Karne Krua, a mais importante banda de rock de Sergipe, começou
há exatos 30 anos, no início de 1985, na cidade de Aracaju. É, muito provavelmente
– quase que certamente - a mais antiga banda de punk rock em atividade na
região nordeste do Brasil. Em atividade ininterrupta! É muito comum que bandas
de rock “underground” se formem, marquem uma época – ou não – e então sucumbam
às dificuldades e interrompam suas atividades, pelo menos por um tempo. Às
vezes por um longo período. Isso não aconteceu com a Karne Krua: eles nunca
pararam! Houve uma grande rotatividade de membros, ao ponto de existir, na
formação atual, apenas um componente egresso do “line up” original: Silvio
Campos. Que já era inquieto e montava bandas – The Merda´s (com Helder “podre”,
o DJ Dolores), Sem Freio na língua – desde o final da década de 1970. Ainda
hoje, incansável, toca diversos projetos ao mesmo tempo, indo do blues da
Máquina Blues ao “grindcore” da Logorréia.
Dificuldades não faltaram: nos primórdios, eles eram
vigiados de perto por camburões da polícia ao saírem nas ruas com seu visual
agressivo, especialmente para uma capital provinciana, num país recém-saído de
uma ditara militar brutal. As oportunidades de se apresentar eram raríssimas, e
geralmente esbarravam na falta de equipamentos e de estrutura. Mesmo assim,
gravaram fitas “demo” (de “demonstração”, não é o que você provavelmente está
pensando) caseiras e as espalharam por todo o Brasil, criando uma verdadeira
lenda em torno de seu nome. Raramente foram muito longe, em termos estritamente
geográficos – uma apresentação em Brasília há cerca de 5 anos é o máximo que
consigo lembrar – mas estão sempre se apresentando por aqui e pelas cidades e
estados vizinhos. Na maioria organizando, eles mesmos, os seus próprios eventos
e shows, na melhor tradição punk que legou ao mundo a cultura DIY, de DO IT
YOURSELF – Faça você mesmo!
Em 1994 conseguiram lançar, finalmente, seu primeiro disco,
ainda em vinil. Karne Krua, o álbum, foi gravado no Recife devido à escassez de
estúdios na cidade. Produzido e distribuído de forma absolutamente
independente, teve uma repercussão morna: o repertório era impecável, maturado
ao longo dos anos e com verdadeiros clássicos do cancioneiro roqueiro local,
mas a produção musical deixou muito a desejar e a época, com todos ainda muito
empolgados com a transição para as mídias digitais, então em ascensão, não
ajudou. Hoje é item de colecionador ...
Seguiram trocando de formação e lançando demos até que, no
início do novo século, conseguiram colocar na praça, desta vez com a ajuda do
poder público, via lei de incentivo – municipal – o primeiro CD, “Em Carne
Viva”. O lançamento do disco foi histórico, com um show lotado no espaço EMES
que comprovou a incrível capacidade da banda de renovar seu público.
O maior triunfo, no entanto, ainda estava por vir: o álbum
“Inanição”, uma verdadeira obra-prima do gênero em terras brasilis. Gravado num
momento de transição, ainda com o grande baterista Thiago “Babalu”, que se
mudou para São Paulo e hoje toca com Deus e o mundo por lá, e Alexandre, o
guitarrista, fazendo também o papel de baixista, demorou uma eternidade para
ser lançado. Só veio ao mundo em 2012, exatos dez anos depois do segundo. Mas
valeu a pena a espera: trata-se de uma impecável coleção de canções que,
alinhadas, traçam um impressionante painel de angustia e revolta diante das
injustiças do mundo, do drama dos retirantes ao sofrimento dos animais usados
em testes de laboratório. E tem, pelo menos, um novo clássico: a música título,
“inanição”. Nele a banda consegue finalmente registrar todo o potencial que,
até então, só se revelava em toda a sua plenitude em cima do palco. É um
registro que não pode faltar na coleção de ninguém que se diga apreciador do
combativo e altivo punk rock nacional.
Hoje, 30 anos depois do começo de tudo, lá no Conjunto
Bugio, a Karne Krua volta às origens com um som mais cru, urbano, “Hard Core”,
virando a página das influências que moldaram sua personalidade ao longo do
tempo – notadamente os “aboios” sertanejos e, paradoxalmente, o chamado “som de
Nova York”, difundido por nomes como Biohazard e Agnostic Front – para fechar
um ciclo e tomar impulso para novas jornadas. Voltaram, inclusive, ao vinil: lançaram,
no ano passado, um EP de 7 polegadas – mais conhecido em outras eras como
“compacto” – em parceria com a banda brasiliense “Besthoven”. E agora, em 2015,
trazem ao mundo seu novo álbum de inéditas, “Bem Vindos ao Fim do mundo” ...
Trata-se de um LP (Long Play) de vinil lançado em conjunto
por 11 selos independentes e pelo programa de rock (19H, todo sábado, 104,9 FM em Aracaju e região) emoldurado por
um belíssimo trabalho gráfico assinado pelo guitarrista Alexandre Gandhi (capa)
e pelo baixista Ivo Delmondes (layout). Desta vez foi inteiramente produzido em
sua cidade natal. Pela própria banda, “with a little help from her friends”.
São 18 faixas talhadas a ferro e fogo na energia primal da música feita com a
alma e as vísceras expostas. Ainda em carne viva, e sem concessões. Sempre!
Em Aracaju, o disco pode ser encontrado na “Freedom”, que
fica na Rua Santa Luzia, 151, próximo à Catedral Metropolitana. Vá lá, compre o
disco e troque uma idéia com Silvio, o vocalista. É dele, a loja.
Um verdadeiro Herói da resistência.
por Adelvan k.
fdp
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