Não posso dizer, no entanto, que me surpreendi com a
notícia. Roberto bebia e comia muito, de tudo, e não controlava nem a diabetes
nem a hipertensão. Cansei de recusar convites para acompanhá-lo nas madrugadas
por botecos e biroscas da cidade. Aceitei alguns, como na noite em que
degustamos uma deliciosa macaxeira com carne ensopada num treiler ao lado da
rodoviávia velha, no centro. Quem conhece o “pico” sabe que aquele não é,
especialmente naquele horário, um ambiente freqüentado pelas famílias da
sociedade sergipana ...
Roberto era paulista do interior, de Bauru – notava-se isso
facilmente por seu sotaque carregado no “erre”. Veio parar em Aracaju
acompanhando sua mulher, que havia se apaixonado pelo calor – humano e
climático – de nossa terra. Por aqui, continuou trabalhando com sua grande
paixão: o cinema. Sucedeu Ivan Valença na programação dos filmes alternativos
que eram exibidos nas extintas salas, pré-multiplex, do Grupo Severiano
Ribeiro. Com o advento do Cinemark, emplacou a Sessão “Cine Cult”, que seguia
mais ou menos a mesma linha, mas tinha maior regularidade e, aos poucos, foi
arrebanhando um público cativo e significativo, ao ponto da rede criar um
circuito que chegava a 16 capitais de todo o país. Tudo coordenado a partir
daqui, de Aracaju. Pelo Roberto.
Aos poucos ele foi se aventurando por novos projetos –
sempre ligados, de alguma forma, à sétima arte. Trouxe à cidade a “Virada
Cinematográfica”, que já existia na capital paulista e consistia na exibição de
três filmes em sequencia, a partir da meia-noite, com um café da manhã sendo
servido aos sobreviventes da maratona. A primeira aconteceu na madrugada do dia
15 de junho de 2008 e foi um tremendo sucesso. Teve várias edições e gerou um
novo projeto, ainda mais ousado: As Sessões “Notívagos”, nas quais um filme
seria exibido e na sequencia o público acompanharia, no saguão do cinema, à
apresentação de uma ou mais bandas, geralmente oriundas do circuito
independente e/ou alternativo, local e nacional.
Na primeira edição foi exibido o filme “Repulsa ao sexo”, de
Roman Polanski, estrelado por Catherine Deneuve, seguido de uma apresentação da
banda sergipana The Baggios. Foram noites memoráveis, como a que uniu
“Guidable”, documentário sobre a trajetória da mais importante banda punk do
Brasil, o Ratos de Porão, com uma apresentação da Karne Krua, nossos heróis da
resistência. Ou o show da Plástico Lunar precedido pela exibição do filme dos
Rolling Stones dirigido por Martin Scorcese. Ou ainda o memorável encontro do
Retrofoguetes, de Salvador, com a Pata de elefante, de Porto Alegre – dois dos
maiores expoentes da música instrumental nacional.
Mas nem tudo era perfeito: Roberto era intransigente,
desorganizado e, por isso mesmo, desestruturado. Deixava faltar cerveja no bar
e “contratava” (as “vítimas” entenderão as aspas) estruturas além de suas
possibilidades. Quando não conseguia, improvisava: deu uma certa vergonha
alheia o som com o qual o Cidadão Instigado teve que se virar para tocar. Idem
para os show do Eddie e do Autoramas. Que, no entanto, aconteceram. E foram –
repito – noites memoráveis, gravadas para sempre na memória de quem compareceu.
A última vez que eu encontrei Roberto foi em mais um
aniversário do Cine Cult, no qual foi exibido o clássico de Alfred Hitchcock,
“Os pássaros”. Estava acompanhado de sua esposa, uma pessoa queridíssima que
conheci pouco, mas pela qual tenho uma grande estima. Minto: encontrei com ele,
também, na saída da exibição de “A Laranja Mecânica”, do projeto de exibição de
filmes clássicos do cinemark. Projeto que, no final das contas, acabou
substituindo o Cine Cult.
Que, no entanto, faz falta.
Ainda.
A.
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