cenários e na dramaticidade de algumas cenas. São inesquecíveis os castelos góticos em meio a florestas envolvidas em brumas e algumas cenas de morte do vampiro, como aquela em que ele é atingido por um raio ou outra na qual Van Helsing salta sobre as cortinas para deixar entrar a luz do dia, fatal para os mortos-vivos. Antológico. Lembro que quando eu era criança, ainda nos anos 70, pedia para que meus irmãos me acordassem no meio da noite para assistir às sessões que a televisão exibia, geralmente de madrugada. Ficava absolutamente fascinado.

A Hammer produziu ainda uma série sobre vampirismo feminino, repleta de apelo erótico e baseada na personagem Carmilla Karstein, de Sheridan Le Fanu: The Vampire Lovers (1970), Lust for a Vampire (1970) e Twins of Evil (1971). Com o monstro de Frankenstein produziram The Curse of Frankenstein (1957), The Revenge of Frankenstein (1958), The Evil of Frankenstein (1964), Frankenstein Created Woman (1967), Frankenstein Must Be Destroyed (1969), The Horror of Frankenstein (1970) e Frankenstein and the Monster from Hell (1973). Outros filmes importantes: The Mummy (1959), The Hound of the Baskervilles (1959), The Two Faces of Doctor Jekyll (1960), The Phantom of The Opera (1962) e The Devil Rides Out (1967).

Em meados dos anos 70 a produtora entrou em decadência, dedicando-se basicamente a séries para a televisão nos anos 80. Mante-ve-se em estado de hibernação durante as décadas de 90 e 2000, e está voltando agora à produção cinematográfica, justamente com o filme de Matt Reeves.

por Adelvan

Clique aqui para uma lista completa de todos os filmes da Hammer
AQUI, o site oficial da produtora
+ sobre “Deixe-me entrar”:

“De certa forma, nós estabelecemos o padrão para os filmes de vampiro”, comenta o presidente da "Hammer Films", Simon Oakes. “Lá no filme ‘Drácula’ do final dos anos 50, a Hammer transformou o vampiro, interpretado por Christopher Lee, em uma figura quieta e sensual. Acho que estabelecemos o tom para aquela abordagem na tradição do vampiro e isso perdurou durante muitas décadas”, aponta. “Cada uma das histórias que são tão populares no momento, usa a lenda do vampiro de uma maneira diferente”, acentua Matt Reeves, diretor de “Deixe-Me Entrar”, versão americana de “Deixe Ela Entrar”, filme sueco baseado no romance de John Ajvide Lindqvist. “Freqüentemente eles a usam para explorar a natureza sexual das pessoas. Mas esta história pega o mesmo modelo e o usa para explorar algo totalmente diferente”, explica o cineasta.

“É uma história que deveria estar disponível para um público realmente muito mais amplo. E nós o acompanhamos desde o princípio”, lembra Oakes, que através da Hammer entrou na disputa pelo material logo que o título despontou. “Mesmo que a concorrência tenha sido dura, desenvolvemos um relacionamento com os produtores e como resultado conseguimos garantir os direitos”, comemora o CEO. “Achei que seria extremamente empolgante o remake ser feito pela Hammer por causa de seu histórico de contribuições para este gênero”, diz Reeves. “Sabia que tinha que achar um meio de me ligar a esta iniciativa. Meu pessoal adorou tanto o projeto que também queria fazer parte dele e na verdade acabaram se associando à Hammer”, confessa o autor, lembrado por sua direção no elogiado longa-metragem de J. J. Abrams, “Cloverfield - Monstro”.

“Matt leu o livro e assistiu ao filme original, e estava muito positivo sobre achar uma maneira de fazer deles sua própria película. Ele tinha uma conexão apaixonada com a história e isso valia por tudo. Ele estava determinado em manter uma lealdade ao espírito da história de Lindqvist e ao mesmo tempo expandi-la de maneira a incluir sua própria visão”, pontua Oakes. “Fiquei realmente tocado. Lindqvist e Tomas Alfredson, o diretor do longa sueco, criaram uma metáfora poderosa para o tumulto que é a adolescência”, lembra Reeves, que ainda prossegue: “Com um filme de gênero, penso que o mais emocionante é poder incluir uma idéia maior por baixo da superfície. Acho que é isso que torna este conto diferente. Não é uma fantasia comum sobre vampiros, é algo com o que espero que as pessoas possam realmente se identificar”, empolga-se.


“Você poderia cometer o erro de achar que é somente um filme de vampiro, mas na realidade é um filme sobre a alienação e o preço que estamos dispostos a pagar para sermos amados”, aponta Vicki Dee Rock, co-produtora da fita. “É um comentário sobre a humanidade”, ela continua. “O que mais me chamou a atenção, logo na primeira leitura de ‘Deixe-Me Entrar’, foi o tom incrivelmente sombrio e sinistro que Matt queria ter”, especifica o diretor de fotografia Grieg Fraser. “Envolvida por toda esta escuridão, está uma linda história de amor. Nosso desafio era criar visuais que a complementassem. Durante as filmagens, tentamos intensamente não nos sentirmos como se estivéssemos iluminando e enquadrando um filme de gênero. Em vez disso, estávamos iluminando um drama de época, com crianças no centro da história”, difere.

“Na versão sueca, os protagonistas são maravilhosos e seu relacionamento é muito poderoso. Sabia que, se não encontrássemos jovens que fossem capazes do mesmo, não poderíamos fazer este filme. Esta é, de diversas maneiras, uma história bastante adulta. As complexidades emocionais do relacionamento são bastante maduras”, credita Reeves. Kodi Smit-McPhee (de “A Estrada”) acabou sendo escalado para o papel principal do menino socialmente excluído. “Ele é filho de mãe solteira. O coitado teve uma vida muito difícil. Ele é intimidado na escola e sua mãe se preocupa, porém ela bebe demais”, analisa o próprio ator-mirim. “Quando uma nova garota se muda para seu prédio, ele a acha meio estranha, mas precisa de alguém para conversar. E depois, assim que eles se tornam amigos, ele descobre que ela é uma vampira”, detalha Smit-McPhee.

Já para viver a tal menina vampira, os produtores foram buscar Chloë Grace Moretz. “Ela tem uma qualidade incrivelmente interessante. Chloë pode ser durona, como todos que assistiram ‘Kick-Ass’ já devem saber. Ela também tem uma tremenda vulnerabilidade. Esta mistura de ser bem humana, mas também tendo um inconquistável desejo de sobreviver realmente transparece”, elogia Reeves. “Penso que alguma parte dela sabe pelo que ele está passando. Ela não pode na verdade conversar com ninguém sobre si mesma ou sua vida, porque se descobrirem quem ela realmente é, eles irão se afastar. Ele é única pessoa com a qual ela se relaciona. E ele também precisa de alguém que o ame pelo que ele é”, sintetiza Moretz. “Sem estes dois jovens, não poderíamos ter feito este filme. Quero dizer, eles são realmente notáveis”, surpreende-se o diretor.

Fonte: Paramount Pictures

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Cisne indomável


E eis que o mundo do balé clássico já tem seu “Touro Indomável”. “Cisne Negro” faz por ele o que o clássico de Martin Scorcese fez pelo box: transporta o expectador para o meio da ação, com a câmera habilmente circulando no palco, no meio dos bailarinos, enfocando de forma brilhante os movimentos e as expressões faciais dos protagonistas. Além disso, entrega um retrato impiedoso dos bastidores e dos dramas pessoais pelos quais passam os envolvidos, sempre pressionados para que dêem o melhor de si e ameaçados pela concorrência fraticida e nem sempre leal.

É a história de Nina, dedicada bailarina que está prestes a enfrentar o maior desafio de sua vida: encarnar, ao mesmo tempo, os dois personagens principais do mais do que clássico balé “O lago dos cisnes”, de Tchaikovsky. Sua grande dificuldade está em incorporar de forma satisfatória para o coreógrafo brilhantemente interpretado por Vincent Cassel o Cisne Negro – sedutor e maléfico, tudo o que Nina foi ensinada a NÃO ser. Ela é uma bailarina, não uma atriz, mas se quiser ter sua noite de glória, precisará se arriscar a deixar vir à tona instintos reprimidos que, uma vez libertos, a lançam numa espiral de dúvidas e inseguranças que podem levá-la à redenção ou à loucura, pura e simples.

A redenção seria, principalmente, a libertação do jugo de sua mãe dominadora – clássico caso de pessoa frustrada que sonha em realizar seus sonhos, mesmo que de forma tardia, através dos filhos. Para tanto, conta com a ajuda do próprio coreógrafo, Thomas, que a manipula habilmente com o intuito de quebrar sua frieza, e de Lily, uma nova integrante da companhia vivida ela belíssima Mila Kunis. Não por acaso, ela veio de de San Francisco, cidade conhecida como o berço do amor livre e da cultura hippie/psicodélica na América. É principalmente através dela que Nina começa a “se soltar”, ao mesmo tempo em que desconfia de que a “amiga” está tentando, na verdade, desequilibrá-la emocionalmente para tomar seu lugar.

E Nina se desequilibra emocionalmente. E muito. Passa a ter sintomas de esquizofrenia e é aí onde o filme desanda – mas só um pouquinho. Do meio para o final o quase sempre brilhante diretor Aronofsky dá umas derrapadas em cenas de terror psicológico clicherosas e desnecessárias que subestimam a inteligência do expectador. Já o clímax é sensacional: na grande noite assistimos à incorporação quase que literal do cisne negro por Nina numa perfomance brilhante tanto do personagem quanto de sua intérprete, Natalie Portman.

De modo geral, “Cisne Negro” não é tão bom quanto o anterior “O lutador”, muito embora lide com temas parecidos – superação, principalmente. Plasticamente é perfeito, mas os exageros narrativos lhe tiram o status de “obra-prima”. Em todo caso, é um grande filme que merece, e muito, ser visto.

por Adelvan

* * *

O suspense Cisne Negro (Black Swan), que já deu o Globo de Ouro e o SAG a Natalie Portman, pode lhe render no dia 27 o seu primeiro Oscar. Além de melhor atriz, o longa concorre em mais quatro categorias - filme, montagem, direção e fotografia. Portman e o diretor Darren Aronofsky falaram com os nossos parceiros do Collider sobre a parceria, o mundo do balé e a expectativa pelo prêmio.

Darren, você poderia falar sobre quando conheceu Natalie Portman para esse filme, há 10 anos?
Darren Aronofsky: Eu sou fã do trabalho da Natalie desde que a vi em O Profissional. Luc Besson é um dos meus diretores favoritos. Acabou que o empresário dela é um amigo meu da faculdade, então eu consegui contato com mais facilidade. Nos encontramos na Times Square, no antigo hotel Howard Johnson, que agora é uma loja de roupas. Isso mostra pra onde os Estados Unidos estão indo. Nós tomamos uma xícara de café péssima e conversamos sobre algumas ideias que eu tinha para o filme. Ela diz que eu tinha o filme todo na minha mente, o que é mentira.
Natalie Portman: Não, o que ele descreveu para mim já estava bem perto.
DA: Nós conversamos um pouco sobre o filme e eu comecei a desenvolvê-lo, mas foi bem difícil, pois adentrar no mundo do balé se provou bem desafiador. Na maioria das vezes, quando você faz um filme, você diz "ei, eu quero fazer um filme sobre o seu mundo", todas as portas se abrem e você pode fazer tudo o que quiser, ver tudo o que quiser. O mundo do balé não estava nem um pouco interessado em nos receber, então levamos um bom tempo para conseguir as informações e montar tudo. Ao passar dos anos, Natalie dizia "eu estou ficando muito velha para interpretar uma dançarina, é melhor você se apressar". Eu respondia "Natalie, você está ótima. Vai dar tudo certo". Aí, mais ou menos um ano antes das filmagens, eu finalmente consegui terminar o roteiro. Foi assim que tudo começou.

Natalie, por que esse foi um papel dos sonhos para você?
NP: Bem, eu dancei quando era mais nova, até mais ou menos meus 12 anos, e sempre idealizei a dança, assim como a maioria das meninas mais novas, como uma das formas de arte mais bonitas. É uma expressão sem palavras. Eu sempre quis fazer um filme relacionado à dança, então quando Darren teve essa incrível ideia que não era somente relacionada ao mundo da dança, mas também tinha essa personagem complicada - ou duas personagens -, participar disso foi uma ótima oportunidade, especialmente com Darren, que é um diretor com quem eu faria qualquer coisa. Isso me deixou muito animada.

Darren, como foi abordar essa história do ponto de vista feminino, ao contrário de O Lutador, que foi bem masculino?
DA: Eu não acho que haja tanta diferença. Eu não faço muito caso disso. Eu acho que pessoas são pessoas e, se seus sentimentos são reais, elas podem se identificar. Não importa se você é um lutador de 50 e tantos anos que já está no final da carreira, ou uma ambiciosa dançarina de balé de 20 e poucos anos. Se eles acreditam naquilo que eles são e seus sentimentos são reais, então a audiência vai se identificar. Essa sempre foi a premissa do cinema. É por isso que podemos ver um filme sobre uma garotinha de sete anos no Irã ou um super-herói imortal nos EUA. Não importa, contanto que sejam verdadeiros.

Você é um diretor manipulativo como o diretor de balé no filme?
DA: Eu queria ser tão manipulativo como Thomas Leroy é no filme. Eu sou muito direto, já assustei muitos atores de primeira linha. Natalie Portman foi a única atriz top com quem eu trabalhei na minha carreira. Todos os outros falavam "você quer que eu faça o quê? Por quanto tempo? Por quanto dinheiro?" e eles iam embora. Eu perdi muitas estrelas de cinema ao longo do caminho. Eu acho que um diretor mais manipulativo falaria "Ah, não vai ser tão difícil. Venha e vamos nos divertir". Eu acho que é assim que guerras começam. Eles falam "você me disse que ia ter sushi no set todos os dias!". Eu sou bem direto e honesto.

Natalie, como você abordou sua transformação para esse papel?
NP: Foi um desafio muito grande e eu tive um ótimo apoio. Comecei com minha treinadora de balé um ano antes das filmagens, partimos do básico. Nós treinávamos duas horas por dia pelos primeiros seis meses e isso foi uma ótima preparação para que eu fizesse mais, assim eu não me machucaria. Depois dos seis meses nós começamos a fazer cinco horas por dia. Adicionamos natação, eu nadava 1,6 Km por dia, tonificação e depois fazíamos três horas de aula de balé por dia. Aí, dois meses antes das filmagens, nós adicionamos a coreografia, então fazíamos por volta de oito horas por dia. A disciplina física ajudou muito na parte emocional da personagem, pois você tem um sentimento do estilo de vida monástico de só malhar, essa é a vida de uma dançarina de balé. Você não bebe, não sai com amigos, não come muito e submete seu corpo à dor extrema, então você acaba entendendo a auto-flagelação de uma dançarina de balé.

Você treinou separadamente para o Cisne Branco e para o Cisne Negro?
NP: As coreografias eram diferentes para o Cisne Negro e para o Cisne Branco. Eu tive uma treinadora incrível, Georgina Parkinson, que faleceu duas semanas antes de começarmos as filmagens. Ela foi a primeira treinadora para O Lago dos Cisnes para [as personagens] Odile/Odette. Ela trabalhou bem especificamente comigo em tudo, desde as pontas dos dedos até onde você põe os olhos nos diferentes movimentos, que é a atuação no balé. Existem pequenos gestos que fazem uma imensa diferença entre as duas personagens.

Qual foi a primeira refeição que você fez depois de ter acabado de filmar, algo que não podia comer enquanto filmava?
NP: Minha primeira refeição foi macarrão, no café da manhã, almoço e janta. Eu comia o tempo todo.
DA: O que é engraçado sobre isso é que este foi um filme bem difícil de se fazer. Não tínhamos muito dinheiro e tivemos que atrasá-lo algumas vezes. Eu não me importo muito em atrasar um filme porque me dá mais duas ou três semanas para me recompor, mas eu descobri recentemente que a Natalie gritava com o empresário dela por ter que viver de cenouras e amêndoas por mais três semanas. Foi ela que sofreu por não poder comer.

Os Sapatinhos Vermelhos, o clássico sobre balé de Michael Powell, influenciou você e suas escolhas?
DA: Eu já tinha ouvido falar em Os Sapatinhos Vermelhos, mas eu nunca tinha visto. Aí o [Martin] Scorsese fez a restauração há alguns anos e eu pensei "quer saber? Eu tenho que ir ver esse filme". É uma obra-prima. É um filme inacreditável. E eu vi que haviam semelhanças na história, mas eu acho que é porque nós dois fomos até o balé e pegamos coisas de lá para as diferentes personagens, então acabamos em lugares semelhantes. Mas eu não fui muito influenciado por ele. As sequências de dança estavam muito além de seu tempo. Eu o mantive no fundo da minha mente. Faz muito tempo.

Natalie, como foi usar as sapatilhas com ponteira?
NP: Sapatilhas com ponteira são aparelhos de tortura. Bailarinas se acostumam com elas, então acho que foi mesmo um caso de ser uma nova experiência para mim, mas elas são bem medievais.

Ter estudado psicologia em Harvard te ajudou no papel?
NP: Esse foi um dos raros casos onde eu consegui aplicar na vida real algo que aprendi na escola. Foi um caso absoluto de comportamento obsessivo-compulsivo. A coceira, a anorexia e a bulimia são casos de TOC. Balé acaba sendo propício para esses transtornos por ter um senso de ritual, com o embrulhar das sapatilhas todos os dias e a preparação de novas sapatilhas para toda nova performance. É um grande processo. É quase religioso, e o diretor [da companhia] é como um Deus. É realmente uma arte devocional, ritualística, religiosa, na qual você consegue se relacionar como ator, pois quando você faz um filme, você se submete ao seu diretor. Seu diretor é tudo e você é devoto dele, pois quer ajudá-lo a criar sua visão.

Natalie, como você acha um equilíbrio quando mergulha em um papel e como você se remove dele quando termina?
NP: Assim que eu termino uma cena, volto a ser eu mesma. Assim que eu termino de filmar, eu quero ser eu mesma novamente. Não sou uma pessoa que gosta de ficar no personagem. Darren e eu nos conectamos bem, meio como uma telepatia, durante as filmagens porque acho ele tão disciplinado, focado e alerta quanto se pode ser, e é assim que eu tento ser. Eu não sou perfeccionista, mas eu gosto de disciplina. Eu sou obediente. Eu acho importante dar o seu melhor e ser o mais gentil possível com todos que trabalham com você. A meta, todos os dias, é manter o foco nisso.
DA: Eu já lidei com alguns atores que utilizavam o método de permanecer no papel e eu acho que é bobagem. É cinema... Você só tem que estar no personagem quando a câmera está funcionando. Claro, se é uma cena intensa, você pode até querer manter aquela energia entre tomadas, enquanto a equipe se arruma. Mas quando é "Corta!", é "Corta!". Até mesmo quando é "Ação!" e tem uma câmera, todas aquelas luzes e um monte de gente se mexendo à sua volta, é impossível acreditar completamente que aquilo não é um faz-de-conta. Eu não sei. O que funcionar, funcionou. Não quero afastar atores que preferem ficar no personagem, mas a verdade é que realmente é um saco atores que ficam no personagem. É tipo: "Vamos lá! O que você está fazendo? Não é real! Ah, então você realmente está chateado? Vá para o seu trailer. Te vejo em uma hora".

Como foi trabalhar com Barbara Hershey interpretando sua mãe?
NP: Darren fez uma coisa maravilhosa em que ele pediu que Barbara escrevesse cartas para mim, já no personagem, de Erica para Nina, na primeira parte das filmagens. Ele me entregava as cartas em dias importantes de filmagem, assim eu poderia conhecer mais minha mãe. Barbara escreveu cartas realmente lindas como Erica e que conseguiam realmente mostrar nossa história, nosso amor e nossa conexão.
DA: E eu nunca lia as cartas. Eu achava que tinha que ser uma coisa somente entre as duas.

Darren, como você desenvolveu seu estilo para este filme?
DA: Eu acho que tudo é mais sobre a história que queremos contar. Todo o negócio de ter uma abordagem com a câmera sem apoio - ela fica na mão, como utilizamos em O Lutador -, trazer isso para um filme sobre balé era um grande risco, pois eu nunca tinha visto um filme de suspense com esse tipo de abordagem e não sabia se ia funcionar. Eu estava preocupado que, durante uma cena de medo, as pessoas pudessem se perguntar porque a Natalie não pedia ajuda ao cameraman... Mas aí decidimos tentar. Nunca havia sido feito antes e eu realmente gostei de ter uma pessoa segurando a câmera, assim eu pude movê-la de algumas maneiras que não seriam capazes de outra maneira. O resultado disso foi que o primeiro terço do filme passa uma sensação bem diferente do que o resto, pois tem um toque bem realista, que é bem legal. Isso faz as pessoas pensarem que estão assistindo a um tipo de filme bem diferente, que não vai assustar do jeito que assusta, e ainda assim passa uma urgência de estar no momento e estar nesse outro mundo. No geral, acaba parecendo mesmo um documentário no começo, antes de assustar. Funcionou para nós.

Você pode falar um pouco sobre o jogo com os gêneros no filme?
DA: Eu não sou muito um cara de gêneros. Essa foi minha melhor tentativa de fazer um filme de gênero. Eu simplesmente não consigo fazer isso. Eu acho que isso não é mais necessário hoje em dia, fazer um filme com um gênero bem específico. O público está mais sofisticado. Contanto que seja divertido e interessante, está tudo bem. Era isso que eu estava tentando fazer. Nós fomos na direção de manter todos animados, presos à trama, e é memorável, para que você converse sobre isso com outras pessoas.

Como você acha que as dançarinas de balé vão responder a essa representação da arte?
DA: Eu acho que muitos dançarinos vão ficar imensamente aliviados que finalmente existe um filme sobre balé que leva o próprio balé a sério, e não como um lugar para se ter um caso. Se você realmente olhar para as obras de balé - como A Bela Adormecida, Romeu e Julieta e O Lago dos Cisnes - são incrivelmente sombrias, góticas. Esse filme poderia ter se chamado O Lago dos Cisnes. Nós tiramos o conto de fadas e o balé do Lago dos Cisnes e transformamos aqueles personagens em personagens da nossa história. Na realidade, é uma recontagem de O Lago dos Cisnes. Definitivamente mostra o desafio, o drama e a realidade do quão difícil é ser uma dançarina de balé, mas eu acho que também representa a beleza da arte e a transcendência que é possível dentro da arte, tudo dentro da narrativa de O Lago dos Cisnes. Sempre haverá pessoas que não vão gostar, mas a maioria dos dançarinos com quem conversamos sobre isso disse: "Finalmente vamos ter um filme sobre balé!".

Natalie, como você se sente com a expectativa do Oscar para o filme e para sua performance?
NP: A melhor coisa que você pode esperar quando faz um filme e coloca sua alma no projeto como nós fizemos é que as pessoas tenham uma boa impressão. O fato de o público sair do filme comovido, animado, entretido e estimulado é extremamente lisonjeiro. É uma grande honra.

* * * 

Depois de vencer o Globo de Ouro e o SAG, Natalie Portman concorre à estatueta da Academia por "Cisne Negro, mas sua atuação não seria a mesma sem a leveza de Mila Kunis - indicada ao Globo de Ouro de melhor coadjuvante - como contrapeso.

A eterna Jackie de That 70's Show interpreta Lily, bailarina desencanada e sexualmente poliglota, o oposto da travada Nina. Mila Kunis fala da sua preparação para o papel, do contato com o mundo do balé, da já famosa cena de sexo e como ganhou de volta os quilos que perdera nas filmagens.

Como esse é um papel diferente para você, como foi o processo de seleção?
Eu não sei como ou por que fui contratada. Eu nunca cheguei a pedir. Eu não queria que ele [o diretor Darren Aronofsky] ficasse com dúvidas a meu respeito. Eu só fui junto e dizendo: "Tudo bem, se você confia em mim, eu topo". Foi assim. Foi uma oportunidade incrível, da qual eu não me arrependo e nunca vou questionar. Eu agradeço Darren todo dia por isso.
Você já viu O Lago dos Cisnes no palco?
Eu não tive a oportunidade de ver a versão completa até mais ou menos um ano atrás. Toda vez que eu ia ver uma apresentação de balé, era sempre um pedaço dela, então eu nunca tive a oportunidade de assistir à obra por completo.
Como você conseguiu parecer tão sensual sem esforço, mesmo sem ser uma bailarina?
Foi longe de sensual e sem esforço. Foram três meses de treino antecipadamente. Eu não era uma bailarina. Você pode fisicamente fingir só até um ponto, então você tem que mergulhar nesse mundo, no modo como se anda, fala e lida consigo mesma. Então foram três meses de treino, sete dias por semana, quatro ou cinco horas por dia antes de começarmos a produção. E durante a filmagem foi mais ou menos a mesma coisa.
O que te surpreendeu mais sobre o balé?
A coisa sobre o balé que eu nunca soube é que é um dos esportes mais excruciantes de que já participei. Eu digo esporte porque eles treinam constantemente, todo santo dia. Seu corpo muda. Seus ombros caem, o peito abre e existe uma certa postura que eu não tenho naturalmente por ser desleixada. Então por três meses eu tive que ficar reta constantemente. E o modo como eles movem os braços e as mãos enquanto dançam acaba mudando o modo de falar na vida real. E os pés ficam diferentes por causa das sapatilhas. Existem diversas pequenas mudanças.
Interpretando esse papel, você sabia dizer quando ela estava realmente ali e quando era ilusão de Nina?
Sempre que Natalie e eu estávamos na mesma cena, eu tenho quase certeza de que fizemos de todos os jeitos possíveis. Qualquer coisa que ela fizesse, eu fazia o oposto. A verdade é que por mais que tenhamos trabalhado no roteiro e por mais que tenhamos ensaiado tudo, ainda não sabíamos como tudo sera encaixado. Foi tudo tão meticuloso que eu só tentava dar meu máximo em cada tomada, e cada tomada era completamente diferente. Não houve nada contínuo.
Como foi a experência de trabalhar com Darren Aronofsky?
Trabalhar com Darren foi realmente uma das experiências mais incríveis da minha vida. Ele é um diretor brilhante. É raro encontrar alguém em que você possa confiar tanto, que te permita mergulhar no papel e sentir que existe uma rede de segurança para te proteger caso você caia. Eu sempre olhei para Darren como a rede de segurança e ele foi ótimo.
Você pode falar um pouco sobre a cena sexo? Foi sua primeira cena do tipo?
Eu fiz um filme chamado Depois do Sexo, com a Zoë Saldana, onde ela interpretava minha namorada, mas nunca tivemos uma cena de sexo. Tivemos a cena do que acontece depois que você transa, então talvez isso não conte. Então esta seria minha primeira vez.
Você e Natalie chegaram a discutir alguma coisa antes de fazer a cena, para deixar as coisas mais confortáveis?
Toda vez que se faz uma cena de sexo em um filme é um pouco desconfortável, seja do mesmo sexo ou do sexo oposto. A parte boa de tudo isso é que Natalie e eu tivemos a sorte de já sermos amigas antes da produção, o que fez as coisas ficarem bem mais fáceis. Nós não chegamos a discutir muito. Nós meio que só fizemos. Fazia sentido para a personagem. Não foi só pelo choque. Não era algo que nós precisássemos justificar em nossas mentes enquanto fazíamos. Foi aquilo. A verdade é que nós eramos amigas antes do filme, então foi tudo bem mais fácil.
Você se preocupa em ser explorada pelo cineasta numa cena assim?
Eu confio no Darren. Fazer algo assim com Darren foi tão seguro e confortável quanto algo assim pode ser. Pessoalmente, eu nunca tive medo de ser explorada.
Você já fez algum papel onde queria ser perfeita?
Eu sinto que em todo papel existe uma parte de você que obviamente sente que você é capaz daquilo. Eu não sei se perfeita é a palavra certa porque eu não acredito em perfeição. Eu não acho que isso exista. Mas eu acho que se esforçar para fazer uma coisa direito cabe em qualquer papel. A parte física deste papel foi provavelmente uma das coisas mais difíceis que eu já fiz. Quando se trata de personagens, tanto de drama, comédia, terror ou romance, é tudo o mesmo. Você quer ser honesto com o personagem e interpretá-lo verdadeiramente, e você quer ser genuíno com o personagem. A parte física desse papel foi o mais próximo que eu cheguei de um surto mental.
Você já viu a busca pela perfeição tomar conta de algum de seus colegas, quer seja artisticamente ou fisicamente?
Sim, ambos. Infelizmente, em uma indústria e em qualquer ambiente relacionado ao trabalho, mulheres sempre se esforçam para atingir um certo nível de perfeição, quer isso seja ser magra ou bonita. É uma constante em nossa sociedade. É provavelmente um pouco mais elevado na indústria em que me encontro por tudo ser uma questão de opinião. Eu posso achar alguém bonito, mas a pessoa ao meu lado pode achar que não, então as pessoas se esforçam para atingir uma certa forma de perfeição constantemente, mas eu acho impossível, pelo fato de ser uma opinião. Então, sim, eu já tive diversos amigos que foram afetados por isso.
Quão aliviada você ficou quando esse filme acabou e pôde comer o que quisesse?
Ah, meu Deus, você não tem ideia! Eu levei cinco meses para perder 10 quilos e apenas algumas horas para recuperá-los. Foi mágico. No final das filmagens, assim que eu fiz minha última cena de dança, corri pra casa aquela noite e comi uma tigela imensa de macarrão. Eu estava tão animada. Voltar à minha péssima alimentação depois de ter hábitos alimentares ótimos deixou meu estômago meio incomodado, mas depois que as filmagens terminaram de verdade a primeira coisa que eu fiz foi comer comida chinesa no aeroporto em Nova York. Aí, quando eu cheguei em Los Angeles, entrei no meu carro e passei em um Drive Through, pedi hamburger duplo com cerveja e foi fantástico. Foi isso que eu fiz. Foi muito bom.
Qual foi sua primeira reação quando viu o filme pela primeira vez?
Eu já vi o filme umas vezes. Na primeira, a montagem ainda estava muito crua e eu pensava, "Ah, esse foi o filme que fizemos". Depois, quando vi o produto final, eu fiquei encantada. Eu estava lá e me lembro de grande parte, mas eu não tinha a menor ideia de como Darren estava filmando. A câmera é uma parte muito importante do filme. Você realmente esquece que tem uma câmera ali porque é um personagem completamente diferente, então eu fiquei encantada e eu estava lá. Eu falei, "Isso ficou sensacional!"
Você se considera mais um cisne negro ou um cisne branco?
Eu acho que sou um pouco dos dois. Eu acho que todos temos um pouco de cisne negro em nós, é apenas uma questão de deixar que ele apareça ou não. Mas eu diria que eu tenho um saudável balanço entre os dois, eu espero. Eu não sou tão aventureira quanto o cisne negro, mas às vezes gostaria.
 Fonte: Omelete

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Eu e a Gangrena Gasosa

Não, eles não são uma lenda urbana. Eles existem. E não, não acabou. A Gangrena Gasosa, primeira e única banda de Saravá Metal do universo, está viva e ativa, e acaba de lançar seu terceiro disco. Abaixo, uma geral na carreira deste originalíssimo "combo" de rock "pauleira" suburbano através de algumas entrevistas feitas em épocas diferentes, a começar pela mais recente, deste ano de 2011:

programa de rock - Finalmente foi lançado o terceiro disco “cheio” e “oficial” da Gangrena Gasosa. Conte-nos como foi todo o processo de concepção e gravação do mesmo – o repertório já estava pronto ou vocês compuseram músicas novas que nunca haviam sido antes gravadas, além das que já constavam do EP 666 ?

gangrena gasosa - “Se Deus é 10 SATANÁS é 666” é o primeiro disco que nos deixou realmente satisfeitos com o resultado. Pra mim esse disco foi premiado pelo nível dos profissionais que colaboraram. Tuta e Diogo Macedo do EME Studios, do Rio. Dupla foda de Barra Mansa que tinha gravado muita banda underground com resultados sensacionais e coisas diferentes como o grupo Strike e a Banda Revelação. Participaram das nossas percussões Elijan Rodrigues e Anjo Caldas, percussionista da Elba Ramalho e da Catapulta. A mixagem e masterização ficaram a cargo de Rodrigão Duarte. No final das contas ainda recebemos uma ajuda inacreditável do Frejat. Mixamos e masterizamos no estúdio dele, o DuBrou’. O disco começou a ser produzido em 2004 quando eu, o Vladimir e depois o Chorão fomos apresentados pelo Rodrigão Duarte ao Anjo. Ele é um cara que agregou muito aos conceitos rítmicos e percussivos da banda. Seu entusiasmo em relação ao projeto nos fez acreditar novamente que o conceito funcionava, aí decidimos retomar as atividades. De cara nasceram músicas como “Chuta que é Macumba” e “Quem gosta de Iron Meiden também gosta de KLB”. Também já tínhamos uns esboços como a música-título, que tinha sido feita sob influência da turnê, com uma pegada muito rítmica e pesada. Depois de lançarmos o EP 6|6|6 no dia 6/6/06 com vendas somente pela internet, começamos a trabalhar músicas como “A SuperVia deseja a todos uma boa viagem” e “Black Velho”. Algumas ficaram pelo caminho como “Engodo We Trust”, “Você analisa muito (no sentido ANAL da palavra)” e “Trabalho pra 20 comer”. Entraram também músicas que não tinham registro oficial como “Artimanhas do Catiço” e “Cambonos from Hell”, que mudaram muito com a pegada atual. Esse disco ao mesmo tempo em que fecha um ciclo inicia outro que retoma as origens da Gangrena com uma pegada que nessa formação conseguimos alcançar. Tem muita raiva e muita vontade nele. É tipo uma madeirada na palhaça.

pdrock - E pra lançar o disco, muita dificuldade? Como foi o processo de escolha da gravadora, e qual foi o selo, afinal, escolhido ?

Gg - Tenho até que fazer uma força pra não ficar chorando pitangas, mas foi foda sim.
Não tem gravadora, foi produção independente. Tivemos muita dificuldade com prazos nesse disco por termos contado com a ajuda de vários amigos que nos ajudaram no tempo que foi possível e não no que seria ideal. Isso causou certa demora no lançamento da bagaça. Íamos até lançar por uma gravadora, mas acabou não dando certo e tratamos de tudo por nós mesmos. A distribuição é da TAMBORETE ENTERTAINMENT no Brasil, e KARASU KILLER no Japão.

pdrock - Ficaram satisfeitos com o resultado final do disco? Como pretendem divulgá-lo e distribuí-lo – isso fica por conta da gravadora ou a banda pretende “colocar a mão na massa”?

Gg - E como! Mesmo sabendo que podia demorar mais, fazermos o disco com os melhores recursos que tivemos acesso foi importante pro resultado final. É uma proposta musical muito filha da puta pra qualquer técnico acertar a percussão com a porrada comendo entre 2 guitarras, 2 vocalistas mais bateria e baixo. Imagine pra gravar? Percussão pra nós não pode ser figura decorativa. Pela primeira vez na história desse país, a Gangrena conseguiu gravar um disco exatamente do jeito que queria. Tudo aparecendo como queríamos. Quem ouvir o disco pode saber que é isso que os espera ao vivo. A distribuição fica a nosso cargo e dos selos. É parceria, na verdade.

pdrock - Ainda vale a pena, financeiramente falando, lançar um disco “físico”? Caso a resposta seja não, porque lançar, então? O resultado artístico, o prazer em ver as idéias literalmente postas no papel, como nos velhos tempos, compensa eventuais prejuízos?

Gg - Financeiramente falando não, tudo mudou nesse lance de música. Mas vale muito pelo lado de dar um material de qualidade pro fã ouvir, ver, tocar. Pode ser muito mais prático você baixar uma música, mas nada substitui a sensação de ter um material físico da banda que você curte. Vale muito mais a pena pelo lado artístico mesmo.

pdrock - Chorão 3, membro-fundador, deixou a banda mais uma vez. É definitivo? Foi tudo numa boa ou foi um processo “traumático”?

Gg - É definitivo sim. Tudo numa boa, sem estresse. Ele continua como colaborador, assim como muitos outros que passaram pela banda. É nosso amigo e eu falo com ele sempre. O peso das dificuldades de se tocar uma banda independente infelizmente não era mais compatível com seus compromissos pessoais.

pdrock - Existe ainda algum membro da formação original da banda ou vocês são nosso “Napalm Death tupiniquim”? (nenhuma conotação depreciativa na pergunta, já que gosto de todas as fases do Napalm Death)

Gg - O Vladimir (Exu Caveira) é da formação que gravou o Welcome to Terreiro, mas não gravou a 1ª demo, por exemplo. O Napalm deve ser diferente nesse aspecto porque mesmo quem não está mais tocando conosco é colaborador. O próprio Vladimir retornou depois de sair num período pós EP. Somos mais um coletivo de esporro do subúrbio do Rio que uma banda comum de Metal ou Hardcore. Temos ex-integrantes que por vezes ‘tocam’ como roadies, técnicos de som, letristas, compositores, desenhistas etc. Pra nós, o Anjo Caldas é da Gangrena, assim como o Rodrigão Duarte, o Elijan, o Wagner (baixista da turnê europeia), o Magrão (que ajuda na concepção gráfica, tocou bateria várias vezes na banda e é um puta letrista), o Adelson (ex-The Endoparasites) que tocou bateria com a gente depois do EP, o Léo Dias (artista plástico sensacional que fez a HQ do disco, que acabou não entrando nele por motivos técnicos) e mais uma porrada de gente. Todos eles são integrantes da Gangrena Gasosa.

pdrock - Qual é a formação atual da banda? – quem são os membros, quais os mais antigos, quem chegou depois, de onde vieram...

Gg - O Exu Caveira (Vladimir) é da formação do Welcome to Terreiro e sempre foi guitarrista da banda. Eu (Zé Pelintra) sou da formação da demo “Cambonos From Hell”, toquei numa banda de Splatter chamada Erosive Exhumation, entrei pra Gangrena tocando baixo, toquei na Dorsal Atlântica e depois voltei pra casa como vocalista. O Exu Mirim (Renzo) entrou logo após o EP e foi baterista do DFC e do Zumbi do Mato. O Exu Tranca Rua (Moreno) compôs boa parte do baixo do Smells, tocou no Allegro e voltou pra banda junto com o Exu Mirim. O Exu Capa Preta (Minoru) entrou pouco depois e tinha tocado no Violator e no Allegro. Omulú (Cristiano) entrou no lugar do Chorão³ logo depois da gravação do disco e pegou tudo muito rápido, entrando num rabo-de-foguete danado, pois tínhamos alguns compromissos pendentes e ele assumiu de boa. Ele tocou na banda The true Blend e na banda Spell. A Pomba-Gira (Gê) entrou depois da gravação também e tocava no projeto Musikfabrik. O Mutley estava tocando de freelance com a gente até arrumarmos um integrante definitivo, coisa muito difícil de achar. Percussionista normalmente toca em esquemas diferentes do esquema rock independente. Posso ter me enganado no nome de uma ou duas bandas, mas acho que é isso. Essa é a formação atual. Gente pra caralho, né? E nem é o ideal. A percussão merecia mais uns 2 ou 4 braços.

pdrock - Os membros mais novos estão se adaptando bem ao ritmo da banda? Tem dado certo?

Gg - Tudo em paz no reino de Satanás.

pdrock - Como está o ritmo de atividade de vocês? Fale-nos dos últimos e mais marcantes shows e acontecimentos em geral na vida da banda.

Gg - O ritmo está bom, mas vai melhorar. Tocamos regularmente no Rio, mas esperamos que com o lançamento possamos tocar mais pelo Brasil. Recentemente tocamos no Porão do Rock e foi muito bom, evento bem organizado que respeita o músico e dá condições técnicas de se fazer um bom show, coisa rara no underground. Quando se trata de 7 músicos, mais ainda. O Goiânia Noise Fest foi há mais tempo, mas foi muito importante também, pelos mesmos motivos. Mas o que recentemente me deixou bolado mesmo foi quando tocamos em Curitiba e quase sofremos um acidente na Van, o motorista chegou a sair da estrada. Depois que percebi que o traçado da van estava meio estranho, passei a ficar de olho na estrada. Dito e feito! Quando ele cochilou e começou a sair da estrada eu dei um grito de desespero tão alto nos tímpanos dele que ele deve estar dormindo mal até hoje. Geral trancadinho o resto da viagem toda, com os olhos arregalados, prontos pra gritar no ouvido do motorista, foi tenso.

pdrock - Planos para o futuro ?

Gg - Tocarmos esse disco o máximo possível no maior numero de locais que pudermos. Estamos iniciando um projeto de vídeo ao vivo com o Fernando Rick, que fez o ‘Guidable’ do Ratos de Porão e só posso adiantar que eu não ouvi falar de nada parecido até hoje. E começamos a alimentar o projeto de fazer outra turnê europeia e uma sul-americana, mas isso é mais pra frente. Nesse ano pretendemos arriar o despacho desse disco em todos os lugares possíveis. Se não for ao vivo, que pelo menos seja destilando o puro suco da maldade no fone de ouvido ou nas caixas de som desse povo metaleiro sofrido que tem aturado umas coisas que vou te contar.

pdrock - Espaço aberto para considerações finais.

Gg - Saravá, mizinfio... fica de olho nas novidades da Gangrena, vem muita coisa por aí e o ritmo vai ficar frenético.

Visite o Terreiro Virtual da Gangrena Gasosa.
Contato: despachos@gangrenagasosa.com.br
(21)9184-2972 c/ Lana Ramôa
Foto: Divulgação
Arte: Leo Dias

Adelvan k. perguntou
Angelo respondeu

----------------------------

Uma vez, há muito tempo atrás, numa galáxia não muito distante (Itabaiana), eu abri uma revista Casseta Popular (ainda não eram globais) e me deparei com uma entrevista bizarra com uma banda pra lá de tosca chamada Gangrena Gasosa. Eram do Rio de janeiro e, na tal entrevista, faziam uma apologia explícita a um tal de movimento “Homo Core”. Assumiam-se todos como viados e macumbeiros convictos e só vomitavam absurdos e loucuras, era impossível saber se falavam sério ou estavam apenas zoando, ainda mais porque a entrevista era para uma revista de Humor e eu era leitor assíduo do Rock Brigade, ou seja, ainda levava o rock a sério, vejam só. Encarei na brincadeira mas fiquei com uma pulga atrás da orelha. Depois virei zineiro e a tal banda ficou mais ou menos famosa, começaram a chamar a atenção com seu metal tosco misturado com pontos de macumba ao ponto de serem chamados para uma entrevista no programa do Jô Soares !!!! Conheci o som dos caras através de uma fita que Panço do Jason (na época Soutien Xiita) me mandou gravada no lado B da demo da banda dele. Era soutien, poindexter e Gangrena Gasosa, o creme de la creme do rock underground carioca da época. Muito ruim, mas curti a idéia. Cheguei inclusive a entrevista-los para o Escarro Napalm, meu zine (abaixo, a entrevista na íntegra) e a manter um contato meio precário por cartas com o Ronaldo Chorão, o vocalista - depois de alguns meses esperando a confirmação do recebimento de um pacote que eu mandei com uma fita da minha banda – ETC - , uma carta e um zine, ele me escreveu pedindo desculpa porque sua mãe (ou teria sido o pai?) teria queimado todas as coisas dele na fogueira santa de Israel da Igreja Universal do Reino de Deus. Depois disso, passamos um bom tempo sem contato. Mas o mundo (especialmente o mundo rock) é pequeno e acabamos nos encontrando pessoalmente por um acaso em Recife. Eu tinha ido visitar um amigo, passear e aproveitar para ver um show do Jason. Ele também estava por lá, de férias, foi no show e deu uma canja num cover da Gangrena. Ao final da noite, sou surpreendido por um convite do mesmo para que eu o acompanhasse à casa de um tio em Boa Viagem que tava desocupada e ele iria dormir por lá. Confesso que nessa hora a pulga despertou lá do fundo da minha orelha e eu me lembrei da pré-Histórica entrevista na revista dos Cassetas. Aceitei o convite porque o cara era muito gente boa e divertido e desconfiei que iria gostar de conhece-lo melhor, mas um leve temor martelava insistente em minha cabeça: Será que esse negão vai querer me estuprar? Analisei a estampa do indivíduo e cheguei à conclusão de que seria possível resistir a uma abordagem mais agressiva, então fui com ele na casa do tal tio. Quando entramos ele já me leva direto pro quarto do cara e caralho, o quarto parecia um motel, tinha espelho no teto e cama redonda. Antes que meu coração gelasse ele ressalta que tinha me levado lá apenas pra me mostrar uns vídeos do Aeon Flux que ele tinha gravado porque só tinha vídeo-cassete no quarto. Quanto à decoração excêntrica, que eu não ligasse que era viagem do tio dele, um solteirão convicto metido a conquistador. Ufa, temores aliviados, passamos uma noite divertida conversando sobre historinhas do underground e esse foi o inicio de uma grande amizade, que já rendeu uma visita mutua dele à minha casa e minha à casa dele no distante bairro de Campo Grande.

por Adelvan Kenobi

--------------------

Entrevista para o Fanzine Escarro Napalm, publicada na Edição Especial DELIRIUM, de 1995:


ESCARRO NAPALM PARA GANGRENA GASOSA, CAMBIO...

1. FALE-NOS UM POUCO SOBRE O INICIO DA BANDA – SERIA O GANGRENA UM BANDO DE PUNKS TIRANDO ONDA COM O METAL OU VOCÊS REALMENTE GOSTAM DESDE ESTILO?
GANGRENA GASOSA: Quando começamos eu ainda era punk, e realmente tinha muito esse lance de tirar onda com metaleiro, porque naquela época tinha a moda do thrash, ta ligado? Era um puta estereótipo de se vestir com camisa preta, tênis Reebock importado e calça de moletom. Aí a gente era feio pra caralho, duro, e tocava mal a beça, tudo o que a gente queria era ser anti tudo. Com o tempo a gente aprendeu a tocar e fomos colocando mais macumba no som e nas letras. Ainda assim eu acho que o pessoal mais mauricinho não curte muito a gente pessoalmente, por a gente ser meio grosso na parada.

2. APROVEITANDO A PERGUNTA ANTERIOR, O QUE VOCÊS OUVEM E O QUE INFLUENCIA O SOM DE VOCÊS?
GxGx: A Gangrena é uma banda que tinha tudo para dar errado, porque tudo mundo curtia uns lances bem desiguais tipo rockabilly, death, industrial, eletrônico... Cada um, um troço. Mas aí veio essa onda ridícula de voltar ao tempo dos dinossauros, da musica perder peso e velocidade. Então agora todos estamos ouvindo violência direto, para o som ficar o contrario dessa viadagem toda de musica com influência de coisas setentistas. O TOP 10 entre a gente atualmente é BRUTAL TRUTH, FEAR FACTORY, BRUJERIA, MYSTIFIER, SEPULTURA, RATOS DE PORÃO, NAILBOMB, SOD, HELMET e SLAYER (“Reing in Blood”). Só bandas sem educação mesmo, espero que isso se reflita no nosso som.

3. VI EM ALGUMAS REVISTAS QUE VOCÊS AS VEZES LEVAM FRANGOS PEGOS EM DESPACHOS PARA OS SHOW, E A GALERA SABOREIA LEGAL... É VERDADE? E QUE ONDA É ESSA DE VOCÊS FICAREM MASTURBANDO UNS AOS OUTROS EM PÚBLICO? VOCÊS SÃO GAYS? (NADA CONTRA, CLARO, SÓ PRA ESCLARECER!)
GxGx: A gente toca vestido de entidade, cada um tem a sua: Marcos (guitarra) é a Pomba Gira, o Paulão(voz) é o Exu Caveira, o Vladimir (guitarra) é o Cabloco Sete Frexa, o Cid (bateria) é o Exu Tranca Rua, o Jorge Doente (baixo) é o Zé Pilintra e eu (vocal) sou o Omulu na parada. No palco arriamos um despacho com velas, fubá, farofa, cebolas, cachaça, pipoca, e uma galinha assada que a gente compra limpinha num restaurante pro pessoal comer na hora de “Despacho from Hell”. É todo mundo gay na banda, mas nós somos HOMO CORE, não esses gays afeminados e desmunhequentos. Como vocês foram saber da viadagem aí em Aracaju ???!!

4. VOCES FREQÜENTAM TERREIROS DE MACUMBA? ACREDITAM EM SINCRETISMO RELIGIOSO, OU É SÓ NA SACANAGEM MESMO?
GxGx: Eu quero que o sincretismo e o religioso se fodam!! Terreiro de macumba de cú é rôla!! Eu falo por mim, mas acho que na banda ninguém acredita em macumba mesmo. É claro que sempre tem um ou outro dizendo pra gente tomar cuidado, pra não mexer com estas coisas, mas a gente caga pra isso. Não acreditamos nem em macumba nem em historias da carochinha. Quem ainda tinha um pouco de receio ou respeito pela religião cantou pneu da banda faz tempo, né, meu?

5. VOCÊS NUNCA RECEBERAM AMEAÇAS DE MORTE DE NENHUM METALEIRO “FROM HELL” NÃO?OS BANGERS DAQUI ODEIAM VOCÊS, SEGUNDO ELES, “É POR ISSO QUE METAL NÃO É LEVADO A SERIO”.
GxGx: Pra começar esse papo de ser “from hell” é falta de buceta. Pergunte a algum desses babacas adoradores do capeta há quanto tempo eles não comem ninguém pra você ver. O pau desses ótarios tá cheio de lodo, cara!! Já a galera Death eu não esperava que eles nos odiassem, porque quando a gente começou aqui no Rio foi justamente contra esses modismos de ser bonitinho, de se vestir todo metalzinho, sacou? E daí a gente também é feio pra caralho e gosta de som porrada. Pô, a letra de “Thraxangô” fala disso, ta ligado? Ser levado a serio? O que é ser levado a serio? Vestir uma fantasia preta pra dar porrada nos outros? Que venha me falar de seriedade o movimento punk, ou qualquer outro com objetivos político-sociais, agora este papo de radicalismo comigo não tem vez. Fico decepcionado dos “death’s” não gostarem da gente, de qualquer forma respeito a opinião deles, ok? Espero que quem não curta o Gangrena também não vá aos shows só pra detonar...

6. COMO ANDA A REPERCUSSÃO DE “WELCOME TO TERREIRO”, COMO FOI GRAVADO, ENFIM, COMO FOI O PROCESSO DE CRIAÇÃO DO DISCO?
GxGx: As músicas do “Welcome...” estavam sendo lapidadas há uns dois anos antes da gente grava - las. Quer dizer, quase todas, porque “welcome to terreiro”, “Thraxângo” e “Fist Fuck Agrédi” nós fizemos mais perto da gravação, quando Vladimir entrou para o Gangrena, falô? O desenho da capa é do Cid , eu só diagramei e coloquei os pontos de macumba em volta, a intenção era que a capa parecesse com a de um disco de macumba, não de metal, ta ligado? A contracapa é uma merda, mudaram a minha concepção original e ficou uma bosta! Inclusive o cd da gente é o único no mundo com lados A e B. O imbecil que reeditou os meus originais fez uma puta cagada em tudo! Já o encarte foi tipo um numero especial do “Amputação”, um fanzine meu e uma homenagem ao encarte MAU da falecida ANIMAL, lembram?

7. PLANOS PARA TOCAR NO NORTE/NORDESTE? VOCÊS JÁ SE APRESENTARAM EM ALGUM TERREIRO DE VERDADE? SERIA INTERESSANTE!! SABIA QUE UM DOS SONHOS DO ExTxCx É TOCAR COM O GANGRENA GASOSA?
GxGx: Planos para tocar no nordeste até a gente tem. Estamos tentando alguma coisa com o pessoal do KARNE KRUA, AVOID e REALIDADE ENCOBERTA há meses para fazer três shows, um em Recife, outro em Aracaju e o ultimo em Maceió. Acho que o sonho de toda banda daqui é tocar no nordeste, porque o pessoal do Dorsal Atlântica sempre elogiou o publico, dizem que são bem recebidos e que o pessoal agita pra caralho ... a gente fica só imaginando! Com uma inveja danada!

8. E AQUELE TAL PROJETO “MACUMBA” COM MIKE PATTON E MAX, É VERDADE OU SÓ BOATOS?
GxGx: Acho que é só boato, mesmo que chegue a se realizar, agora fica difícil, o Sepultura ta viajando na tour de “Chaos A.D.”, depois acho que o Max vai dar mais atenção ao NAILBOMB, que já gravou e tudo mais. Pra ser sincero o que eu esperava fazer no MACUMBA era um troço tipo BRUJERIA, mais grindcore e umas partes macumbadas. Adoro as letras do BRUJERIA!

9. SE QUISEREM MANDAR ALGUÉM TOMAR NO CÚ, O ESPAÇO ESTÁ ABERTO!!
GxGx: A maldição de Omulú é meu pau no teu cú!!! (N.R.: Ops! Logo no meu? Ôô cara!!!) Axé a todos os leitores do Escarro Napalm!!

(Agradecimentos a Andreia pela digitação)

LÁ: Ronaldo Chorão
AQUI: Adelvan


------------------------------------------

Entrevista publicada por volta de 2005 no webzine Orangenoise

Chorão 3 – Gangrena Gasosa

1. Quando e como os integrantes da banda se conheceram e como surgiu a idéia da inusitada mistura de metal com candomblé?
Quando começamos em 1990, a cena era Trash Metal Bay Área (alguém lembra disso?): Testament, Anthrax, Over Kill, Suicidal Tendencies, Metallica, DRI, sem falr no sucesso do Sepultura, acho q era a época do Beneath ou do Schizophrenia, não lembro... enfim, cabeludos brancos e bonitos fazendo aquelas poses de ROCK BRIGADE: todo mundo em pé um do lado do outro de braços cruzados, usando tênis branco da Reebook e calça de moleton ou jeans rasgado, hahahahahah! Eu gostava desse som mas a gente não tinha nada a ver com esse visual. Metaleiro preto era um troço fora do contexto pra caralho! E é muito ruim bater cabeça sendo careca, hahahahahaha, na época eu nem era tão careca! Conheci o Cid através do Felipe, no primeiro ARENA DO HEAVY. Porra, o Cid era ROCKABILLY, odiava metal pra caralho, odiava mesmo! Começamos a andar juntos, o Cid me apresentou meu primeiro baseado e ficou sendo meu melhor amigo (é até hoje!). Daí houve o clássico show de lançamento do Brasil (Ratos de Porão) no Circo Voador...eu e o Cid nos olhamos e fizemos uma promessa: um dia a gente vai ter uma banda e abrir pro Ratos de Porão no Circo Voador!!! Daí foi juntar a fome com a vontade de comer por q ele tinha visto o nome GANGRENA GASOSA (uma doença sinistra, tem site sobre isso!) no Comando da Madrugada do Goulart de Andrade e disse assim, Chorão, isso é um ótimo nome pra banda...tu bota tuas letras de saravá metal (era o conceito da parada: metal pra criolo e gente feia q nem a gente) e eu boto o nome da banda e toco vestido de Exu Tranca Rua na bateria! Era uma proposta irrecusável... Um ano depois realizamos nosso sonho de tocar com o Ratos no Circo! Maluco, aquele dia (porra, me arrepio até hoje!) tinha muuuuuuuuita gente batendo no palco do circo gritando GANGRENA GANGRENA GANGRENA!!! Maluco, q show! Quando olhei pro lado e vi o Gordo no palco com fiá de Omulu na cabelça assistindo o show pensei assim: caralho! Nossa banda é foda!

2. A classificação "Saravá Metal", foi algum rótulo criado por jornalistas, ou a própria banda se definiu assim?
A própria banda, a gente tocava muito mal e nunca ia chamar a atenção de ninguém, fazendo essas paradas de macumba a gente chamaria a atenção pelo lado ridículo e ninguém ia se ligar q a gente era uma banda merda pra caralho! Fala sério, escute a primeira demo sem os pontos de macumba e sem as letras...A Gangrena Gasosa é a prova cabal de qualquer imbecil pode fazer Heavy Metal!

3. No início dos anos 90, o Gangrena Gasosa foi a banda underground que mais chamou atenção da grande imprensa musical, fato inusitado até então, como foi isso?
A verdade é a gente também deu muita sorte. Sorte de conhecer muita gente legal pra caralho que sabia do q se tratava a proposta da banda e gostava da gente por isso, e torcia sinceramente pelo sucesso da escrotice q a gente representava: Rolinha do Circo Voador, o Miranda, hoje na Trama, na época na Bizz, o Marcel Plasse da coletânea No Major Babes, o RH Jackson, o Pedro Só, o Tom leão, porra, tinha também o Fernando Souza Filho da Rock Brigade, esse era foda! Sempre atendia minhas ligações pessoalmente! Qdo a Gangrena lançava Demo ou CD ele sempre falava, Chorão, manda q eu publico! Porra, na época q ele colocou a letra de HEADBANGER VOICE na Brigade, ficamos com uma puta moral. Porra, é claro, também não podia esquecer NUNCA o padrinho e torturador da banda: Fábio do Garage! Esse foi foda pra gente! Sempre foi nosso pedreiro de som!

4. Como foi a produção do primeiro álbum, que contou com o Dado Villa Lobos da Legião Urbana, em que ponto entrou interesse do Lulu Santos em produzir vocês?
O Lulu Santos precisava de ibope pra vender disco e queria colar com a gente, abrir uns shows pra Gangrena, tal... mas eu pensei assim, pô q palha tocar com o Lulu Santos meu! Melhor não...na época ele tirou um cover de Pegue Santo or Die! Mas a gente não autorizou ele gravar nem tocar ao vivo pra não queimar nosso filme. O Dado ficou de mal comigo quando pedi pra entrar no Legião Umbanda pra cantar no lugar no Renato (que tinha morrido um dia antes). Eu liguei pra ele e uma voz atendeu: -Quem gostaria? É o Chorão!, falei... daí ele atendeu pensando q era o Chorão do Charlie Brown Junior q tinha ligado pra dar os pêsames. Então eu fiz minha proposta e comecei a cantar Que país é esse? no orelhão...tu tu tu tu tu tu tu tuuuuuuu....

5. Com o assédio de pessoas conhecidas como Dado e Lulu Santos, chegou a rolar alguma proposta de grande gravadora?
Cara, muita especulação por q muita gente achava q a gente era a próxima banda underground a estourar no Brasil, tipo um Chico Science, mas a gente zoava muito o barraco, alopravamos pra caralho nas entrevistas, uma vez quase destruímos a Dr Smith na zona sul, zoamos o barraco no Super Demo da Elza Cohen (tadinha, ela pediu pra caralho pra gente não jogar farinha na galera dentro da boate, até parece q adiantou...) aí era foda, a gente era maluco, moleque novo, cheio de fama e velocidade, a gente só queria fumar maconha e comer o quanto pudesse de mulher q pintasse no camarim...Quando a gente tocou no Canecão e apareceu no Jô, tinha gente q me reconhecia no trabalho! Era foda tiramos muita onda mas foi muita maluquice q a gente não soube aproveitar pra profissionalizar a parada! A gente chingava o Iron Meidem, o Bleck Sábado, o Merd Zépelin, era foda! Neguinho falava –Manera Chorão! E o Cid, muito filho da puta falava –
Zoa mais Chorão, foda-se! Eu só escutava o Cid...

6. Em algum momento vocês pensaram em compor em inglês, como o Sepultura, ou nunca houve essa preocupação com mercado?
Há hahahahahahahah, como ia falar de macumba em Inglês? Exu Street Closer? Exu Skull? Bat Exu? Não dava, veja as letras traduzidas q saíam no Amputação. O Márcio Sno ainda tem algumas cópias do Amputação.

7. Existe uma lenda que diz que o primeiro álbum de vocês influenciou o Sepultura na composição do disco "Roots Bloody Roots", você já ouviu algo sobre o assunto, até que ponto você acredita que isso é verdade ou mito?
Rola essa história por causa do clip de ROOTS, eu acho q tem haver um pouco, mas imagine se a gente ia ser dono de toda macumbaria no Brasil, se eu falar isso agora ia parecer recalque, sabe qual é? Tipo chutar cachorro morto, o Sepultura se deu bem, a gente não... mas foda-se, é uma puta banda o Sepultura mesmo, acho q ficou outra banda depois q o Max saiu, acho o Soul Fly uma merda, mas imagine, se a gente achar q o Sepultura se influenciou na gente, imagine os caras do Korn quando ouviram o Roots! Imagine o Slayer quando ouviu o Beneath, por aí vai... O Sepultura era uma puta banda, pra mim sempre vai ser, se foram influenciados pela gente E ELES falarem isso, porra, ficaria orgulhoso pra caralho! Uma banda q eu acho foda, e disse q ouvia o som da gente era o Catapulta, e eles fizeram um puta disco, com uma puta percussão, falar q nós influenciamos eles de alguma forma é uma generosidade muito grande por parte deles! O primeiro disco do Catapulta pra mim é uma cartilha de crossover de guitarras com percussão! O jeito q o Moisés canta, irmão, eu tiro o chapéu pra ele, ninguém divide uma letra como o Moisés do Catapulta. Eu admiro muito esse cara cantando!

8. Qual foi sua reação quando ouviu pela primeira vez "Roots Bloody Roots", notou alguma coisa em comum com o som de vocês?
Pensei assim, caralho, o Max ficou maluco! Q voz é essa? E o Igor estava ignorante pra caralho nesse disco, descendo a marreta sem piedade, o Andréas também fazia um esporro do caralho com a guitarra.O clip de ATITUDE pra mim, aliás essa música pra mim vale o disco todo! Acho o encarte muito apelativo, mas a capa é foda! RATA AMARRADA pra mim é o TROOPS OF OLODUM do inferno! Gosto muito desse clip também! Porra, bem diferente do Max falando Boi tatá, zumbi, pororoca, caiapó...caiapó...caiapó...no Soul Fly, cantando Umbabarauma, q baixaria meu! O Max perdeu a linha...apelou pra caralho! Mas o ROOTS é foda! Pra mim o ROOTS e o BENEATH THE REMAINS são os melhores discos do Sepultura, escuto os dois até hoje, mas o Roots só chego até a 5ª ou 6ª música... as outras depois não têm diferença pra mim, bem diferente do Beneath nesse sentido. O Beneath é cocaína, o ROOTS é crack com LSD.

9. Chegou a ser lançado material do Gangrena Gasosa no exterior?
Não, o Jello recebeu material do Smells mas nunca tivemos resposta, tentamos a Century Media, tentamos a Road Runner, mas não rolou nada. A proposta mais séria era lançar o SMELLS em casteliano na alemanha em vinil, mas não rolou também.

10. Quando e como foi a turnê da banda pela Europa?
Foi em maio de 2001, EXPLICIT GROSNESS TOUR (algo como toscaria explícita).Juntamos dinheiro e fomos no peito e na raça! Foi foda! Maconha, cerveja e hardcore durante um mês inteiro, vivendo, viajando e comendo por causa da nossa música, um troço impossível e inviável no Brasil! Na Alemanha, o pagode é grind core! É um orgulho agradar um povo q só ouve esporro O DIA INTEIRO! Lá, num squat de 3 andares, acordamos um punk q veio ver o show e disse isso: -Eles são loucos como o Prodigy, agressivos como o Slayer e pesados como o Venom! Cara, eu senti q era Deus nesse dia! Foi a 2ª vez q pensei, Porra, essa banda é foda! Quero ser o Chorão 3 pra sempre nesse mundo!

11. No livro "Jason 2001 uma odisséia na europa", de Leonardo Panço, tem uma parte que um gringo comenta o show que assistiu de vocês, e diz que parece uma mistura de Ratos de Porão com Sepultura, provavelmente a parte do Sepultura refere-se a fase "Roots Bloody Roots". Vocês tiveram alguma oportunidade de explicar o som de vocês durante a tour pela europa?
Hahahahaha, nego via o encarte e achava q a gente era machista por causa história em quadrinhos do AllanSieber, hahahahah, tivemos q arrancar o encarte do Smells em alguns squats mais sérios! Daí, sempre q vinha alguém perguntar qual era a temática da banda, como o Fábio Lessa e o ângelo falavam inglês muito bem, eu falava pra eles traduzirem as letras do Sociedade Armada, DFC, Racionais, essas paradas q falam mais sério e neguinho comprava o disco amarradão pensando q era música de protesto com enganjamento político social! Hahahahahahaha!!!

12. Outro lance engraçado e o lance do seu nome; "Chorão", antes você era o único, agora você já é o 3, quem são os outros dois?
O Chorão máster, o n° 1, meu ídolo depois do João Gordo, é o Chorão do Charlie Brown Jr. O 2° Chorão na nossa escala evolutiva é o urso da Corrida Maluca, e o 3° e mais fodido da espécie, soy yo! Um dia chego lá, e também direi, “Hoje eu vou de limusine mas eu já andei de trem...” Um dia eu chego lá!

13. Essas ironias chegam a deixar vocês perplexos, ou apenas servem como motivo de diversão?
Essas ironias são o rebote do destino, sabe aqui se faz aqui se paga, a gente já fodeu a paciência de muita gente! Imagine q até a TAMBORETE renegou a Gangrena no começo! A gente era muito filho da puta mesmo! Coitado do Panço! Olha, o Panço rapaz é um cara gente fina honesto e batalhador da porra! Não merecia a Gangrena na vida dele... O Panço é a Tamborete e a Tamborete é o Panço. Graças a deus vendeu legal o Smells pra compensar o tanto q a gente infernizava a cabeça do Panço! Eu gosto dele pra caralho, mas não sei se ele gosta de mim...Eu te amo Panço! Obrigado por lançar o Smells!

14. Voltando ao início dos anos 90, como era a reação do público diante de uma banda tocando e atirando "despachos" em todo mundo?
As minas choravam por q eu mirava nos cabelos mais bonitinho e enfarofava elas pra caralho! Mano, era inveja por q eu era careca e as minas tinham tanto cabelo e eu sem nenhum cabelão e perdendo os poucos q eu tinha (até hoje!). Daí eu fazia um creme de massagem especial pra elas: ovo cru, couro de ghalinha, farofa e cachaça, imagina! Q prazer insano aquilo me dava!

15. Houve alguma manifestação dos adeptos do candomblé contra vocês?
Uma vez a Universal disse q ia panfletar na frente do nosso show e saiu uma nota no jornal deles, A Folha Universal. Imagina q meu pai pensava q a minha banda era “rock revoltado” q nem Titãs, quando ele tava na Igreja e viu a matéria na Folha Universal “banda de saravá metal pega despacho nas esquinas e atira no público” grandão na primeira página, hahahahahahah, pegou todas as cartas do Terreiro FC q iam pra minha casa antes da caixa postal e queimou tudo na Fogueira Santa de Israel. O meu nome ficou na corrente de oração da Igreja Universal um tempão.

16. Chegou a sair matéria em revistas e jornais, dizendo que um "terreiro" próximo a uma casa de shows onde vocês de apresentavam, recebia espíritos ruins quando vocês se apresentavam. Alguém na banda chegou a se preocupar com isso?
Era um Terreiro na rua Ceará, a rua do Garage. O pai de Santo do Terreiro dizia pro Fábio q tinha uma banda q tocava lá e sempre deixava as sessões muito agitadas, só baixavam as paradas mais toscas nesses dias. Um dia depois q a gente tocou no Garage o Fábio foi lá perguntar como foi a sessão do dia anterior e constatou q a banda q agitava as kurimbas era a Gangrena! Saravá mizifio!

17. Agora em 2005, você anunciou sua saída da banda. Qual o motivo dessa decisão, e como fica o Gangrena Gasosa agora?
Eu depois de tanto tempo na Gangrena acabei adotando uma postura muito arrogante em relação aos vocais, achava q era só chegar no dia da gravação, cantar e pá, ia ficar bom de qualquer jeito. Não tinha percebido q o som da banda mudou, evoluiu e precisava mais do q eu imitando o João Gordo pra sempre. Foi um choque pra mim a gravação, os vocais não casavam, eu atravessei pra caralho, enfim, uma puta lambança. Em parte babaquice minha q me achava o tal, “a pica q matou Cazuza”, como diria o Adelvan de Aracajú. Mas em parte foi o momento foda q estou vivendo atualmente. Moro em Campo Grande, trabalho em Botafogo, acordo 4:00 Hs, chego em casa TODIA DIA às 22:oo Hs. Acho q só não sou corno por q minha mulher me ama...Eu só vejo meu filho a cada 15 dias, e por isso não vou ensaiar quando o moleque está comigo em casa... Não dá pra ensaiar a sério pra gravar um bom disco ensaiando um fim de semana sim outro não. A banda tem um objetivo sério q é fazer o disco, enquanto eu fico chorando meus problemas os caras estão encarando tudo isso pra fazer o trabalho. As músicas estão fodas, as letras idem (nem todas são minhas) e a banda agora precisa de dedicação integral no disco. E eu estou no momento tentando consertar minha ausência da família, dando um pouco mais atenção ao meu trabalho q paga minhas contas e ao meu filho q está com 8 anos e precisa de mim pra caralho. Eu amo a GANGRENA,de chorar sozinho quando escuto o SMELLS, quando vejo as fotos dos shows, da Tour na Alemanha...de chorar de saudade mesmo, as vezes isso acontece no ônibus ouvindo disc man...mas amo mais o meu filho e tive q escolher. Não deu, eu liguei e saí da banda por q estava transferindo responsabilidade de me tirar da banda pro Vladimir e pro Ângelo, q por amizade de anos e anos, mais a consideração, nunca fariam isso. Mas EU SEI que estava atrapalhando a GANGRENA, em tudo. Tive q sair, eles não iam me tirar, eu sabia disso, e não queria sair da banda, mas foi foda...Agora não sei, o disco vai sair, vou tentar fazer algumas vozes, mas a Gangrena agora, pra mim, é uma saudade boa e dolorosa pra caralho, vivi muita coisa boa com a banda. A falta de reconhecimento nunca me abalou muito, a não ser financeiramente por q tornou a banda inviável pra mim, mas eu gostava mesmo de agredir, de ser tosco, de me contradizer e causar confusão. Um dia, alguém me disse q o show da Gangrena transcendia o estilo musical (metal) por q era tipo uma grande festa, uma celebração em cima do palco onde o público também fazia parte do show, e eu tenho um orgulho fodido disso! De ter feito parte disso! De ter culpa no cartório com a Gangrena!E também tenho uma saudade do caralho! Sinto uma puta falta... choro até com o DVD do LInkin Park ao Vivo no Texas...

-------------


Clostridium perfringens é o nome da bactéria causadora da gangrena gasosa, uma infecção que produz gás entre os tecidos do corpo. Geralmente ocorre em áreas traumatizadas e feridas cirúrgicas, evolui rápido e é caso grave. Se não for tratada a tempo, o enfermo entra em estado de hipotensão, insuficiência renal, choque, coma e, por fim, óbito.

Ronaldo de Souza Lima é o nome do ‘Chorão 3’, um dos vocalistas da Gangrena Gasosa, banda que comemora 20 anos c/ o 4º disco: SE DEUS É 10, SATANÁS É 666, prestes a ser lançado pela gravadora Freemind. O grupo surgiu nos anos ’90 em meio a uma onda do rock nacional em que novas bandas eram associadas a um determinado ritmo ou movimento: Chico Science liderava o manguebeat, os Raimundos vinham c/ o forró-core, e o Planet Hemp cantava a maconha. A Gangrena falava de macumba, e sua música foi batizada como 'SARAVÁ METAL'. Lançaram seu 1º disco em 1994, Welcome to Terreiro, ainda na época do vinil, pelo selo Rock It!, do ex-Legião Dado Villa-Lobos. Participaram de 2 coletâneas emblemáticas, No Major Babes, do jornalista Marcel Plasse, e Traidô!! - Tributo ao Ratos de Porão, produzido pelo Phú, da banda de HC de Brasília DFC [Distrito Federal Caos].

Em 2000 saiu Smells Like a Tenda Spirita, pelo selo Tamborete do amigo Leonardo Panço, e em 06 de junho de 2006 foi a vez do EP independente 6/6/6. Nascida sob o signo de Satã [ou do Exú, como preferirem], a Gangrena Gasosa passou por várias fases e formações, c/ algumas baixas resultantes da energia pesada c/ que a banda trabalha – o vocalista Paulão, ex-Seletores de Freqüência e atualmente em carreira solo, deixou o grupo depois de sofrer um atentado nas mãos de devotos fundamentalistas do Candomblé: “Isso é p/ aprender a não brincar c/ coisa séria”, teria dito um deles após aplicar-lhe algumas facadas [REZA A LENDA, pois Chorão não gosta de comentar o episódio].

“Metaleiro, gótico que anda de preto em cemitério, nego dá conselho: ‘Larga disso meu filho, fica direitinho’... Mas ninguém vê um adolescente entrar no mundo da macumba achando que isso é uma fase que vai passar quando crescer. Macumba é coisa mais séria, e ninguém gosta de mexer c/ essas coisas, não. Neguinho se borra mesmo”, diz Chorão. Conheci o ‘Omulú’ em ‘96, durante um Hollywood Rock no Rio. O White Zombie tinha acabado de tocar e rolava a apresentação do Smashing Pumpkins, e Ronaldo bradava: “Porra, esse The Cure é chato pra caralho!” Haha!.. Chorão [o ‘3’ ele acrescentou depois, por haver outros 2 Chorões mais famosos que ele] é tosco, suburbano, sinistrão. Mas também é culto, inteligente, engraçado – e acima de tudo verborrágico.

Isso pode ser comprovado na entrevista reproduzida a seguir, postada pelo paulista Márcio SNO no portal Rock Press. As palavras saem como uma hemorragia. O negão abre o verbo sobre a trajetória da Gangrena, a fama de malditos, a responsa de ser pai e a paixão por Adelvan Kenobi. C/ vocês, as simpatias, mandingas & quizumbas de Chorão 3, puro suco da maldade. Chuta que é macumba!


Quem ouve o som deve achar que vocês se vestem de demônio, moram em cemitério e tomam água de vala. Quem são vocês afinal?

Eu não bebo água de vala, não, mas não sei se alguém da banda bebe. Veja um caso verídico que aconteceu c/ a gente. A Lana Romero, nossa manager, fez contato c/ a produção de um evento que rolou em Cabo Frio, chamado Rock Humanitário. Daí o cara que organiza falou assim pra ela: “Eles mexem c/ coisas muito sérias e não quero nada negativo no meu evento”. E adivinha quem toca... Quem? Quem? Quem? O KRISIUN!!! É mole? Tem troço mais DEATH que o Krisiun? É fácil não ter medo de Satã, Beelzebuth, Astarot, Demon, que são diabos gringos. Mas ninguém quer mexer com Exu, Tranca Rua, Pomba Gira e Zé Pilintra.

Os nossos santos de casa são mais poderosos que os importados?

Eles são mais nervosos, metem mais medo, eles estão aqui, né, meu? Nas esquinas e encruzilhadas da(s) (nossas) vida(s). Se quiser ver Belzebu e Lúcifer que estão láááááááááááá na Noruega, ou Voldermort (esse é do Harry Potter, nem meu filho tem medo mais...) você compra um CD, aluga um filme, entra na internet, você tem essa opção... Agora c/ a macumba, não, Tranca Rua e Exu Caveira, tá amarrado, né, mano? Você pode trombar c/ um despacho em qualquer esquina. Cara, tem gente que se muda de casa por causa de tambor de terreiro de macumba. Falam que é porque o som incomoda, mas acho que é medo mesmo. Eu tinha uma bobeira quando era pequeno, que sempre achava que meu pirú ia cair se eu pisasse em despacho de macumba, ou que a minha perna ia secar. Porra, quando aquele livro do Bispo Macedo [‘Guias, Caboclos e Orixás - Deuses ou Demônios’] foi parar lá em casa, eu parei até de comer doce de São Cosme e São Damião c/ medo, porque o livro falava que esses doces são oferecidos ao diabo antes de dar pras crianças. Isso é sério! A minha mãe compra doce pro meu filho em dia de Cosme e Damião, mas ela não deixa ele comer do saquinho de jeito nenhum. E eu respeito essa atitude dela, sei lá, né, meu, vai saber...

C/ essas mensagens que abordam em suas letras, como vocês lidam c/ os seus lados espirituais? Vocês também pedem licença quando cruzam por um despacho?

Eu tenho medo de praga de madrinha, de olho grande, de inveja, de mau olhado, de espírito obsessor, tenho medo de macumba, tenho medo de ver O Grito e O Chamado sozinho, tenho medo de Poltergeist até hoje (“foram eles, mamãe...”), tenho medo até do Gasparzinho querendo ser meu amigo... Tenho medo de tudo que eu não posso agredir e nem meter a porrada. Acho que cada um da banda tem sua maneira de se benzer dessas zicas que a Gangrena mexe. Mas não peço licença pra passar no despacho, não... Eu passo pelo outro lado da rua!

E esse ‘trabalho’ de lançar 3 discos de 6 em 6 anos? Foi um pacto mesmo ou ironia do destino?

Ahahahahahaha, todo mundo sempre pergunta se a gente tem pacto c/ o ‘capira’, mas isso não rola. Tem horas até que eu penso: “antes tivesse...”

Mas então esse lance de 6 em 6 anos foi estratégia p/ promover o EP 6|6|6?

Em relação ao nome do EP, c/ certeza. Mas a data foi um ‘dead end’, um prazo pra gente botar o disco na rua. Trabalhar sem prazo é uma merda... Tira a meta e fica muito largado, faz quando pode, quando dá... Quando você estabelece uma meta, você põe o trabalho à prova, se é viável ou não é. Também você avalia o grau de interesse (até o meu próprio) de quem tá junto no projeto. Vai chegando a hora de lançar e os assuntos cabeludos vão voltando junto: grana, show, grana, divulgação, grana, ensaio, grana etc. Mas também acontecem verdadeiras ‘declarações de amor’ pela banda. Eu e o Ângelo conversamos coisas e trocamos impressões que eram de chorar, literalmente. Acabei ouvindo também coisas do Vladimir e do Moreno que eu não esperava, que me surpreenderam muito, de saber o PESO que a banda tem na vida de cada um. Isso foi na época do EP, ainda não tinha o Renzo nem o Dread na banda. Quando vimos as músicas prontas, pensamos: “porra, se isso ficasse bem gravado ia dar um show do caralho...”

As letras demonstram bons conhecimentos de entidades de umbanda e candomblé. Foi feito algum tipo de pesquisa?

As letras são um crossover do dia-a-dia do brasileiro tosco com temática de macumba. Você não precisa estudar pra falar disso, basta viver no Rio de Janeiro e ter o dom de rir das desgraças. Hoje em dia, quem diria! Zé Pelintra é adesivo de carro!!! Tem o adesivo da frase clássica ‘amigo do Zé’ e aquele outro c/ ele encostado no poste, e isso vende na banca de jornal. Um adesivo de recorte eletrônico em 4 cores vende que nem água, por 2 cruzeiros o pequeno de uma cor só, e por 3,50 o grande colorido. A gente podia usar como merchandising da Gangrena na cara de pau! Até São Jorge é pop, tem uma porrada de gente c/ tatuagem de São Jorge matando o dragão, quem nunca viu isso? Tem adesivo pra carro também, que nem o Zé Pelintra. O nome do disco novo – Se Deus É 10, Satanás É 666 – vem de um adesivo dos crentes: “Deus é dez”. Vamos fazer vários adesivos desses pra vender como merchandising da banda, uma versão ‘defona’ dos adesivos crentes: “Tudo boto naquele que me fortalece”, “Foi Satanás que me deu”, “Dirigido por mim, guiado por Lúcifer”, “Deus é 10, Satanás é 666”, “Azazel Inside”, mas quero ver quem vai colar isso no carro.

Quando foi formado o Gangrena ninguém tocava nada e hoje a banda já conta com uma formação bacana (que tem até o Renzo do DFC), sem falar no monte de gente bacana que passou pela banda. Diante dessa referência, vocês poderiam imaginar que o som tosqueira da primeira demo iria ter esse formato de hoje?

Não, a gente não podia imaginar, mas a entrada do Vladimir na banda foi um divisor de águas pra essa mudança. Metaleiro do inferno, cabelão comprido e tudo... No primeiro ensaio foi logo tocando o riff de ‘Holly Wars’ do Megadeth, imagina! Meu cabeção pirou! Eu falei assim: “caralho, a palhetada desse cara é uma grosseria! Agora vai ser metal mêismo, mêu!”

Quando lançaram o disco Welcome to Terreiro, muita gente apostava que a Gangrena ia ‘acontecer’. No entanto, o que ocorreu foi o primeiro sumiço da banda. O que aconteceu por não ter rolado o sucesso em tempos de Mamonas Assassinas e Raimundos?

O que aconteceu é que a gente não era o Raimundos nem o Mamonas Assassinas. Neste último caso, graças a Deus, né, não? Aliás, graças a Deus nos dois casos, o Rodolfo virou crente... A Gangrena era underground mesmo. A gente mexe com macumba, a gente emporcalha de farofa todo lugar que a gente toca. Imagina se isso acontece no Gugu (eu ia adorar)! Velho, a gente é toscão à vera, não é firulinha, não. Não dá pra Gangrena tocar no Criança Esperança nunca, eu ia querer mandar o Didi calar a boca porque acho ele sem graça pra caralho. Como a Gangrena ia “acontecer” com uma letra tipo ‘Timbalada de Caveira’? Será que a gente ia ser chamado no programa da Hebe (gracinha) ou da Ana Maria Braga? Eu ia querer roubar o Louro José e dar pra minha mãe botar na estante da sala. Mas o beijinho da Hebe Camargo eu dispenso. Acho que ia me sentir como se estivesse beijando o Imotep da Múmia. Apesar de que essa mulher é coroa mas ela tem umas coxonas grossas, né, cara? Quem será o Escorpião Rei que sacode a Hebe Camargo?

Ah, bicho, se pegar as letras do Raimundos o que não falta é palavrão... Mas diante dessa declaração, então, não podemos esperar um lançamento de vocês nem num Pânico na TV?

Pode ser, no Pânico, pode ser, sim. Também tem o Hermes & Renato, os programas do Gordo, do Zé do Caixão... Tem espaço pra gente também. Já fomos no Gastão (Musikaos) e no Zeca Camargo quando era da TV Cultura. Mas o esquemão tipo Jô Soares de novo, Faustão, não sei, não... Isso sim tem mais espaço pro Raimundos (que eu gosto), pra Pitty (que eu gosto), pros Detonautas (que eu gosto), pro NX Zero (que eu odeio), essas paradas são rock também mas são menos nervosas. E têm um formato que dá pra rolar bem em playback se for preciso. Já fizemos playback no Caderno Teen da TVE e odiei isso, é muito fake, é muito escroto. Não nego que a TV é uma puta divulgação pra banda, em qualquer canal, fazendo qualquer programa, mas no nosso caso, acaba sendo um tiro no pé. Porque os fãs da banda não curtem playback, e quem não conhece não entende a proposta. Pra isso funcionar, tinha que rolar a gente tocando c/ a legenda das letras, que nem no clipe de ‘A SuperVia Deseja a Todos Uma Boa Viagem’, assim vale a pena até fazer playback mesmo. Assim eu iria amarradão, porque faria toda diferença entre ser ridículo e pagar um puta lelê, e ter a oportunidade de mais gente conhecer nosso trabalho.

Quais são as principais diferenças de ter uma banda na adolescência e depois dos 30 anos, com filho, família, essas coisas?

Você não ter mais disposição pra dar murro em ponta de faca... Não ficar mais aturando certas babaquices de gente que pensa que está te fazendo um favor não te cobrando venda de ingressos pra tocar... Não sei se é assim em São Paulo ou em outros estados porque estou muito por fora da cena, mas no Rio de Janeiro tá assim hoje... Mas acho que deve ser aqui mesmo, porque o que eu vi na produção do ETHS [banda de new metal da França] feito pela Sob Controle, de São Paulo, fiquei impressionado c/ a puta estrutura que a banda teve no evento. Não só estrutura, mas acho que a palavra certa mesmo é suporte, logística, achei foda. O ETHS sobe no palco c/ um puta equipamento, roadie pra caralho, uma bateria zerada, o cara conta 1,2,3,4... BRAMMMMMMM!!! Tá ligado? Já manda um MI bordão na guitarra que parece um VRÚ (se existisse essa nota musical), som limpinho, tudo alto pra caralho... Me dá motivação de voltar c/ a banda e batalhar p/ alcançar esse nível de estrutura num evento. Os caras da Sob Controle são foda mesmo, não sei se estou fazendo propaganda gratuita, só respondi no contexto da pergunta, mas pra mim, o efeito foi que nem pegar um iPhone pela primeira vez na mão: me impressionou. Principalmente num meio em que todo mundo choooooooooooora pra caralho que tá ruim, tá ruim, tá ruim... Será que o público também não está cansado de sair de casa, pegar três ônibus pra ver 500 bandas sem previsão de horário pra começar o evento? Será que não estão de saco cheio de ver o nome de várias bandas no cartaz e ouvir o som igual ao do Atari Teenage Riot p/ todas as bandas saindo dos amps? Não sei, é uma pergunta...

Em Barra Mansa/RJ tem a banda Miami Brothers, que bebe da água da Gangrena e faz um som que coloca Edir Macedo no alvo. O que vocês acham dessa disseminação? Há outras bandas que seguem o estilo de vocês?

Rapaz, eu acho que o Miami Brothers tem as letras mais toscas do mundo. A ‘Dança do Crucificado’ e a ‘Melô dos Três Pregos’ têm os refrões mais ‘defonildos’ que eu já vi. Aquele zine que o Xan faz, INFERNO PUB, é muito foda! E eles têm umas sacadas ótimas também: ‘Templo É Dinheiro’, ‘Umbanda Larga’ e ‘Paga que Eu Te Escuto’. Acho muito bom mesmo. As outras bandas, como disse na pergunta lá em cima, não têm como fazer um trabalho falando de macumba que não lembre a Gangrena. Tem tipo o Ocultan, mas o som é muito diferente do nosso, e a temática parece mais séria. O importante é que o pau ronca! E isso é muito legal, tem uma música deles que eu ouvi, ‘Poderoso Exu Sete Crâ-ni-ôssssss’... Defão mesmo! Também vi no MySpace uma banda de death chamada Gangrena Febrosa que tem um logotipo parecido c/ o nosso, se não acredita, vai lá ver: www.myspace.com/gangrenafebrosa. Essa banda tem temática de splatter, doenças e desgraças afins. Fora isso, meu sonho é ver uma banda tocando uma cover da Gangrena. Acho que eu ia me sentir ‘a pica que matou Cazuza’ se uma banda tocasse uma cover da Gangrena! Coisa de artista, maior bronca de famoso, né, não? Eu teria coragem até de juntar dinheiro e bancar um tributo pra Gangrena Gasosa – tipo o Phú fez c/ a coletânea TRAIDÔ!!, no qual a Gangrena participou c/ a versão de ‘Beber até Morrer’ e ‘Vida Ruim’, transformado em ‘Benzer até Morrer/ Kurimba Ruim’ – , só pra ouvir esse CD e ficar me masturbando...

Chorão, em outras entrevistas você fala de possíveis relações mais profundas c/ rapazes do rock como Phú (DFC) e Adelvan (Programa de Rock de Aracaju), por exemplo. Como você explica a música ‘Emboiolada’?

Não, sai fora, brincar disso c/ o Phú é furada! O Phú come travesti mesmo! E isso sairia do campo da aventura p/ o campo do amor, e eu não quero casar c/ o Phú nunca... O único amigo que comeria por amor seria o Adelvan de Aracaju, faço qualquer coisa por aquele nariz! Largo até minha mulher pra casar c/ o Adelvan se ele me quiser.

Uma vez seu pai queimou uma pilha de cartas suas na ‘Fogueira Santa de Israel’ e colocou o seu nome na corrente de oração da Igreja Universal. Me fala, o que mudou na sua vida nesse período?

Fiquei careca, casei, engordei 20 quilos (minha mulher cozinha bem pra caralho) e estou mandando melhor no sexo apesar da minha pança extreme noise terror. E o meu pai saiu da Universal e foi pra Quadrangular. Mas tem o seguinte, agora que sou pai, percebo que os pais erram querendo o melhor pros seus filhos, e c/ o meu não foi diferente.

Então, talvez seja o caso de você dar o seu testemunho... Ou seu testemunho você não dá?

Tipo o que Rodolfo dos Raimundos fez? Não, isso, não... Não dou meu testemunho porque acho que ele não seria sincero... Acho que quando você descobre que as coisas não são só átomos (também não estou dizendo que são Jesus, nem Satã, nem Buda, nem Maomé, nem Alan Kardec, não é isso...) bate uma chapação, tipo um ‘PLÁ!!!’ na sua mente, e tem pessoas que querem falar isso no microfone pra todo mundo ouvir. Acho que é uma mudança de conceito muito grande e as pessoas querem, sei lá, compartilhar isso, penso que seja isso... Mas eu não tenho essa piração, pra isso eu tenho a Gangrena, que eu posso subir no palco, grito pra caralho, mas as pessoas que estão ouvindo vão lá QUERENDO ouvir isso. Acho um saco essas pregações que os crentes querem te empurrar goela abaixo porque estão arrependidos de cheirar, de fumar maconha, de fazer macumba pra separar marido, pra aleijar os outros, de dar o cu, de ser piranha, de roubar... Acho isso caído. E vêm c/ essa postura de que estão te fazendo um puta favor de mostrar o caminho do céu, e você que é um ingrato, não quer escutar o que eles têm a dizer... Já vi testemunhos sinceros, já aceitei orações sinceras também, porque acho que boas intenções não têm religião. Dos meus avós, dos meus pais, dos fãs e amigos da banda, aceito de coração quem quiser desejar boas coisas pra mim. Não sou ‘defão’ de mandar crente tomar no cu, essas paradas. Mas sei que tem muita picaretagem no meio também (minha vó falava que era “crente do cu quente”) e meto o pé quando vêm na minha direção pra entregar papelzinho e dizer que Jesus Cristo tem uma grande obra pra fazer na minha vida, mas falta eu comprar o material...

Já rolou algum processo por parte de espíritas, crentes ou mesmo pelo Lulu Santos?

Não, somos café pequeno pra eles, crentes e espíritas. E o Lulu Santos gosta da gente, eu também acho muita coisa do Lulu Santos bem legal.

O Lulu curte a Gangrena mesmo depois da ‘homenagem’ que fizeram pra ele no encarte do Smells Like a Tenda Spirita?

O Lulu Santos é ‘diabo de mídia’ e ele sabe disso. Como disse, eu tenho vários discos do Lulu Santos, pediria autógrafo se o conhecesse pessoalmente – e se os CDs fossem originais... Sem nóia!

Existe uma especulação de que o disco Roots, do Sepultura, foi inspirado em vocês. Definitivamente: isso é fato ou lenda?

Definitivamente o Roots é um crossover de Korn no som c/ Gangrena Gasosa no conceito. O clip de ‘Roots Bloody Roots’ é Gangrena até o caroço. Mas também, todo mundo que fala de macumba no Brasil vai remeter a alguma lembrança da gente, não tem jeito. Mas nós não somos donos de toda macumba do mundo e, além disso, o Roots é um disco foda (não, não é o melhor deles, prefiro Chaos A.D. e o Beneath the Remains). Ninguém tem a patente das boas idéias, e em contrapartida, esse brá lá lá que rolou c/ o Sepultura nos ajudou na época, na tour da Alemanha a gente sempre era relacionado c/ o Sepultura e o Ratos de Porão, era a melhor referência que eles tinham pra situar o nosso som. No problem! Sepultura é uma puta banda. Mas isso de fazer macumba não deu muito certo pra eles, porque a banda perdeu muito espaço depois disso e o Max virou mendigo... Meu Deus, que cabelo é aquele, né, velho? Tem uma foto dele na revista Rolling Stone que ele tá sem um dente... Cruz credo... Que onda errada... Ele acha que isso é bonito? Já pensou como ele vai falar pro Zyon escovar os dentes se ele não dá exemplo pro garoto?

E você, na Gangrena, depois que teve filho passou a rever algumas posturas suas para não dar esse anti-exemplo igual ao do Max?

Claro que sim, eu não fico dando mole, não, porque sei que sou referência e não vou colaborar ensinando mais merda do que as que ele já vai encontrar fora da escola e de casa. Eu não fico mostrando Playboy pra ele porque ele é homem, meu filho não tem nem 12 anos. A Playboy vai servir pra que? Pra ele sentir tesão? Ele não faz sexo c/ essa idade, pra que vou incentivar isso? Pra dizer pros amigos e vizinhos que ele não é viado? Acho isso babaquice... Você tira por uns pequenos lances que você observa (pra ser pai TEM QUE OBSERVAR SEMPRE), meu filho já veio me pedir cerveja em churrasco, tipo pra mostrar pros outros moleques que já era adulto que nem o pai. Não dei uma bifa nele mas dei um sabãozinho de leve no canto e ele bebeu foi Coca-Cola mesmo. Eu, hein, mano, não fode! Sinceramente, quando eu vejo essa molecada fumando maconha e bebendo até cair na sarjeta, sei lá... Me dá muito medo. Hoje em dia vejo filmes como Alpha Dog, Kids, Requiem for a Dream, Trainspotting, e isso agora é filme de terror pra mim. Fico na merda vários dias dormindo mal, cheio de paranóias... É foda... Além disso, tem as outras coisas que meu filho vai ter contato dentro de casa mesmo, pela internet, não me iludo quanto a isso, ele sempre vai dar um jeito, como eu dei o meu jeito quando tinha a idade dele... Tem muita putaria e maluquices rolando na internet... Não dou lição de moral pra ninguém, porque sei que ninguém quer ouvir lição de moral do Chorão 3, que agora só porque é pai de família virou moralista. Mas, respondendo a sua pergunta, ser pai mudou isso na MINHA cabeça e esses são meus medos hoje em dia, quem não entende vá ser pai e veja qual é a bronca... Isso vai passar quando meu filho tiver 20 anos, mas quando ele tiver 30 vou ser avô, e aí vai começar tudo de novo...

Tem alguma música da Gangrena que você se recusa a cantar? Por quê?

Não, me recusar a tocar, não, todas são músicas da banda, mas tem umas que acho chatiiiiinhas pra cacete, tipo ‘Pomba Gyra’ e ‘Pegue o Santo or Die!’... Tem outras também, mas o fato é que curto as músicas mais porradas e c/ mais percussão.

Em 2001 vocês se aventuraram na Alemanha e Áustria fazendo alguns shows. Como foi essa experiência e como eles receberam a proposta da Gangrena? Ou não entenderam nada e tudo bem?

Eu gosto de contar uma passagem em particular que me deu muito orgulho dessa tour. Um dia fomos tocar num squat de três andares e lá em cima tinha um punk dormindo que acordou com o som e desceu pra ver a gente. Ele disse pro dono do bar o seguinte sobre nosso show: “Eles são tão agressivos quanto o Slayer, tão pesados quanto o Venom e tão loucos quanto o Prodigy”. Pra mim que sou a minha pessoa pessoalmente isso valeu qualquer custo que tive pra viajar naquela tour. Considerando que o cara não falava português e não entendia nada das nossas letras, tenho muito orgulho de ser da Gangrena Gasosa por isso. Se eu não fosse da Gangrena, seria fã pra caralho da banda.

Notei em diversos momentos nessa entrevista que você cita Deus. Quem é Deus para você?

Deus p/ mim, atualmente, é um crossover de Stephen Hawking, doutor em Cosmologia, c/ todas as tradições místicas e ciências ainda não desenvolvidas e estudadas da face da Terra. Um conceito tipo o do físico Amit Goswami. Eu ainda estou sob efeito do filme Quem Somos Nós? e essa pergunta é complexa demais, porque eu mesmo já me fiz essa pergunta e juro por Deus que não sei a resposta... Acho que Deus é um conceito muito pessoal, e eu ainda estou correndo atrás dessa compreensão. Saí do materialismo mental que venho pregando (vociferando) grosseiramente (sem conhecimento de causa, quero dizer) desde a minha adolescência, e estou deslumbrado demais c/ os novos conceitos c/ os quais tenho tido contato. O bom desse momento que estou vivendo é que (ainda) não fiquei chato o bastante p/ ficar pregando meu ponto de vista pra ninguém. E espero permanecer assim por muito tempo, acreditando em Deus, mesmo que eu não saiba explicar quem ou o quê Ele é.

O que podemos esperar da Gangrena nessa nova fase?

Sinceramente, eu também gostaria de saber. Eu me faço essa mesma pergunta todo santo dia...

Fontes: VIVA LA BRASA & PORTAL ROCK PRESS

Entrevista por Marcio SNO, em 2008
Texto de Introdução por Adolfo Sá

 #