quinta-feira, 27 de agosto de 2015

1 Ano sem Roberto Nunes, do "Cine Cult"

(NOTA: Matéria publicada originalmente no jornal Folha da praia) Ele passou mal durante a madrugada e foi ao hospital, mas se recusou a ficar internado. Apresentava um caso grave de hemorragia no sistema digestivo, e só saiu de lá depois de assinar um termo de responsabilidade. O quadro piorou quando ele voltou pra casa e em duas horas precisou voltar ao pronto socorro. Tarde demais: O produtor cultural Roberto Nunes, responsável pela programação nacional das Sessões “Cine Cult”, do Cinemark, faleceu na madrugada do dia 15 de julho do ano passado, aos 47 anos. Em Natal, RN, para onde havia se mudado há cerca de 1 ano. Era um tremendo “cabeça dura” que vivia brigado com Deus e o mundo, mas era também um agitador, responsável por alguns dos projetos mais inusitados que vimos por estas plagas e que geraram noites memoráveis no saguão do principal complexo cinematográfico da cidade. Faz falta ...

Não posso dizer, no entanto, que me surpreendi com a notícia. Roberto bebia e comia muito, de tudo, e não controlava nem a diabetes nem a hipertensão. Cansei de recusar convites para acompanhá-lo nas madrugadas por botecos e biroscas da cidade. Aceitei alguns, como na noite em que degustamos uma deliciosa macaxeira com carne ensopada num treiler ao lado da rodoviávia velha, no centro. Quem conhece o “pico” sabe que aquele não é, especialmente naquele horário, um ambiente freqüentado pelas famílias da sociedade sergipana ...

Roberto era paulista do interior, de Bauru – notava-se isso facilmente por seu sotaque carregado no “erre”. Veio parar em Aracaju acompanhando sua mulher, que havia se apaixonado pelo calor – humano e climático – de nossa terra. Por aqui, continuou trabalhando com sua grande paixão: o cinema. Sucedeu Ivan Valença na programação dos filmes alternativos que eram exibidos nas extintas salas, pré-multiplex, do Grupo Severiano Ribeiro. Com o advento do Cinemark, emplacou a Sessão “Cine Cult”, que seguia mais ou menos a mesma linha, mas tinha maior regularidade e, aos poucos, foi arrebanhando um público cativo e significativo, ao ponto da rede criar um circuito que chegava a 16 capitais de todo o país. Tudo coordenado a partir daqui, de Aracaju. Pelo Roberto.

Aos poucos ele foi se aventurando por novos projetos – sempre ligados, de alguma forma, à sétima arte. Trouxe à cidade a “Virada Cinematográfica”, que já existia na capital paulista e consistia na exibição de três filmes em sequencia, a partir da meia-noite, com um café da manhã sendo servido aos sobreviventes da maratona. A primeira aconteceu na madrugada do dia 15 de junho de 2008 e foi um tremendo sucesso. Teve várias edições e gerou um novo projeto, ainda mais ousado: As Sessões “Notívagos”, nas quais um filme seria exibido e na sequencia o público acompanharia, no saguão do cinema, à apresentação de uma ou mais bandas, geralmente oriundas do circuito independente e/ou alternativo, local e nacional.

Na primeira edição foi exibido o filme “Repulsa ao sexo”, de Roman Polanski, estrelado por Catherine Deneuve, seguido de uma apresentação da banda sergipana The Baggios. Foram noites memoráveis, como a que uniu “Guidable”, documentário sobre a trajetória da mais importante banda punk do Brasil, o Ratos de Porão, com uma apresentação da Karne Krua, nossos heróis da resistência. Ou o show da Plástico Lunar precedido pela exibição do filme dos Rolling Stones dirigido por Martin Scorcese. Ou ainda o memorável encontro do Retrofoguetes, de Salvador, com a Pata de elefante, de Porto Alegre – dois dos maiores expoentes da música instrumental nacional.

Mas nem tudo era perfeito: Roberto era intransigente, desorganizado e, por isso mesmo, desestruturado. Deixava faltar cerveja no bar e “contratava” (as “vítimas” entenderão as aspas) estruturas além de suas possibilidades. Quando não conseguia, improvisava: deu uma certa vergonha alheia o som com o qual o Cidadão Instigado teve que se virar para tocar. Idem para os show do Eddie e do Autoramas. Que, no entanto, aconteceram. E foram – repito – noites memoráveis, gravadas para sempre na memória de quem compareceu.

A última vez que eu encontrei Roberto foi em mais um aniversário do Cine Cult, no qual foi exibido o clássico de Alfred Hitchcock, “Os pássaros”. Estava acompanhado de sua esposa, uma pessoa queridíssima que conheci pouco, mas pela qual tenho uma grande estima. Minto: encontrei com ele, também, na saída da exibição de “A Laranja Mecânica”, do projeto de exibição de filmes clássicos do cinemark. Projeto que, no final das contas, acabou substituindo o Cine Cult.

Que, no entanto, faz falta.

Ainda.

A.

#

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Necro.

Vem de Alagoas – terra do Mopho! - uma das maiores promessas de renovação do cenário do rock independente nacional: a banda Necro. Trata-se de um “power trio” formado em 2009, em Maceió, com o nome de “Necronomicon”, em referência ao livro dos mortos da mitologia lovecraftiana. Influenciados pela psicodelia, pelo rock progressivo e pelo Hard rock “setentista”, conseguiram chamar a atenção de um pequeno selo norte-americano especializado no estilo, o Hydro-phonic records, que lançou no mercado internacional, em vinil, seus dois únicos álbuns – que foram precedidos por um EP de estréia, lançado em 2011.

O primeiro, “Queen of death”, de 2012, é um disco conceitual cantado em inglês que conta, em suas letras, uma história baseado num conto de fantasia e ficção científica escrito pelo baixista/vocalista Pedro Ivo. Se fosse "quadrinizado", poderia ser publicado na célebre revista “Heavy Metal”. Narra as desventuras de um assassino contratado para matar a tal Rainha da Morte, líder de um culto poderosíssimo baseado em Yamoth, o planeta sagrado. É para lá que somos levados através de musicas longas com vários mudanças de andamento e refrões poderosos entremeados por riffs de guitarra precisos – as seis cordas são comandadas por mãos femininas, de Lillian Lessa, uma fiel discípula de Tony Iommy, o lendário guitarrista do Black Sabbath, e sua Gibson SG batizada nos quintos dos infernos.

Para o segundo disco – homônimo, lançado no ano passado - abreviaram o nome da banda e vieram com uma proposta mais diversificada, com parte das letras em português e a presença marcante da guitarrista Lillian assumindo, também, os vocais principais, em algumas faixas. O resultado foi impressionante! Trata-se de uma verdadeira obra-prima, perfeita já a partir da capa, magnificamente elaborada por Cristiano Suarez. Excelentes composições num clima totalmente “retrô”, com direito a uma “balada Heavy Metal”, daquelas que começam suavemente para logo em seguida explodir numa barulheira infernal, e um solo de bateria, a mais anacrônica das manifestações musicais.

Deliciosamente anacrônica, a Necro navega contra a maré de mediocridade que impera no cenário “roqueiro” tupiniquim. Tem vencido pela persistência e pela qualidade, e aos poucos vão chamando a atenção por onde passam, em incursões esporádicas pelos estados vizinha e por São Paulo, onde são “apadrinhados” pelo lendário Luiz Calanca, criador da primeira loja e selo independente da galeria do rock.

E não param! Lançaram um novo single, “Contact”, e o casal, Pedro e Lillian, tem se aventurado em carreiras solo promissoras, com dois EPs  precedidos de uma seqüência de singles matadora que inclui uma sensacional homenagem a Salvador Allende cantada – por Lillian – em francês! Um charme! Come se não bastasse os dois fazem parte, ainda, do Messias Elétrico, outra sensacional banda alagoana que conta, em suas fileiras, com ex-integrantes da Mopho.

Você precisa conhece-los! AGORA! 


A.


#