quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Carbonos do pop

Em uma manhã de novembro de 1975, Guto Graça Mello, um jovem de 27 anos, recebeu um telefonema na sede da gravadora Som Livre, da qual era diretor: “Guto? Preciso falar com você, urgente! Larga o que estiver fazendo aí e vem pra cá agora!” A ordem era de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, todo-poderoso da Globo.

Boni precisava resolver um problema sério: não aprovara a trilha sonora que um produtor havia feito para a novela Pecado Capital, que estava prestes a estrear, e tinha quatro dias para preparar uma nova. Guto disse que a única maneira de conseguir isso em tão pouco tempo seria fazer uma coleta nas gravadoras e escolher as melhores músicas de cada uma. Boni concordou, mas fez uma exigência: o tema de abertura teria de ser inédito. Guto pediu socorro a Paulinho da Viola: “Fui à casa do Paulinho e ele compôs Pecado Capital (“Dinheiro na mão é vendaval...”) ali, na minha frente, em menos de duas horas. Foi uma coisa assombrosa.”

Guto correu às principais gravadoras e conseguiu uma ótima seleção, incluindo Moça (Wando), Se Você Pensa (Moraes Moreira), Você Não Passa de uma Mulher (Martinho da Vila), Meu Perdão (Beth Carvalho), Beijo Partido (Nana Caymmi) e Juventude Transviada (Luiz Melodia). “Várias faixas do disco eram sambas, e a gente era meio proibido de usar samba em novela, mas o Boni estava com a faca no pescoço e teve que engolir.”

Na época, a Globo tentava consolidar uma imagem “sofisticada” em sua programação, o que explica essa repulsa pelo samba (em 1972, Chacrinha saiu da emissora e, com ele, muitos dos artistas considerados “bregas” e “cafonas”). Nelson Motta, então produtor da casa, diz que Guto foi corajoso ao colocar um samba na abertura: “Antes de Pecado Capital, nenhuma novela abria com um samba. Nas novelas que eu fiz, usava pop moderno (Véu de Noiva), ‘baiano épico’ (Verão Vermelho) ou sertanejo ‘heroico’ (Irmãos Coragem).” Até meados dos anos 70, a venda de discos com a trilha sonora internacional superava em muito a dos discos com a trilha nacional. Isso acontecia porque os LPs internacionais reuniam sucessos que a Som Livre pegava de outras gravadoras, enquanto os nacionais eram quase sempre compostos de músicas inéditas ou pouco conhecidas. A trilha nacional de O Rebu (1974–75), por exemplo, foi assinada por Raul Seixas e Paulo Coelho e trouxe faixas que, em sua maioria, não haviam entrado nos discos de Raul. Já o LP internacional da mesma novela tinha sucessos de Elton John, Stevie Wonder e Sérgio Mendes. A soundtrack nacional era, nas palavras de Guto Graça Mello, “o patinho feio da Som Livre”.

A trilha nacional de uma novela raramente ultrapassava 70 mil, 80 mil cópias vendidas. Pecado Capital, entretanto, mudou essa história: o LP chegou a 300 mil cópias, superando o internacional, que tinha canções de Michael Jackson, Domenico Modugno e Gladys Knight & The Pips.

A Som Livre havia sido fundada por João Araújo – o pai de Cazuza – em 1969, com o objetivo de lançar as músicas das novelas da Globo. A primeira trilha de Guto Graça Mello para a emissora foi uma parceria com Nelson Motta, Cavalo de Aço (1973). Guto não tem boas lembranças do disco: “Ficou uma merda. O Boni também achou e me deu um esporro danado.” Em 1975, Guto acumulava as funções de diretor da Som Livre e diretor musical da TV Globo, o que o deixava na estranha posição de ser cliente de si mesmo. Como ele tinha liberdade para escolher o que tocaria nas novelas, tornou-se um dos executivos mais influentes e poderosos da indústria do disco no Brasil.

Na trilha internacional de Pecado Capital, em meio a artistas consagrados como Michael Jackson e The Trammps, destacava-se um tal de Dave D. Robinson, que interpretava a balada Words of Love. O que o público não sabia era que a música não fora gravada em Los Angeles ou Nova York, mas no estúdio da Gazeta, na avenida Paulista. E eram também poucos os que conheciam o verdadeiro nome de Dave D. Robinson: José Eduardo França Pontes, conhecido por Dudu França.

Dave/Dudu era um dos muitos artistas brasileiros que cantavam em inglês e fizeram parte de um dos fenômenos mais populares e curiosos do pop brasileiro: o dos falsos gringos. E ele não foi um fenômeno isolado: Jessé era Tony Stevens; Ivanilton de Souza virou Michael Sullivan; Thomas Standen foi Terry Winter. Alguns cantores se valiam de mais de um pseudônimo: Fábio Jr. gravou em inglês, com os nomes de Mark Davis e Uncle Jack; Dudu França também gravou como Joe Bridges, tradução do prosaico José Pontes. Outros adotavam nomes parecidos com os de astros internacionais: Hélio Costa Manso ficou famoso como Steve Maclean, nome inspirado no galã do cinema Steve McQueen. Em 1975, quando o argentino de pais britânicos Chris de Burgh estourou com Flying, uma balada de sucesso, Jessé regravou a canção, assinando Christie Burgh. A EMI, selo do Burgh original, chiou, obrigando o brasileiro a trocar o nome.



De todos os falsos gringos, o mais famoso foi o carioca Maurício Alberto Kaiserman. Filho de uma família de classe alta do Rio, ele ganhou o concurso “O Homem Mais Bonito do Brasil” no programa de Flávio Cavalcanti, na TV Tupi, e integrou grupos de rock no fim dos anos 60, como Hangmen e The Thunders. No início da década de 70, estudou alguns anos nos Estados Unidos. Quando retornou ao Rio de Janeiro, tentou a carreira de cantor, interpretando músicas em português com seu nome verdadeiro e, em inglês, com o pseudônimo de Morris Albert.

Em 1974, Albert lançou pela gravadora Beverly o compacto de Feelings, uma balada romântica em inglês. A música acabou na novela Corrida do Ouro, da Globo, e fez um tremendo sucesso. A norte-americana United Artists, que tinha um contrato de distribuição internacional com a Beverly, não gostou da canção e deixou que a brasileira negociasse internacionalmente com arca. Resultado: Feelings chegou ao sexto lugar na parada norte-americana, vendeu muito na Europa e América Latina, foi cantada em shows por Frank Sinatra e gravada por Nina Simone, Johnny Mathis e Ella Fitzgerald. Morris Albert foi o único cantor da leva de brasileiros que gravavam em inglês a fazer sucesso no exterior. Em 1976, recebeu três indicações ao Grammy, principal prêmio da indústria musical nos Estados Unidos: música do ano, melhor cantor pop e artista revelação. Nos anos 80, foi acusado pelo compositor francês Loulou Gasté de ter plagiado a canção Pour Toi, lançada em 1957.



A onda de falsos gringos era coisa antiga no pop brasileiro. Desde o início dos anos 60, vários artistas nacionais se projetaram cantando em inglês ou imitando astros do pop estrangeiro. Em 1964, o cantor americano Trini Lopez, filho de mexicanos, fazia sucesso no mundo todo com a canção If I Had a Hammer. O compacto foi número 1 nas paradas de 36 países e saiu no Brasil pelo selo Reprise, com a canção Americano lado B. Mas a brasileira RGE tinha sido mais rápida e, pouco antes, pusera na praça um disco com as mesmas canções. Só o nome do cantor era diferente: Prini Lorez. Meses depois, a Reprise lançou outro sucesso de Trini Lopez, La Bamba, versão de uma tradicional canção folclórica mexicana que havia sido gravada originalmente em ritmo de rock por Ritchie Valens – na certidão de batismo, Ricardo Valenzuela, outro filho de mexicanos nascido nos Estados Unidos, morto em 1959, aos 17 anos, em um desastre de avião que também tirou a vida de dois outros astros

do rock, Buddy Holly e The Big Bopper. A RGE contra-atacou imediatamente com seu próprio compacto de La Bamba, na versão do dublê. “Modéstia à parte, meu disco era tão bom quanto o do Trini”, diz Prini Lorez, ou melhor, José Gagliardi Filho, um roqueiro do bairro da Pompeia, em São Paulo.

O disco da RGE copiava o original em tudo. Os compactos de Trini Lopez vendidos no Brasil foram tirados do LP Trini Lopez at P.J.’s, gravado ao vivo na famosa boate de Los Angeles. A imitação de Americaera tão fiel que começava com um apresentador dizendo, em inglês, a mesma frase que abria o disco gringo: “And now, P.J.’s proudly presents...”(“E agora, a P.J.’s orgulhosamente apresenta...”). Quando Prini foi gravar La Bamba na RGE, no bairro da Luz, o dono da gravadora lotou o estúdio de adolescentes e mandou que gritassem e aplaudissem. Entre eles estava uma menina de 17 anos, que cantava no grupo Teenage Singers: Rita Lee.

“Muita gente no Brasil não sabia que Trini e Prini eram cantores diferentes”, conta Antonio Paladino, produtor musical e executivo de gravadora na época. Paladino sugeriu a José Scatena, o dono da RGE, que criasse um clone de Trini Lopez. E Scatena achou o homem certo quando viu Gagliardi Filho, o Zezinho, cantando na boate Lancaster, na rua Augusta. Na época, Zezinho tinha 22 anos, mas já era um veterano do rock paulistano: havia fundado a banda The Rebels em 1959 e gravara compactos com o pseudônimo de Galli Júnior. Um de seus primeiros fãs foi Erasmo Carlos, que teve uma epifania ao entrar na Lancaster e ver o cantor interpretar What’d I Say, de Ray Charles. “Ele cantava igualzinho ao Ray Charles, era impressionante”, recorda o Tremendão. Na Lancaster, o público se surpreendia com a voz potente e a boa pronúncia de inglês do cantor. “Meu pai era bicheiro e tinha grana para pagar uma professora particular de inglês.” E o nome Prini Lorez pegou: “Hoje, até minha mulher me chama de Prini.”

Confusões entre artistas nacionais e estrangeiros não eram incomuns no Brasil. Luiz Calanca, que em 1978 abriria em São Paulo a Baratos Afins, importante loja e gravadora de rock brasileiro, conta que, na década de 60, discos estrangeiros podiam demorar dois anos para sair no país. “Eu trabalhava em farmácia e discotecava em bailinhos. A gente curtia Ronnie Cord e Renato e Seus Blue Caps cantando versões dos Beatles, antes de conhecer as músicas originais. Então, quando ouvíamos os Beatles, achávamos que eles é que estavam imitando Renato e Seus Blue Caps.”

Ronnie Von foi pivô de uma história exemplar: no início de 1966, seu pai, membro do corpo diplomático brasileiro em Londres, trouxe para ele de presente o disco Rubber Soul, dos Beatles, que acabara de sair na Inglaterra. Semanas depois, Ronnie gravou Meu Bem, versão da música Girl. “Um dia, eu estava ouvindo a Rádio Bandeirantes e tocaram Girl. No final, o locutor disse: ‘Acabamos de ouvir Meu Bem, com os Beatles.’ Fiquei nas nuvens!”, lembra Ronnie Von.



Antonio Paladino havia transformado a Eletroarte, um negócio de material elétrico do pai, na rua Augusta, numa das melhores lojas de discos de São Paulo nos anos 50. Ele fez amizade com alguns pilotos de avião, que lhe traziam do exterior todos os lançamentos da época. Ponto de encontro de bandas, fãs de rock e programadores de rádios, a loja tinha uma seleção tão boa que se tornou fornecedora de emissoras de rádio como

Difusora e Excelsior, em São Paulo, e Mundial, no Rio de Janeiro. Não era raro Paladino chegar à loja às nove da manhã e encontrar um sujeito sentado na calçada. Era Big Boy – Newton Alvarenga Duarte, famoso disc jockey da época –, que vinha do Rio de Janeiro só para comprar discos. O trabalho na Eletroarte fez de Paladino um especialista em prever o gosto do público. Ele sabia que discos tinham mais chance de vender e que artistas faziam a cabeça da moçada. Também começou a notar que as gravadoras demoravam a lançar certos discos: músicas de grande sucesso lá fora nem sequer saíam no país. Foi então que teve a ideia de montar grupos brasileiros para gravar em inglês, valendo-se do atraso das empresas estrangeiras.

Em 1966, Paladino percebeu que duas músicas famosas no exterior não haviam sido lançadas no Brasil: See You in September”, do grupo The Happenings, e Sunny, de Bobby Hebb. Ele procurou Hélio Costa Manso, cantor do grupo de rock paulistano The Mustangs, que fazia shows de covers em inglês, e propôs à banda um compacto com as duas canções. O conjunto foi batizado de The Happiness. “O pessoal escutava a música original no rádio e, sem saber o que tinha ouvido, dizia na loja: ‘Ontem ouvi uma banda, não lembro direito o nome, acho que é happy não sei o quê...’ O vendedor, então, respondia: ‘É essa’, e sacava o nosso disco. O cliente sempre levava”, conta Hélio.

A versão original do Happenings foi comercializada no Brasil pelo pequeno selo Mocambo, enquanto o compacto “trambique” do Happiness teve a chancela da poderosa estrangeira RCA, o que prova que não eram apenas as empresas menores que apelavam para essas jogadas. Hélio define a cena musical da época como “uma terra de ninguém”, onde todos tentavam ser mais espertos que a concorrência. Os covers, porém, não eram ilegais: bastava pedir autorização e pagar à editora que representava o autor.

No fim dos anos 60, a falta de informação do público e o pequeno número de brasileiros que falava inglês incentivaram a indústria dos falsos americanos. Além de Os Mustangs, conjuntos como Lee Jackson, Sunday, Kompha, Memphis e Watt 69 eram confundidos com grupos internacionais e bombavam. O Sunday chegou a ter um programa na TV Excelsior, com o bizarro nome de Sunday é Sábado. Os grupos lotavam as domingueiras de clubes tradicionais de São Paulo, como Paulistano, Harmonia, Pinheiros e Círculo Militar, atraindo um público de classe alta que tinha preconceito contra a música cantada em português. “Hoje é até ridículo dizer isso, mas a turma que frequentava esses clubes tinha vergonha de ouvir Roberto Carlos”, diz Dudu França, que antes de ficar famoso como Dave D. Robinson foi vocalista do Memphis. “Roberto Carlos era considerado o cantor das empregadas.”

O inglês imperfeito não era barreira. “Estudei inglês quando garoto, mas falar mesmo eu não falava. Eu mal sabia o que estava cantando”, confessa Dudu. O grupo Pholhas escrevia letras juntando frases tiradas de um velho livro de conversação em inglês. Fábio Jr. revelou que evitava conversar com as fãs, para que não percebessem que Mark Davis não era americano: “Eu dava autógrafos, mas não podia falar nada com elas. Era tudo rápido, e de óculos escuros.” Chrystian, da dupla Chrystian e Ralf, foi gravar um disco em Nashville, nos Estados Unidos, produzido por Hélio Costa Manso. Quando terminou o trabalho, um técnico do estúdio lhe perguntou alguma coisa, e o cantor, que não falava uma palavra de inglês, permaneceu mudo. O sujeito ficou impressionado: “Como assim? A pronúncia dele é perfeita!”

O fenômeno dos falsos estrangeiros, embora execrado pela crítica da época, foi importante para o desenvolvimento da indústria de discos do país. Executivos sentiram que o público estava gostando cada vez mais de música pop internacional e tentaram criar produtos para esse consumidor. Havia outro fator que incentivava as gravadoras a lançar músicas em inglês: canções estrangeiras não passavam pelo departamento de censura e, portanto, não corriam risco de ser proibidas.

Os falsos gringos ficaram tão populares que acabaram nas trilhas de novelas: Hélio Costa Manso e a irmã, Maria Amélia, que depois seria cantora do grupo de discoteca Harmony Cats, gravaram com a banda Sunday uma versão de I’m Gonna Get Married, do norte-americano Lou Christie, para a novela Super Plá (1969–70), da TV Tupi. A faixa foi produzida por – quem mais seria? – Antonio Paladino.

Cantar em inglês foi o caminho que muitos artistas encontraram para obter algum destaque na cena musical. O idioma, entretanto, limitava a chance de um sucesso mais duradouro. “As bandas dos anos 60, como Sunday, Lee Jackson, Memphis, Kompha e Watt 69, é que deveriam ter criado o rock nacional do Brasil”, diz Hélio Costa Manso. “A gente tinha o aparato tecnológico, tinha expertise de tocar Beatles, Led Zeppelin e Deep Purple, tinha tudo na mão. Mas havia um problema: tínhamos vergonha de cantar em português. Se tivéssemos enxergado que poderíamos ter sido ídolos cantando rock em português, a revolução que chegou nos anos 80 teria ocorrido em 1971 ou 72.”



* * *

E

m 4 de fevereiro de 1980, a TV Globo estreava a novela Água Viva, escrita por Gilberto Braga e Manoel Carlos. A trilha nacional, da Som Livre, trazia sucessos como Menino do Rio (Baby Consuelo), Realce (Gilberto Gil), Grito de Alerta (Maria Bethânia), Desesperar, Jamais (Simone), Amor, Meu Grande Amor (Ângela Ro Ro), Noites Cariocas (Gal Costa), Altos e Baixos (Elis Regina) e 20 e Poucos Anos (Fábio Jr.). A seleção havia sido feita por Lulu Santos, ou melhor, Lulu dos Santos, como dizia a contracapa do LP.

O disco com a trilha internacional também contava com uma forte seleção, marcada pela discoteca, gênero que ainda reinava no país. Misturava faixas dançantes – como D.I.S.C.O. (Ottawan), Love I Need (Jimmy Cliff), The Second Time Around (Shalamar) e Mandolay (La Flavour) – a baladas românticas, como Babe (Styx), Ships (Barry Manilow), Just Like You Do (Carly Simon) e Memories (Bianchi). Imagens de uma vela de windsurfe e de praticantes do esporte ilustravam a capa e a contracapa do LP internacional, assinada por Hans Donner, o designer austríaco que havia criado o logotipo da TV Globo.

Na semana de lançamento do LP internacional de Água Viva, um disco parecido chegou às lojas. Não era da Som Livre, mas da Continental. Água Viva – Temas Internacionais da Novela exibia na capa a foto de um sujeito praticando windsurfe e tinha um repertório idêntico ao do LP da Som Livre: Ottawan, Jimmy Cliff, Barry Manilow, Carly Simon... As versões, no entanto, não eram originais. Escondida no canto da capa, em fonte pequena, constava a palavra Covers. Não demorou para uma cópia chegar às mãos do diretor da Som Livre, Hélio Costa Manso, que ao constatar a qualidade das versões não teve dúvidas: aquilo só podia ser obra dos Carbonos.

Hélio os conhecia muito bem. Dois anos antes, produzira, na própria Som Livre, um medley de músicas dos Bee Gees para a trilha da novela Dancin’ Days, cantado pelo grupo vocal Harmony Cats e executado pelos Carbonos. Na época, muita gente ficou impressionada com a semelhança entre a gravação e as músicas originais dos Bee Gees (cujos discos saíram no Brasil pela PolyGram). Agora, a Som Livre experimentava o seu próprio veneno.

O Água Viva da Continental era tão bem gravado que começou a prejudicar a venda do LP da Som Livre, pois o público não distinguia a matriz da cópia. Muita gente chegava à loja, pedia o “disco da novela” e saía de lá com a versão cover. A Som Livre ameaçou banir os artistas da Continental dos programas da Globo caso o disco não fosse retirado do mercado. Assustada, a gravadora suspendeu as vendas e hoje o LP é uma raridade muito disputada no mercado de discos usados.

Trinta e três anos depois do episódio, em fevereiro de 2013, Beto Carezzato, baixista dos Carbonos, bate os olhos na capa do disco Água Viva da Continental e diz: “É, acho que participamos desse estelionato!” O irmão, Raul, cantor e percussionista, põe o disco na vitrola, ouve alguns segundos, e comenta: “Me lembro dessa percussão... Fui eu que gravei.”

O grande público ignora Os Carbonos, mas muita gente conhece os hits do pop brasileiro de que eles participaram, como músicos de estúdio: Feelings (Morris Albert), Summer Holiday (Terry Winter), Domingo Feliz (Ângelo Máximo), Aquela Nuvem (Gilliard), Flying (Jessé), Fuscão Preto (Almir Rogério),
O Boi Vai Atrás (João da Praia), É o Amor (Zezé di Camargo e Luciano), além de dezenas de LPs de Melindrosas, Harmony Cats, Bartô Galeno, Trio Parada Dura, Amado Batista, Carlos Alexandre, Los Maneros, Tony Damito, Marcos Roberto, Chrystian e Ralf, e dez LPs de Paulo Sérgio, o maior rival de Roberto Carlos. Somando tudo, Os Carbonos são uma das bandas que mais venderam discos no Brasil.

De meados dos anos 60 ao fim dos anos 80, eles foram o grupo de estúdio mais atuante de São Paulo, gravando por diversos selos: RGE, Top Tape, AMC, Beverly, Copacabana, Continental, Mocambo, Som Livre e Chantecler. Além do trabalho com outros artistas, lançaram cerca de quarenta LPs próprios, entre discos de covers, músicas italianas, rock, samba, sertanejo e forró. Também produziram jingles famosos, como “Toddy, sabor que alimenta” e o inesquecível comercial da dedetizadora D.D.Drin (“A pulguinha dançando iê-iê-iê, o pernilongo mordendo o meu nenê”).

Calcular com exatidão o número de músicas gravadas pelos Carbonos é impossível. Nem eles têm registro de tudo. Em um dia normal, faziam um LP inteiro, com dez ou doze faixas. Chegavam a passar dias e noites seguidos no estúdio, dormindo nos sofás. Trabalhavam de segunda a sábado. Um cálculo possível – dez músicas por dia, cinco dias por semana, durante vinte anos – daria um total de mais de 50 mil músicas. O lendário baterista Hal Blaine, um dos músicos de estúdio mais prolíficos e celebrados dos Estados Unidos, que tocou com Elvis Presley, Beach Boys, Simon & Garfunkel e The Supremes, calcula ter gravado 35 mil músicas em quatro décadas. Os Carbonos poderiam talvez estar no Guinness.



A base do grupo são os irmãos Mário, Beto e Raul Carezzato. Beto e Raul, gêmeos não idênticos, nasceram em 1946. Mário é cinco anos mais velho. A família, de origem italiana, tem longa história na música. Os tios dos rapazes eram os Trigêmeos Vocalistas, grupo que fizera sucesso nos anos 30 e 40 cantando no Cassino da Urca e na Rádio Nacional (assim como os Carbonos, os Trigêmeos Vocalistas eram formados por dois gêmeos e o irmão mais velho). No início dos anos 60, quando os Carezzato viviam no bairro de Santa Cecília, em São Paulo, Beto e Raul começaram a se interessar por rock. Mário só queria saber de música clássica: formou-se em piano, canto, regência de coral e orquestração, e chegou a excursionar pela Europa como barítono do Madrigal da Orquestra de Câmara de São Paulo.

Os gêmeos juntaram-se aos amigos “Ricardão” Fernandes de Morais (guitarra) e Igor Edmundo (baixo e guitarra) – um guatemalteco que vivia no Brasil –, e, com o nome de Os Quentes, gravaram o primeiro compacto. Logo depois, o baterista Antônio Carlos de Abreu, irmão do autor de novelas Sílvio de Abreu, juntou-se ao grupo, e Mário, o irmão mais velho, assumiu os teclados.

Impressionada com a qualidade técnica dos rapazes, a gravadora Beverly encomendou um LP de covers com sucessos do momento. Os Quentes gravaram A Praça (Ronnie Von), Só Vou Gostar de Quem Gosta de Mim (Roberto Carlos), Coração de Papel (Sergio Reis) e Vem Quente que Eu Estou Fervendo (Erasmo Carlos), além de hits internacionais como With a Girl Like You (The Troggs) e Black Is Black (Los Bravos). Um dia, Beto e Raul andavam pelo Centro de São Paulo quando viram vários cartazes anunciando o disco, mas com o nome de outro conjunto: Os Carbonos. A Beverly havia rebatizado o grupo e nem os avisara. O nome, contudo, era perfeito: ninguém copiava músicas com tanta competência.

O disco foi o primeiro de uma série chamada As 12 Mais da Juventude. Os Carbonos gravaram Beatles (Ob-la-di, Ob-la-da), Jorge Ben (Ela é Minha Menina), Otis Redding (Sittin’ On, the Dock of the Bay), Roberto Carlos (É Meu, É Meu, É Meu), Procol Harum (A Whiter Shade of Pale) e muitos outros sucessos. Às vezes o conjunto preparava versões antes que as músicas originais chegassem às lojas. Raul conta que os produtores subornavam funcionários de outras gravadoras para ter acesso aos acetatos (discos “modelo”, que serviam de base para a prensagem de LPs) de futuros lançamentos. Os Carbonos decoravam as músicas e corriam para gravá-las no estúdio. A Beverly logo percebeu que o talento dos rapazes não se limitava ao rock e transformou Mário Carezzato no cantor “italiano” Mario Bruno, responsável pela série de discos As 12 Mais Italianas, com hits da música pop da terra de Rita Pavone.



Os Carbonos chegaram a tocar com Roberto Carlos no programa de tevê Jovem Guarda e se firmaram como uma das melhores bandas de baile do país, apresentando-se em longas excursões pelo Norte e Nordeste. Um de seus grandes sucessos foi a série Super Erótica– lançada em 1970 sob o pseudônimo de Magnetic Sounds –, que trazia canções de temas “adultos” como Doin’ It, de Ike Turner, Je t’Aime... Moi Non Plus, de Serge Gainsbourg. Os gemidos de Jane Birkin na versão brasileira foram gravados por Norma Aguiar, irmã da cantora Nalva Aguiar. Os discos chegavam às lojas com uma tarja que dizia: “Censura 18 anos”, além de um texto alertando que a radiodifusão e execução das músicas estavam proibidas em locais públicos. Foi um estouro de vendas.

Os rapazes, entretanto, logo cansaram da vida na estrada e passaram a se concentrar no trabalho em estúdios. Em pouco tempo se transformaram na banda mais procurada por gravadoras e artistas. Além de registrar incontáveis discos em conjunto, os músicos participaram, individualmente, de outros tantos: Raul fez vocais de apoio – junto com Antonio Marcos – em Aleluia (Che Guevara não morreu), de Sérgio Ricardo, e Moça, de Wando, e percussão em Entre Tapas e Beijos (Leandro e Leonardo) e Comer, Comer (Genghis Khan). Beto tocou baixo em inúmeros discos de Odair José e César Sampaio.

O trabalho no estúdio era extenuante. Os integrantes dos Carbonos liam partituras, registravam rapidamente e quase nunca erravam. Muitas vezes nem sabiam o que estavam gravando. “Os maestros e arranjadores chegavam com as partituras, a gente dava uma olhada e gravava, sempre de primeira”, conta Beto. Um dia, o maestro Rogério Duprat, responsável por alguns dos principais arranjos da Tropicália, entrou no estúdio acompanhado de Jorge Ben e Gal Costa. Duprat disse que queria gravar uma música, mas não tinha partitura. Pediu a Beto e Raul que observassem o violão de Jorge Ben e o acompanhassem. Beto tocou baixo e Raul, percussão. Meses depois, quando ouvia rádio, uma música chamou a atenção de Beto, uma canção bonita, suingada, com arranjo lindo e vocais de Gal e Caetano Veloso. Era Que Pena (do disco Gal Costa, de 1969). “Eu imediatamente reconheci o baixo e a percussão. Fomos nós que gravamos.” Músicos de estúdio raramente recebiam créditos nos discos. Raul diz que se arrepende de ter sido tão relapso: “Só nos interessava ganhar pela tabela do sindicato e não nos preocupávamos com os direitos.”

Os Carbonos impressionavam pela versatilidade: eram capazes de gravar rock, samba, sertanejo ou forró, imitando com perfeição os timbres característicos de cada estilo. “Não houve, em São Paulo, banda de estúdio tão boa; eles eram os melhores, os mais profissionais e os mais competentes”, diz Carlos Alberto Lopes, o “Sossego”, radialista e produtor musical que conheceu o conjunto em meados dos anos 60. “Há músicos que arrasam no palco, mas não rendem no estúdio. Os Carbonos eram ótimos nos dois”, conta Carlinhos Borba Gato, músico que fez sucesso cantando country (Pegue o Seu Sorriso) e se tornou um dos produtores e letristas mais requisitados do pop brasileiro na década de 80, como letrista para Genghis Khan (Comer, Comer), Rita Cadillac (É Bom para o Moral) e Gugu Liberato (Bota Talquinho).

Quando uma gravadora queria lançar uma canção de algum artista de outro selo, a solução mais fácil e barata era encomendar uma versão. Na segunda metade dos anos 70, com o mercado do disco em expansão e cada vez mais competitivo, a indústria dos covers proliferou. Não só as gravadoras menores apelavam a eles, mas também as multinacionais. A Odeon lançou a série Década Explosiva Romântica, em que o grupo The Fevers tocava – sem créditos, claro – versões de Bridge Over Troubled Water (Simon & Garfunkel), My Sweet Lord (George Harrison), Skyline Pigeon (Elton John) e Hey Jude (Beatles). A PolyGram atacou com a série Festa de Sucessos, com versões de You Are the Sunshine of My Life (Stevie Wonder), Why Can’t We Live Together (Timmy Thomas) e Oh, Girl (The Chi-Lites). Até a Som Livre, que chiou tanto com a versão cover do disco Água Viva, passou anos fazendo o mesmo com as outras gravadoras, como prova a série Super Parada – Sucessos Internacionais nas Paradas de Todo o Brasil.

A qualidade variava enormemente. Algumas gravações eram fiéis às originais, com bons arranjos e vocais em inglês correto; outras eram cantadas em puro “embromation”. As séries Premier Mundial [sic] e Super Explosão Mundial, da gravadora CID/Square, pareciam ter sido registradas no fundo de uma caverna, por cantores que estudaram inglês com o técnico Joel Santana. Já as faixas interpretadas pelos Carbonos impressionavam pela qualidade e apuro técnico. Em 1981, Hélio Costa Manso pediu a Mário Carezzato que gravasse Piano, música instrumental do argentino Bebu Silvetti, para a trilha da novela Jogo da Vida, da TV Globo. Com o pseudônimo de Bruno Carezza, Mário tocou em três pianos de cauda diferentes. O resultado foi tão bom que a RGE, gravadora que fora incorporada pela Som Livre, colocou a faixa na abertura do LP Piano Songs, com músicas românticas executadas por pianistas pop famosos, como Liberace e Pedrinho Mattar.

Lançar um disco de covers era um excelente negócio: os músicos de estúdio recebiam cachês fixos, sem direitos autorais, e o custo de produção era baixíssimo. Quando a Polydor lançou o álbum com a trilha sonora do filme Grease – Nos Tempos da Brilhantina (1978), pelo menos três discos de covers chegaram às lojas brasileiras ao mesmo tempo. Um deles, da RGE, não registrava nenhuma informação sobre os músicos, a não ser um nome claramente inventado: The Fantastic Soundtrack Band. Outro LP, do obscuro selo Aladdin, ligado à gravadora K-Tel, tinha um desenho tosco na capa, imitando John Travolta e Olivia Newton-John, e trazia versões produzidas pela gravadora alemã Countdown, especializada em covers. “Existiam muitas empresas na Europa e nos Estados Unidos, como a Countdown, a Odyssey e a PPX, que só vendiam covers”, conta Hélio Costa Manso. “Você comprava um cover por 200 dólares. Elas vendiam as músicas com ou sem vocal, caso você quisesse gravar a letra em português. Era fantástico.”

Muitos grupos da Jovem Guarda se especializaram em covers. Integrantes dos Fevers e do Renato e Seus Blue Caps fundaram o Big Seven, banda instrumental responsável pela série de LPs Os Sucessos num Super Embalo. Já Os Super Quentes, formado por membros dos Golden Boys, dos Fevers, do Trio Esperança e do Renato e Seus Blue Caps, lançaram dez discos de versões numa série chamada Os Super Quentes e os Sucessos.

As gravadoras brasileiras apostavam não só em covers gringos, mas também nos nativos. A partir do fim da década de 60, houve uma enxurrada de versões de músicas brasileiras de sucesso, com músicos de estúdio imitando artistas famosos. As capas dos discos – com títulos genéricos, como O Melhor de 1979 ou Sertanejo Bom Demais– exibiam os nomes das músicas e dos artistas que as tinham gravado originalmente, sem dizer que eram versões. O público também não percebia que se tratava de covers. Dono de um talento sobrenatural para imitar vozes, Raul Carezzato gravou sucessos de Paulinho da Viola, Benito di Paula, Wilson Simonal, Jair Rodrigues, Ronnie Von e até Johnny Rivers; Dudu França imitou Sidney Magal; e o sertanejo Fabiano se especializou em copiar duplas, como Tonico e Tinoco e Milionário e José Rico. O caso mais curioso é o de Wando, que gravou um coverde si mesmo: “Ele precisava de uma grana e topou gravar suas próprias músicas para um disco de versões”, revela Antonio Paladino.



No fim dos anos 70, o auge do mercado de versões no Brasil, a indústria do disco parecia um ringue de telecatch, onde vencia o mais esperto. E ninguém era mais esperto que Carlos Imperial. Alguns anos antes, ele descobrira o lucrativo e inexplorado filão das músicas de domínio público e passou a registrar várias em seu nome. Na biografia Dez, Nota Dez! Eu Sou Carlos Imperial, o autor, Denilson Monteiro, conta que até a mãe do produtor se indignou quando ele atribuiu a si a autoria de Meu Limão, Meu Limoeiro: “Carlos Eduardo, como você tem a coragem de dizer que essa música é tua? Meu filho, eu cansei de te embalar cantando ela quando você era recém-nascido!” Imperial respondia: “Comigo é assim: mulher e música, se não tiver dono, eu vou lá e apanho.”

Dudu França revela que, certa vez, ao gravar uma música de Imperial chamada Eu Te Amo Tanto, percebeu que se tratava de um plágio de Proposta, de Roberto Carlos. A canção era tão parecida que os músicos ironizaram: “Dudu, essa música chama Proposta ou Contraproposta?” Indignado, o cantor ligou para Imperial e disse que não iria cantar a música. “Eu falei: ‘Imperial, não vou gravar essa merda, é uma humilhação!’ Daí ele começou a gritar: ‘Seu babaca, você não apita porra nenhuma. Quem manda aqui sou eu!’ Mas eu não ia assumir um plágio, e só cantei a música depois que ele concordou em trocar a melodia. O Imperial mudava uma palavra de uma música minha e já entrava como compositor da faixa.” Hélio Costa Manso, que cansou de se apresentar como Steve Maclean no programa de tevê de Imperial, considera o amigo “um gênio do trambique”: “Tem uma música dele, Pra Nunca Mais Chorar, que foi um dos maiores sucessos da Vanusa e é chupada de Monday, Monday, do The Mamas & The Papas. O Imperial me dizia: ‘Hélio, eu não sou batedor de carteira; sou arrombador de cofre.’”

Um dos grandes trunfos do mercado, a partir da segunda metade da década de 70, foram os discos com medleys de faixas dançantes, também conhecidos como “som contínuo”. Com a popularidade da discoteca e a onda de bailinhos caseiros – quem era menor de idade ou não tinha grana para ir às badaladas Aquarius ou Papagaio fazia a festa em casa –, as gravadoras investiram com força no filão e ganharam muito dinheiro. Eram discos com faixas mixadas, sem intervalo, ideais para a pista de dança. Um dos primeiros LPs do gênero lançado no país foi New York City Disco, gravado pelo DJ Ricardo Lamounier, em 1976, que trazia faixas de sucesso de Diana Ross, K.C. & The Sunshine Band e Napoleon Jones (um dos muitos pseudônimos de um músico disco francês chamado – acredite – Jacques Pépino). A K-Tel inundou as lojas do Brasil com LPs como Disco Dance – Som Contínuo, Hit Machine e Dynamite; e Mister Sam lançou cerca de trinta bolachas com medleys de discoteca.

Outros ritmos dançantes, como samba e forró, ganharam discos com potpourris de sucessos. Os Carbonos gravaram as séries Samba Bom Nunca Morre e Forró Bom Demais (este, com o pseudônimo de Grupo Chamego). O disco de samba reunia 47 sucessos de Paulinho da Viola, Adoniran Barbosa, Martinho da Vila e Benito di Paula. Um dos volumes de Forró Bom Demais trazia 51 clássicos do gênero, como Asa Branca, Fricote, Homem com He Eu Só Quero um Xodó. É difícil imaginar um bando de descendentes de italianos fazendo-se passar por Martinho da Vila ou por Luiz Gonzaga em um disco, mas os Carbonos conseguiram tal proeza.

Dos integrantes originais dos Carbonos, apenas Mário, Raul e Beto Carezzato continuam se dedicando à música em 2014. Antônio Carlos de Abreu largou a bateria e foi trabalhar com o irmão, Sílvio de Abreu. O baixista e guitarrista Igor Edmundo morreu atropelado, e o guitarrista Ricardão faleceu após sofrer um AVC dentro do ônibus que levava a banda de Amado Batista.

Entre os milhares de discos que gravaram, um deles ainda hoje deixa Os Carbonos cheios de orgulho: Country Music, um LP com sete medleys, reunindo 51 canções de folke country de artistas como Bob Dylan (Blowin’ in the Wind), Creedence Clearwater Revival (Lookin’ Out My Back Door), Jimmy Webb (Wichita Lineman) e Bobbie Gentry (Ode to Billie Joe). O grupo gravou o LP com nome The Midnight Ramblers, e o disco é um verdadeiro “quem é quem” da cena brasileira de covers. Reúne a nata dos músicos de estúdio da época: além dos Carbonos, Luiz Carlos Maluly, do grupo Lee Jackson, nas guitarras e gaita; Reinaldo Brito no banjo; Chrystian (da dupla Chrystian & Ralf) nos vocais, junto com Vivian e Maria Amélia (Harmony Cats) e Hélio Costa Manso.



Se em São Paulo os Carbonos eram os mais requisitados para gravações, no Rio de Janeiro havia uma banda que parecia estar em todos os estúdios e bailes da cidade: Os Famks. Nos anos 70, o conjunto se apresentava em clubes como Ideal de Olinda, Pavunense, Mesquita, Centro Cívico Leopoldinense, Tijuca Tênis Clube e Grajaú Tênis Clube. Em 1980, resolveram parar de executar apenas música feita por outros e começaram um trabalho mais autoral. Decidiram também mudar de nome. Viraram Roupa Nova. O grupo gravou com Roberto Carlos (Côncavo e Convexo), Gal Costa (Chuva de Prata), Rita Lee (Flagra) e também com Erasmo Carlos, José Augusto, Joanna, Simone e Fafá de Belém.

Antes de se tornarem Roupa Nova, Os Famks lançaram onze discos de covers com o pseudônimo Os Motokas. Cada disco trazia na capa uma gata de biquíni montada em uma motocicleta (o volume 9 exibia Myrian Rios) e trinta músicas, divididas em dez medleys. Certa faixa podia começar com Lady Laura, de Roberto Carlos, e terminar com A Veces Tu, a Veces Yo, de Julio Iglesias, ou misturar Como Vovó Já Dizia, de Raul Seixas, com Kung Fu Fighting, o clássico da discoteca gravado por Carl Douglas. “No mesmo disco, eu tinha de imitar o Julio Iglesias, o Benito di Paula e o Genival Lacerda”, conta o cantor Paulinho, do Roupa Nova. Para os vocais femininos, Os Famks tinham a ajuda de cantoras como Claudia Telles, Lílian (da dupla Leno e Lílian) e Jane Duboc.

No começo da década de 80, já com o novo nome, o grupo passou a trabalhar para a TV Globo, em temas de programas como Jornal Nacional e Chico City. Gravaram também a antológica abertura do Cassino do Chacrinha (“Abelardo Barbosa/Está com tudo e não está prosa”) e o Tema da Vitória, canção instrumental composta pelo maestro Eduardo Souto Neto que acabou associada ao piloto Ayrton Senna.



Os Carbonos e Os Famks permanecem como heróis anônimos do pop brasileiro, sem créditos em discos nem menções em enciclopédias. Como ocorreu com muitos músicos de estúdio e compositores de aluguel, sempre atuaram nos bastidores, sem o reconhecimento do público. E os fãs raramente descobriram os mistérios detrás de muitas músicas. Ao menos no Brasil.

Um caso raro – talvez único – em que as maquinações da indústria musical vieram à luz foi o escândalo envolvendo o grupo pop Milli Vanilli. Criado em 1988 pelo produtor alemão Frank Farian, o Milli Vanilli era formado por dois dançarinos e modelos, o francês Fab Morvan e o alemão Rob Pilatus. O primeiro disco da dupla, Girl You Know It’s True, foi um grande sucesso no mundo todo e ganhou um prêmio Grammy de artista revelação.

O triunfo virou vergonha quando se descobriu o que muita gente já desconfiava: Fab e Rob não haviam cantado no disco. A farsa começou a desmoronar durante um show transmitido pela MTV – um problema no CD com os vocais fez a música pular, enquanto Fab e Rob continuavam a dançar e a cantar como se nada estivesse acontecendo. Para piorar a situação, Rob afirmou em entrevistas que era mais talentoso que Paul McCartney e Bob Dylan. Humilhados pela revelação de que não passavam de impostores, os dois modelos tiveram de devolver o Grammy. Rob morreria em 1998, de overdose de drogas e álcool, depois de passar alguns meses na cadeia por roubo. Fab continuaria cantando e lançando discos, mas sem o sucesso que obteve na época do Milli Vanilli.

Embora seja segredo de alguns poucos, o Brasil também teve seu Milli Vanilli: os primeiros discos dos Los Maneros, um trio pop formado em São Paulo nos anos 80 e que fez muito sucesso em programas de tevê, foram quase todos gravados pelos Carbonos. E uma pessoa que esteve presente em sessões de gravação dos discos dos grupos Blitz e Sempre Livre garante que boa parte deles foi executada pelo Roupa Nova.

por André Barcinsky

piauí

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3 comentários:

  1. Olá, venho fazer uma pequena ressalva. Em 1976, uma gravadora chamada PANORÂMICO (hoje Paulinas-COMEP), sediada em São Paulo desde 1964, mas fundada em 1960, lançou um disco d'Os Carbonos intitulado "MEU DEUS ME FALOU". O fato de este trabalho passar completamente despercebido hoje vem do fato de que até hoje, essa gravadora pratica um mercado próprio, ou seja, possui livrarias próprias. Suas produções em livros chegam normalmente às livrarias, mas suas produções em CD e DVD raramente chegam às lojas físicas de maior renome. O disco nunca foi remasterizado, ao contrário de um artista do cast que ninguém sabe de sua passagem pela gravadora, chamado "Fernando Santos", ou pelo pseudônimo "Gilberto" que usando apenas seu primeiro nome a partir de 1981, saindo do elenco (e do estilo religioso) da Panorâmico assinou com a RGE e se tornou o famoso JESSÉ. O disco está a venda em sites de e-comércio, mas se configura como uma raridade, visto que dos mais de 1200 títulos do catálogo da Panorâmico, e em constante crescimento sob o nome atual de PAULINAS-COMEP, somente umas 300 das produções da gravadora em LP chegaram ao mercado em formato CD, muitas de suas produções estão remasterizadas em coletâneas temáticas, mas a passagem dos CARBONOS por ela, tanto como instrumentistas (porque podem haver outras produções desta gravadora, já que a estudo desde 2008) como intérpretes no caso deste LP. Espero ter ajudado. Abraço

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  2. Caros, Tenho um LP intitulado "Os Grandes sucessos que o povo canta", Seleções Prêmio – SPLP-5500, de 1978, gravadora, Som Indústria e Comércio S.A. Eu gostaria muito de saber quem é a cantora que faz a musica Eu Preciso Abraçar-Te (Abbracciati).

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