O cineasta David Lynch veio ao Brasil para divulgar a técnica da meditação. Mas não é uma meditação qualquer, não. Segundo ele, só a transcendental é que é o máximo, um hábito ao qual ele aderiu já há mais de trinta anos. Lynch, que já fez dez filmes, não acredita no futuro do cinema, nem da televisão, muito menos do DVD. Tudo isso vai parar é na internet, com o seu maravilhoso e leve mundo digital.
Tudo o que o cineasta faz e gosta vai
entrando no endereço eletrônico através de vídeos, CDs com trilhas
sonoras de seus filmes e uma ampla lista de produtos que compõem sua
loja virtual: bonés, pôsteres, fotos, bótons, camisetas e até café
torrado, produzido com grãos orgânicos e vendido com a grife do diretor.
O café, uma obsessão do cineasta, ajuda a fundação David Lynch a
arrecadar fundos para programas de redução de estresse em escolas,
através da meditação transcendental. A fundação também estuda os efeitos
da meditação na criatividade, aprendizagem, depressão e o uso de
drogas. Meditação é um tema que tem ocupado cada vez mais David Lynch.
Sua vinda ao Brasil, em agosto de 2008, foi para divulgar o seu livro: Em águas profundas – criatividade e meditação.
Autobiográfico, o livro mostra como a meditação influenciou a vida e o
processo criativo de David Lynch. Típico americano de classe média,
Lynch gostava de desenhar e pintar, quando era criança. Acabou estudando
artes plásticas e foi a partir da pintura, ao fazer animações de seus
quadros, que ele passou a se interessar por cinema. Seu primeiro filme
veio em 1977, Eraserhead, é baseado em um episódio da vida
pessoal, quando sua namorada engravida. No filme, o bebê nasce com
deformidades, um impacto que marca a série de personagens bizarros e
complexos que também povoariam seus outros filmes. O sucesso de
bilheteria e crítica veio com o Homem elefante. A história de
um jovem que tem o rosto deformado por uma doença, e durante anos é
explorado como uma atração de circo. Foi indicado a 8 Oscar. O diretor
depois teve outras duas indicações por Cidade dos sonhos e Veludo azul, outros dois sucessos. Cidade dos sonhos
também foi prêmio de melhor diretor do Festival de Cannes de 2001.
Cannes há havia premiado David Lynch com a Palma de Ouro em 1990, pelo
filme Coração selvagem. O sucesso mundial do diretor veio com a série de TV Twin Peaks.
O título é o nome de uma cidade fictícia, no norte dos Estados Unidos,
habitada por personagens misteriosos. É o cenário para a história que
gira em torno da investigação sobre o brutal assassinato da adolescente
Laura Palmer. A série foi exibida entre 1990 e 1991, em vários países,
inclusive no Brasil, e deu origem a outro filme de David Lynch, Twin Peaks – os últimos dias de Laura Palmer.
Para entrevistar o cineasta David Lynch, o Roda Viva convidou Ricardo Calil, que é redator chefe da revista Trip; José Geraldo Couto, crítico de cinema e colunista da Folha de S.Paulo; Ubiratan Brasil, subeditor do Caderno Dois do jornal O Estado de S.Paulo e Leon Cakoff, crítico de cinema e diretor da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. A Laís Duarte, do jornalismo aqui da TV Cultura, vai fazer ao nosso entrevistado as perguntas dos telespectadores que foram encaminhadas antes, porque o programa de hoje é gravado. E claro, o Paulo Caruso está aqui também. Ele vai desenhando aí os momentos do nosso programa. Hoje você vai ter um concorrente, que é o próprio entrevistado, Caruso. Ele adora pintar também e faz os seus próprios desenhos. Boa noite, senhor David Lynch. Obrigada pela presença.
Lillian Witte Fibe:
Vamos começar falando sobre meditação, até para não contrariá-lo.
Meditação é conhecida entre a gente como o repouso da mente. Uma técnica
não invasiva, barata, custo zero, sem efeitos colaterais e que, até
onde a gente está informado, tem recebido cada vez mais adesões da
medicina ortodoxa e ocidental. Eu já li cardiologista falando que
meditação, combinada a uma dieta correta, faz mais bem, às vezes é muito
melhor do que o bisturi, para o coração. Com a gente aqui no Brasil, eu
acho que tem... existe uma certa curiosidade em entender qual é a sua
meditação, a transcendental. O senhor, nessa sua peregrinação pelo
Brasil, saberia dizer às pessoas que ficaram curiosas e interessadas
como achar, por exemplo, o professor certo a que o senhor se refere,
para a meditação transcendental aqui no Brasil? E, enfim, como tornar
possível, basicamente, se chegar à felicidade infinita?
David Lynch: Há
muitas formas de meditação. E nunca se diz que uma é melhor do que a
outra. Trata-se de uma escolha pessoal. Mas sempre digo que não saberia
que meditação iria fazer se me tirassem a meditação transcendental. A
meditação transcendental tira você da superfície da mente e lhe dá a
chave que abre a porta para os níveis mais profundos, para transcender
para uma consciência sem limites e para a felicidade. A felicidade
infinita. Ao vivenciá-la você se sente vivo e cresce através dela. Todos
têm consciência, mas nem todos têm o mesmo nível. Por que ficar com um
certo nível de consciência, se existe uma técnica disponível que lhe
permite expandi-la, trazendo-lhe apenas coisas boas? O efeito da
expansão da consciência é que a negatividade começa, de fato, a
diminuir. O peso da negatividade sob a qual vivemos. É algo muito
libertador. Entre outras coisas, ela elimina o estresse. Você vivencia
uma alegria infinita. Uma felicidade infinita. E vê o estresse
desaparecer completamente. Trata-se de um ensinamento bastante
específico. Você recebe um mantra, uma vibração sonora específica, que
mexe com a percepção interior e você mergulha, naturalmente, através de
níveis sutis da mente e do intelecto e transcende. Você precisa de um
professor verdadeiro para ensiná-lo. Para lhe dar o mantra e lhe dizer
como usá-lo. E então, quando souber como meditar corretamente, isso faz
parte da sua vida, você vai em frente e vê tudo melhorar.
Lillian Witte Fibe: Mas de que maneira, aqui no Brasil, as pessoas podem encontrar esse professor certo? O senhor sabe onde?
David Lynch: Há
professores de meditação transcendental em todas as cidades em que
estivemos. Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, e deve haver em
Porto Alegre, para onde vamos. Tenho certeza de que deve haver um
número para onde se possa ligar e achar um verdadeiro professor de
meditação transcendental.
Lillian Witte Fibe: Ok. Quem é o próximo?
Ubiratan Brasil: Eu. Professor Lynch.
David Lynch: Sim.
Ubiratan Brasil:
Falando em torno desse assunto. Como que, então, essa meditação,
realmente, influencia ou influenciou, desde o início da sua carreira, o
seu trabalho? É possível a gente imaginar que a sua carreira poderia ter
sido diferente, se o senhor não tivesse aderido a essa meditação?
David Lynch: Sim.
Como todos os seres humanos - e isso é algo relativo -, mas eu era muito
tenso, sentia-me muito estressado, um pouco deprimido e era muito
irritado. Digo que a negatividade é inimiga da criatividade. E, quando
eu comecei a meditar, essa irritação, naturalmente, desapareceu. Quase
desde o início. A felicidade começou a surgir de dentro e me vi mais
feliz com meu trabalho. O peso da negatividade se dissipou e fui tomado
por um sentimento de liberdade. E nesse sentimento de liberdade, senti
um maior fluxo de criatividade, um fluxo de idéias. E, como costumo
dizer, quando a consciência começa a aumentar, as idéias surgem de um
nível mais profundo. Expanda a consciência, e as idéias vêm de níveis
cada vez mais profundos, nos quais há mais informações e maior
compreensão. Portanto, você compreende o que está ocorrendo. Há um
oceano de consciência pura. E esse sentimento leva à ferramenta número
um do artista: a intuição. Leva-nos a reconhecer quando uma coisa está
errada e a encontrar uma maneira de corrigi-la e à felicidade de fazer
isso. Há uma energia de felicidade. Você se livra do cansaço e estresse e
do que o está consumindo.
Ricardo Calil: Mister Lynch.
David Lynch: Sim.
Ricardo Calil: No
livro que o senhor veio lançar no Brasil, o senhor em um capítulo fala,
por exemplo, sobre a beleza que consegue enxergar em um corpo
decomposto. No capítulo seguinte, o senhor fala sobre harmonia, sobre
paz, sobre iluminação. Não existe uma contradição ou um paradoxo entre o
cineasta dedicado ao bizarro e essa figura pública que se tornou o
porta-voz da meditação?
David Lynch: Não.
[risos] E vou lhe dizer o motivo. Eu me apaixono por idéias. E vou me
apaixonar por idéias diferentes daquelas pelas quais você vai se
apaixonar. Mas, quando se está apaixonado, se está apaixonado. E sempre
digo que há toda uma coisa a respeito dos artistas - e eu sou um deles,
e, sem dúvida, eu já era um artista antes de começar a meditar - que,
quanto maior o sofrimento, a angústia, quanto maior o estresse, mais
alimento há para o trabalho. E isso vem de uma coisa estranha, na
França, creio, dos artistas famintos das águas-furtadas. Uma coisa
romântica para quem está de fora, mas nada romântica para o artista que
está morrendo de fome. Eles adorariam ser capazes de fazer seu trabalho e
ter algum dinheiro para comprar seus materiais para trabalhar e se
sentirem felizes com isso. O sofrimento é inimigo da criatividade. As
histórias através dos tempos estão repletas de contrastes, de altos e
baixos. Situações de vida e morte. Muito sofrimento, muita agonia,
negatividade. É disso que as histórias são feitas, da condição humana.
E, com freqüência, as histórias refletem o mundo em que vivemos.
Portanto, vivemos em um mundo bastante negativo. Mas o artista não tem
de sofrer para falar de sofrimento. Basta compreendê-lo. Você não
precisa morrer para filmar uma cena de morte. Basta compreendê-la. E a
compreensão cresce quando você, de fato, transcende. E a infinita
inteligência está ali. As coisas ficam cada vez mais claras, e isso
alimenta o trabalho.
Lillian Witte Fibe: Agora a ala de lá quer fazer pergunta.
José Geraldo Couto: Senhor Lynch.
David Lynch: Olá.
José Geraldo Couto: Tudo bem? Eu gostaria de fazer uma pergunta sobre o filme The straight story, que aqui no Brasil chamou Uma história real.
Eu sei que se baseou em uma história real, de fato, um personagem
chamado Alvin Straight. Mas me parece também que é uma espécie de
resposta irônica do senhor aos críticos mais conservadores, que viviam
cobrando do senhor que contasse uma história linear, com começo, meio e
fim, com personagens coerentes, motivações claras, transparentes, e, se
possível, com um final edificante, uma mensagem positiva. E, de certo
modo, foi o que o senhor fez, com o The straigh story. Entregou
esse tipo de filme, só que à sua maneira, com o seu estilo. O próprio
título, embora seja o nome do personagem [Alvin Straight], o The straight story, parece brincar com os vários sentidos da palavra straight
em inglês, né? Eu gostaria que senhor falasse um pouco sobre esse filme
no conjunto da sua filmografia, no começo da sua carreira. A sua
motivação para fazê-lo e tal. Como você vê a relação com os outros?
David Lynch: Minha
terceira mulher, Mary Sweeney [(1953-) editora e produtora de cinema,
trabalhou com Lynch em vários filmes e séries de televisão. Casou-se com
ele em 2006, mas divorciaram-se após um mês, sob o argumento de
diferenças irreconciliáveis. O casal tem um filho, Riley Sweeney Lynch,
nascido em 1992], e um amigo dela, John Roach [presidente da JRP (John
Roach Projects), uma produtora de vídeo e filmes em Madison, Wisconsin,
nos Estados Unidos], tiveram a idéia de escrever um roteiro sobre Alvin
Straight. A história fora publicada em jornais, com base em uma situação
real. Eles conversaram comigo a respeito: “Estaria interessado em
filmar isso?”. Durante três anos, eles conversaram comigo, e eu não
tinha nenhum [enfatiza] interesse pela história. [risos] Mas, quando
terminaram o roteiro, eles o enviaram a mim e eu me sentei e comecei a
ler, e esse roteiro me emocionou. E eu disse: “isso é muito bonito.”. E
mudei completamente minha opinião a respeito. E sempre digo que, embora
seja linear, trata-se de meu filme mais experimental, pois há poucos
elementos nessa história que seguem uma linearidade. E a maneira como se
consegue emoção a partir desses poucos elementos... Não há nada, além
disso, é algo direto. Por isso, trata-se de algo, de certa forma,
experimental. Muitas vezes, todos os elementos precisavam me parecer
bons para que a emoção aflorasse. E todos nós sabemos como é isso. Às
vezes, vemos atores ou atrizes chorando na tela, e o público nada sente.
E talvez vejamos atores ou atrizes rindo na tela, e todo o público está
comovido. Pois as pessoas sentem o que aquele riso significa. É um
negócio muito complicado. Mas eu me apaixonei por causa da emoção. E
esse filme é diferente de outros filmes que fiz, embora se aproxime, de
certa forma, de O homem elefante.
Lillian Witte Fibe: Leon.
Leon Cakoff:
Então... eu sinto, eu vejo, acompanho a sua carreira. E vejo que o
senhor é muito querido e prestigiado na Europa. Eu acho que, graças a
iniciativas na Europa, agora você mesmo citou o Roach e tem o caso da
Fundação Cartier [a Fondation Cartier pour l’art contemporain, em Paris,
fez uma exposição intitulada “The air is on fire”, entre março e maio
de 2007], que fez esse belíssimo... essa belíssima exposição com o seu
trabalho, e onde se prova que você realmente é um artista multimídia,
capaz de atacar todas as áreas. E o último Festival de Cannes, com uma
foto desfocada sua, fez um belíssimo pôster. Então, o seu prestígio é
muito alto e você é muito querido, graças a iniciativas européias. Eu
percebo isso e a gente acompanha isso. E eu sei que você... esse livro Em águas profundas,
que está sendo lançado agora, no Brasil... Você declarou em alguma
entrevista que eu li que a renda do livro e dos seus trabalhos seria
revertida para uma fundação que leva o seu nome: David Lynch. Eu queria
saber: qual é o propósito dessa fundação?
David Lynch:
Chama-se Fundação David Lynch para a Educação Consciente e Paz Mundial.
Arrecadamos fundos para oferecer a meditação transcendental, a qualquer
aluno que a queira, em qualquer parte do mundo. Ou a qualquer escola
que a queira para toda a escola, alunos, docentes, diretores. Antes da
fundação havia três escolas nos Estados Unidos que haviam utilizado a
meditação para a escola toda. Hoje são dezesseis. Algumas das escolas
que a utilizaram recentemente estavam entre as piores em seus estados.
Havia violência, depressão, suicídios, brigas nos corredores, quase o
tempo todo. Não eram escolas às quais você gostaria de enviar seus
filhos. Eram, realmente, problemáticas. Haviam tentado tudo. E elas
podem ter se perguntado: “Como é que esse negócio esquisito de meditação
pode fazer alguma coisa por nossa escola?”. Mas elas começaram a ouvir
histórias sobre o que havia acontecido em outros lugares e levaram isso
para suas escolas. Em um ano, houve uma guinada de cento e oitenta
graus. Os alunos estavam felizes. Era algo que vinha de dentro. Essa é a
técnica deles. Eles mergulham para dentro de si mesmos, duas vezes por
dia. As notas aumentaram. O bom relacionamento entre eles veio
naturalmente. O professor está tentando ajudar você e há uma perspectiva
totalmente nova. Os professores sorriem e contam histórias a respeito
da enorme diferença. Ela elimina o estresse, você simplesmente se livra
dele. A raiva se dissipa: “qual é o problema?”. Eles começam a olhar
para o mundo de maneira diferente e dizem: “o mundo é o que somos. Ele
pode ser muito bonito. Está tudo aí.”. Trata-se de um campo unificado da
ciência, que sempre esteve e sempre vai estar ali. A meditação
transcendental não é religião, não é culto. É uma técnica para mergulhar
dentro de si próprio. E é próprio do ser humano praticá-la. Todo ser
humano tem como seu direito nato o esclarecimento. O potencial humano é
imenso e belíssimo. E a Fundação David Lynch apenas tenta colocar isso
em prática.
Lillian Witte Fibe:
Senhor David, falando em técnicas zen etc, essas pulseirinhas na sua mão
direita têm alguma relação com a meditação? Ou são muito pessoais para o
senhor contar o significado delas?
David Lynch: Essa me foi dada na Índia, depois de uma cerimônia. Por isso a estou usando. Deve-se usá-la até que ela se solte.
Lillian Witte Fibe: Foi ele que morreu agora, no começo do ano? O mestre da meditação.
David Lynch: Não.
Maharishi Mahesh Yogi [(1918-2008) guru indiano adepto e divulgador da
meditação transcendental, discípulo de Guru Nanak] é um professor. A
meditação transcendental é uma técnica mental, mas uma técnica mental
antiga. Uma antiga forma de meditação, que Maharishi Mahesh Yogi trouxe
para nosso tempo.
Lillian Witte Fibe:
Ok. Nós vamos fazer um intervalo, lembrando que, por se tratar de um
programa gravado, as perguntas de telespectadores apresentadas aqui -
daqui a pouco, assim que a gente voltar de intervalo, a Laís vai começar
a fazer - chegaram antecipadamente e pela internet através do nosso
site que é: www.tvcultura.com.br/rodaviva.
Você pode se informar também sobre os próximos programas e mandar
e-mail, dando críticas, sugestões, ou mesmo fazendo perguntas para a
gente. A gente volta já, já.
[intervalo]
Lillian Witte Fibe: Nós estamos de volta com o Roda Viva,
que hoje entrevista o cineasta americano David Lynch, que, entre um
filme e outro, é também escritor, fotógrafo, pintor, compositor e,
principalmente, meditador. Senhor David, o senhor tem falado muito... Eu
sei que o senhor não vai ter uma resposta sobre o futuro - o senhor já
disse em outras das suas entrevistas -, mas o senhor tem falado muito
também sobre o fim dos filmes. E tem afirmado que o futuro está na
internet, principalmente, na entrevista que o senhor deu para o
Ubiratan, no Caderno Dois, do Estado de S.Paulo. Dá para o senhor explicar melhor para a gente o que o senhor antevê em matéria de digitalização da sétima arte?
David Lynch: Não sei
tudo o que está ocorrendo. Mas creio que todos sentimos uma enorme
mudança no cinema, como a ocorrida com a música algum tempo atrás. A
internet está cada vez mais rápida, com melhor qualidade. Cada vez mais
pessoas assistem a filmes e programas de televisão, todos na internet.
Ouvi dizer que o público das salas de cinema está diminuindo. A venda de
DVDs está diminuindo. O que aponta para o fato de a internet estar
ganhando espaço. O filme, ainda que maravilhoso, o filme em celulóide é
grande, pesado e lento, o que me lembra os dinossauros desaparecendo
discretamente. O filme digital está cada vez melhor. No mundo da
fotografia, quase não há mais filme. E o mesmo está ocorrendo com o
cinema.
Lillian Witte Fibe: Em que tamanho de tela nós veremos os próximos filmes? Será que a tela grande acabou?
David Lynch: Adoro a
tela grande e aquele som de qualidade. E espero que os filmes possam
chegar até nós, em máquinas minúsculas, que nos permitam projetá-los na
parede. Grandes e com um som espetacular, para que possamos entrar em um
outro mundo e, realmente, vivenciarmos algo novo.
Lillian Witte Fibe: Laís.
Laís Duarte: Pergunta
enviada por Renato Barbiere, de Brasília: "Em todo ciclo de produção de
um filme, qual é o momento mais desafiante para o senhor?".
David Lynch: Eles
têm quase a mesma relevância, são todos muitíssimo importantes. Todo o
processo é muito agradável. Tudo se resume a ter uma idéia, se apaixonar
por ela e então traduzi-la para o cinema. E o cinema é composto por
inúmeros elementos. Portanto, trata-se de algo que se faz passo a passo,
dia a dia, tentando aproximar-se, e não se agastando do que lhe parece
correto. Todo o processo é muito bonito.
Ubiratan Brasil: Senhor Lynch,...
David Lynch: Sim.
Ubiratan Brasil: ...
há um trecho aqui no seu livro que me chamou a atenção, que o senhor
diz que adora a lógica dos sonhos, adora a forma com que eles se
desenrolam. Mas dificilmente extrai idéias dos sonhos, o que, às vezes,
até soa um pouco estranho. Vendo os seus filmes a gente imaginaria que o
senhor já teria sonhado, por exemplo, com uma orelha encontrada na
relva, por exemplo. Por que os sonhos não são tão fontes de inspiração
para o senhor?
David Lynch: Eles
apenas não têm sido uma fonte. Mas o cinema pode dizer coisas concretas e
abstratas. Pode dizer algo de uma forma onírica. Portanto, as idéias
chegam, e acho que me apaixono por elas. Idéias com um lado concreto,
mas também com abstrações. Adoro isso. E gosto de sonhar acordado. É uma
maneira de captar idéias. Às vezes, as idéias surgem quando menos
esperamos. Portanto, tudo se resume a idéias. Mas adoro abstrações.
Ricardo Calil:
Senhor Lynch, no seu livro, o senhor diz que faz - uma informação muito
surpreendente para mim - que o senhor faz testes de audiência dos seus
filmes com o público. Não sei se de todos ou de alguns deles, assim. Eu
gostaria de saber qual é o papel do público para o seu cinema durante o
processo, ou seja, o senhor pensa no público em algum momento? É difícil
para mim imaginar que o senhor faça isso com um filme como o Império dos sonhos, por exemplo, que tem três horas, que é um filme muito desafiador. O público faz parte da equação?
David Lynch: O
público não faz parte disso. Tudo se resume à idéia. Creio que, se eu
for fiel à idéia e fiel a todos os elementos, com base naquela idéia, e
não me afastar dela até que tenha algo que me pareça correto, existe a
possibilidade de o público sentir a mesma coisa. Por isso o público vem
depois. Se eu permanecer fiel à idéia, então, ele pode vir a sentir o
mesmo que eu. E a “sessão teste” não precisa envolver muitas pessoas.
Mas próximo do final do processo, quando se trabalha com o todo, se você
se sentar com 12, 14 ou quarenta pessoas, é possível aprender coisas
valiosas. E elas não precisam escrever o que acharam, mas apenas sentir.
E você sente quando a coisa não está funcionando. E então você volta
correndo e tenta consertar o que não funcionou. Às vezes, a coisa toda
parece ir muito bem. Essas pessoas podem, de fato, ensinar muito a você.
Lillian Witte Fibe: Diga lá, José Geraldo Couto.
José Geraldo Couto: Por
favor, o seu cinema é muito pessoal, né? O senhor é um dos cineastas
que conseguem ter um universo muito particular, muito próprio, e
inconfundível. Eu queria saber, do cinema que se faz atualmente no
mundo, o que ainda comove o senhor? O que empolga ou, no mínimo,
interessa ao senhor, no cinema que se faz hoje no mundo? Porque eu acho
bem diferente daquilo que é o seu cinema. Isso é uma coisa. E a outra é
se o senhor costuma acompanhar cinematografias periféricas, digamos,
como a asiática ou a latino-americana...
David Lynch: Eu sou tão ignorante sobre o cinema no mundo. Gosto de fazer filmes e gosto de trabalhar. Não sei, por exemplo, como Martin Scorsese
- ele tem a reputação de ser, talvez, o maior entusiasta por filmes do
mundo - não sei como ele acha tempo para assistir a todos esses filmes.
Portanto, não consigo, realmente, responder a sua pergunta. Aki
Kaurismäki [(1957-) roteirista, produtor e cineasta finlandês] parece
estar fazendo coisas muito interessantes. Pedro Almodóvar [(1951-), um
dos mais importantes cineastas espanhóis. Ver entrevista com Almodóvar no Roda Viva]...
Gosto de Werner Herzog [(1942-) documentarista e cineasta, um dos
maiores nomes do novo cinema alemão, movimento iniciado nos anos 1970]
como cineasta, como pessoa, personalidade. E gosto de seus filmes.
Stroszek [filme de 1977 escrito em quatro dias para o ator Bruno
Schleinstein. Filmado em Berlim e em duas cidades de Wisconsin, nos
Estados Unidos, o filme conta a história de um músico de rua alcoólatra
que, pouco depois de ser libertado da prisão, conhece uma prostituta] é
um de meus favoritos. Há muitas pessoas fazendo bom cinema moderno, mas
não sei muito a respeito.
José Geraldo Couto: O
que o senhor acha, por exemplo, de David Cronenberg [(1943-) cineasta
canadense, um dos principais exponentes do chamado horror corporal, que
explora os medos humanos ante a transformação física e a infecção]?
Porque me parece também um cineasta que trabalha dentro da indústria ou
nas franjas, no limite da indústria, mas com uma linguagem e uma
personalidade muito original e muito própria.
David Lynch: Sim, ele diz o que pensa. Mas não conheço bem seu cinema. Ele trabalha com liberdade e o que diz tem repercussão.
Leon Cakoff: Senhor
Lynch, eu creio que uma das maiores hipocrisias sociais, à parte fingir
que não existe fome e miséria no mundo, seja ignorar o vasto império das
drogas e das suas ramificações na economia. E junto com isso, as
legiões de drogados que existem no mundo. Como é que a sua arte de
meditação pode ajudar os drogados do mundo?
David Lynch:
Maharishi sempre diz: “Regue a raiz e aproveita os frutos.”. No que se
refere ao indivíduo, aguar a raiz é transcender, vivenciando aquele
nível mais profundo. Dê vida a isso e toda a árvore cresce à perfeição.
Em nosso mundo, se dissermos: “Regue a raiz e aproveite os frutos” e
pensarmos no mundo, veremos que as folhas de nossa “árvore-mundo” têm
muitos problemas. Estão ficando amarelas, marrons, os galhos
abaixados... E nós trabalhamos na superfície, tentando apanhar essa
folha que representa a Aids e tentamos deixá-la verde outra vez.
Livramo-nos da Aids. Essas folhas representam um tipo diferente de
câncer, e tentamos deixá-las verdes despejando milhões de dólares para
deixá-las verdes. Essas representam drogas. Todos os tipos de drogas. E
os traficantes, os assassinatos e tudo a elas relacionado. Tudo isso
afeta a sociedade e tudo o mais ao nosso redor. Essas são curas pela
superfície. Curativos precários. Se você pudesse - e a tecnologia existe
para isso – dar vida a esse campo de unidade, esse campo de consciência
sem limites, de alegria, energia, inteligência, criatividade e amor
universal, se pudéssemos dar vida a isso com um grupo que pratique a
meditação transcendental e suas técnicas avançadas... Eu viajei com um
dos maiores físicos quânticos do mundo, e esse grupo teria uma energia
enorme. Toda a energia que dá vida ao universo está ali. E toda ela é
positiva. Um grupo criador de paz tem muito mais força do que o mesmo
número de pessoas não agrupadas. Esse campo é tão poderoso que
precisamos apenas da raiz quadrada de 1% de uma população para que essas
coisas comecem a acontecer. A raiz quadrada de 1% do Brasil
corresponderia a 1400 ou 1500 meditadores avançados. Regue a raiz,
começando do nível mais profundo, e tudo surge à perfeição [abre os
braços, como se fosse a árvore crescendo]. Surgem flores e frutos. E
para a “árvore-mundo” esse fruto é a paz. Dizem que a verdadeira paz não
é tão somente a ausência de guerra, mas a ausência de negatividade. Das
sementes da guerra. E isso nunca ocorre na superfície – no nível das
folhas. Ocorre de forma bela e totalmente científica, ao se estimular
aquele nível mais profundo – o nosso “eu”. Na linguagem védica, esse
nível mais profundo é o atma, o “eu”. Conheça a si próprio. Conheça a si
próprio se desvendando. E irá desvendar todo o seu potencial como ser
humano.
Laís Duarte: Senhor Lynch. A Fernanda Vogue, aqui de São Paulo, pergunta: o que o senhor acha da série de desenhos animados Os Simpsons? Existe alguma semelhança entre os trabalhos do senhor e os episódios do desenho?
David Lynch: Não conheço Os Simpsons muito bem, mas meu filho Riley adora Os Simpsons. Matt Groening [(1954-) cartunista norte-americano que criou as séries de televisão Os Simpsons e Futurama, das quais é consultor criativo] fazia os quadrinhos tempos atrás e eu tinha o meu, O cão mais raivoso do mundo, no mesmo jornal, acho. O cão mais raivoso do mundo não me rendeu nada, mas Matt faturou trilhões.
[Risos]
Lillian Witte Fibe: Nós vamos fazer então mais um intervalo, lembrando que a memória do Roda Vida está disponível em nosso site www.tvcultura.com.br/rodaviva, onde você pode pesquisar o conteúdo do nosso arquivo e também mandar e-mails com críticas e sugestões. A gente volta já, já.
[intervalo]
Lillian Witte Fibe: Você acompanha hoje no Roda Viva
a entrevista com o cineasta americano David Lynch. Um dos diretores
mais cultuados do cinema contemporâneo. Dirigiu, entre outros, O homem elefante, Veludo azul, O império dos sonhos e a famosa série de TV Twin Peaks.
Senhor David Lynch, eu vou confessar que eu tenho uma inveja de uma
coisa no senhor: é a sua fidelidade ao seu corte de cabelo. Eu queria
ser tão fiel assim ao meu corte de cabelo. Nada o faz mudar de idéia?
Quem bolou esse corte de cabelo que o senhor mantém há quantos anos
mesmo?
David Lynch: Acho
que há bastante tempo. Creio que desde a sétima série. E é, de certa
forma, inspirado em Elvis Presley [(1935-1977) músico e ator
estadunidense, conhecido mundialmente como o "rei do rock"]...
Lillian Witte Fibe: Ah, ok.
David Lynch: Com uma certa variação. Mas o seu cabelo é muito bonito.
[Risos]
Lillian Witte Fibe: Ok. Eu queria que o senhor falasse um pouco também - até para não frustrar os nossos telespectadores - sobre Twin Peaks. Depois se transformou em um filme do qual o senhor não gostou totalmente. Sobre o sucesso da televisão.
David Lynch: Não. Eu gostei muito do filme. Eu não gostei foi de Duna [adaptação cinematográfica do livro homônimo de Frank Herbert, Duna é uma super produção de ficção científica dirigida por David Lynch lançada em 1984, que foi um fracasso de bilheteira].
Lillian Witte Fibe: Do filme. Do longa metragem também? Também do final? Do final da série da TV que o senhor não gostou. Foi isso?
David Lynch: O final
da série de TV desagradou muita gente. E, de certa forma, também me
desagradou. Mas Mark Frost e eu, que a escrevemos, imaginamos que a ABC
talvez mudasse de idéia e fizesse ao menos mais uma temporada, e então
poderíamos mudar aquele final de certa forma negativo. Mas isso não
aconteceu.
Lillian Witte Fibe: E do filme... O filme se pagou? Foi um sucesso? Porque muito dos seus filmes, o senhor diz que não chegaram a se pagar, né?
David Lynch: Acho que nunca fiz uma empresa perder dinheiro, mas nunca ganhei muito.
[Risos discretos]
David Lynch: Quanto a Twin Peaks: os útlimos dias de Laura Palmer, eu adoro esse filme. Mas ele não teve uma boa aceitação mundial. E creio que porque... muito do humor de Twin Peaks não estava ali, pois não havia humor nos últimos dias de Laura Palmer.
Lilliam Witte Fibe: O senhor está agora só produzindo um filme de um diretor chinês. O senhor não tem próximos projetos cinematográficos?
David Lynch: Não há nenhum chinês.
Lilliam Witte Fibe: Chileno, chileno. Eu li em algumas de suas entrevistas, o senhor está...
David Lynch: Jorodowsky será o produtor executivo de seu filme...
Lilliam Witte Fibe: Isto. Hã, hã.
David Lynch: E, então, Werner Herzog será o produtor executivo de um filme que ele irá fazer.
Lilliam Witte Fibe: Ah, então o senhor tem duas produções nos projetos?
David Lynch: Mas nenhum deles já está sendo produzido. Ainda não.
Lilliam Witte Fibe: Ah, ok. Está bom. Diga lá.
Ubiratan Brasil:
Senhor Lynch, no outro bloco, falando das suas... de alguma de suas
preferências cinematográficas, o senhor citou um diretor finlandês, [Aki
Kaurismäki] citou um espanhol [Pedro Almodóvar], um alemão [Werner
Herzog] e Cronenberg, que é canadense, mas não falou de nenhum
americano. Isso foi por alguma diplomacia? Ou porque, realmente, o
cinema americano hoje em dia não lhe interessa tanto?
David Lynch: Sei que há grandes diretores americanos... Gosto de Boogie nights [no Brasil, Prazer sem limites
(1997)], de Paul Thomas Anderson [(1970-) cineasta estadunidense
indicado duas vezes ao Oscar de melhor roteiro original pelos filmes Boogie Nights e Magnólia], mas não gostei de seu último filme [There will be blood, no Brasil Sangue negro, drama lançado em 2007, cujo roteiro baseia-se no livro Petróleo! (1927), de Upton Sinclair]. Eu o considero muito talentoso.
Ubiratan Brasil: E nenhum outro cineasta chama a sua atenção hoje?
David Lynch: Não. Eu gosto de trabalhar.
[Risos discretos]
Ricardo Calil:
Senhor Lynch. Eu gostaria de saber em quem o senhor vai votar nas
próximas eleições dos Estados Unidos e se o senhor acredita que a
política pode ajudar nesse caminho de busca pela paz.
David Lynch: Vou
votar em Barack Obama [então candidato do Partido Democrata à
presidência dos Estados Unidos, eleito em 2009] nas próximas eleições.
Creio que os Estados Unidos já desceram muito e está na hora de se
levantarem. Creio que se diz que o presidente é tão bom quanto o povo
que representa. É a consciência coletiva do povo. Portanto, quando você
vê um presidente como George Bush, você começa a se perguntar sobre o
povo do país. Quando se consegue elevar o nível de esclarecimento e a
educação do povo, tem-se um líder melhor. E uma maneira de fazer isso é
deixar que as pessoas transcendam e deixem que aquele nível mais
profundo – de pura consciência – venha à tona. E que as pessoas expandam
sua inteligência, sua criatividade, seu amor, que sejam mais felizes. E
isso trará grandes mudanças. Chega de George Bush.
Laís Duarte: Senhor
Lynch, Lucas Valente, de Porto Alegre, pergunta: "Qual é a influência
nos seus filmes da sua infância? Da juventude? E da relação com os seus
pais?".
David Lynch: É uma
boa pergunta. Creio que os lugares realmente despertam idéias. Eu vivi
no noroeste do país até os 14 anos. Passei bastante tempo na mata.
Portanto, conheço a mata. Conheço o mistério da mata. [tamborila os
dedos no ar enquanto fala] E tenho certeza de que isso me influenciou.
Tive uma infância muito feliz, e tive muitos sonhos felizes. E acho que
isso lhe dá bagagem para o futuro. Minha mãe recusava-se a me dar livros
de colorir, mas me motivava com muito papel em branco e material de
desenho, pois ela via que eu adoro desenhar. Por isso, creio que essa
liberdade tem uma grande importância. Toda criança vê coisas no mundo e
sente essas coisas. Você vê uma casa, por exemplo, e sente algo por trás
das paredes, dentro da casa. Você, simplesmente, sabe de alguma coisa.
São mistérios, algo muito bonito.
José Geraldo Couto:
Senhor Lynch, uma pergunta bem prosaica. O senhor disse em uma
entrevista recente que costuma meditar duas vezes ao dia: vinte minutos
pela manhã e vinte minutos à noite. Eu sei que o senhor está
atravessando uma verdadeira maratona de compromissos aqui no Brasil,
esses dias. Então a minha pergunta é se o senhor está conseguindo
cumprir essa sua prática de meditação duas vezes ao dia. Como é que o
senhor está administrando seu tempo?
David Lynch: Medito há 35 anos duas vezes por dia e nunca deixei de meditar um dia sequer.
José Geraldo Couto: Nem durante filmagens? Realização de um filme?
David Lynch: Não.
Nunca deixei de meditar um só dia em 35 anos. É tão fácil encontrar
vinte minutos pela manhã e vinte minutos à tarde. Mas é verdade. As
pessoas dizem: “Não tenho tempo para isso. Meu dia é tão cheio que não
posso fazer isso. Além do mais, não acho que isso vá mudar a minha
vida.”. E então não meditam. Mas é muito fácil de fazer. E não é um tipo
de meditação que exija concentração e esforço. Uma vez voltando para
dentro de si mesmo, você mergulha naturalmente. E por que é natural?
Porque a cada nível mais profundo da mente e do intelecto há maior
felicidade. E, ao transcender, a felicidade é infinita. Basta ir naquela
direção. É algo profundo, mas é fácil e não exige esforço. Você termina
a meditação com tamanha energia e sentimento de renovação, tamanha
felicidade... Dizem que esse êxtase é uma felicidade física, emocional,
mental e espiritual. Você consegue vibrar em felicidade. E é o tipo de
felicidade que não se perde. Procuramos por felicidade aqui fora e a
encontramos algumas vezes. Mas esse é um mundo de mudanças e, assim, a
vemos ir embora. E então a procuramos em outro lugar. Mas a verdadeira
felicidade está dentro de você e torna a vida melhor. Você diz a alguém:
“você tem a chave do cofre, você não precisa ir ao banco.”. Você diz:
“eis a chave do cofre”. E ouve: “não, não tenho tempo.”. Mas é possível
pegar a chave, ir até o cofre e encontrar uma enorme quantidade de ouro
ali. Viva!
Lillian Witte Fibe: O senhor pratica algum esporte?
David Lynch: Às vezes, gosto de caminhar.
Lillian Witte Fibe: Ok. Leon.
Leon Cakoff: Senhor
Lynch, a gente sabe, isso é evidente, que a principal indústria
americana, a indústria número um, é a de armamentos. E a segunda é de
cinema, que fetichiza os armamentos na sua maior variedade e
diversidade. E o seu cinema, de certa maneira, é boicotado por
Hollywood, que fetichiza os armamentos e aplica em muitos filmes de
ação, nos seus enredos, com muita arma, muita fetichização de arma. Isso
é um motivo, na sua opinião, de você ser boicotado, assim, pelo sistema
de Hollywood e necessitar de parceiros europeus para fazer cinema?
David Lynch: Não sou
boicotado por Hollywood. Entretanto, muitas vezes, a não ser que seus
filmes rendam US$ 100 milhões, eles não lhe permitem a edição final. E
se não me é permitido isso, não consigo trabalhar com eles. Prefiro não
fazer o filme e fazer qualquer outra coisa. Se você não pode fazer o
filme que deseja fazer, não há como fazê-lo. Mas, assim como o mundo
muda, o cinema irá mudar. Vá a qualquer museu e verá como as coisas
mudam. É o que ocorre hoje. Mas acredito que as coisas já estão mudando
para melhor. E esse tipo de coisa vai desaparecer. Comerciantes de armas
podem mudar sua produção e fazer um tipo diferente de máquina. E podem
ser felizes e ter lucro com isso. Isso já está ocorrendo.
Laís Duarte: Senhor Linch, o Edilson Palhares, de Araxá, Minas Gerais, pergunta: "Visto que a versão estendida de Duna, em DVD, não o agradou, os fãs de Duna podem esperar uma versão do senhor, definitiva?".
David Lynch: Não.
Aquela versão estendida foi uma versão para a televisão. Sem falarem
comigo, acharam algumas coisas e as acrescentaram e então adicionaram
uma narração estranha que eu nunca ouvi. Eu disse: “tudo bem, vamos em
frente, mas tirem meu nome daí, pois isso não é mais coisa minha.”. Duna
foi um filme que fiz e cuja edição final não foi minha. Assinei o
contrato sabendo que não a faria. Eu sabia que não estava fazendo a
coisa certa ao assinar o contrato. E deu tudo errado. Comecei mal logo
no início. Ou seja, não havia naquelas imagens nada que pudesse
transformá-las no filme que eu queria fazer. Não havia.
Lillian Witte Fibe: Diga, Ubiratan, que você está tão curioso.
Ubiratan Brasil: Uma
curiosidade. Em algumas entrevistas do senhor que a gente leu aqui, que
a produção passou, em uma determinada época o senhor tinha dito...
teria dito que a pintura teria se tornado uma válvula de escape menor no
seu trabalho. Mas, assim, julgando pela quantidade de trabalhos que a
gente viu, inclusive naquele livro que o Leon trouxe, o senhor sempre
produziu muito em pintura. Eu queria que o senhor falasse um pouco dessa
importância da pintura para o senhor no seu trabalho.
David Lynch: Não se
trata de fuga. Você pensa em fugir se está em uma prisão. A meditação é
algo que simplesmente o atrai. Você tem idéias para o cinema, para
pinturas... Você tem uma idéia para uma pintura e fica todo
entusiasmado. E o mundo da pintura é maravilhoso, pois é apenas você e a
pintura. É como um círculo: ação e reação. Um fluxo de idéias. Você
pode penetrar naquele mundo sozinho – e é algo muito bonito. Meu amigo
[...] Keeler me influenciou muito. Ele foi um pintor que conheci e que
mudou minha vida, pois eu não achava que eu pudesse ser um pintor já na
vida adulta. E ele me mostrou que eu estava errado. Ele sempre dizia:
“Você precisa de quatro horas ininterruptas para produzir uma hora de
boa pintura.”. E é verdade. Você precisa penetrar em seu mundo,
permanecer ali e ir em frente. E não pode haver interrupções.
Interrupções significam que você precisa começar tudo de novo.
Ubiratan Brasil: A gente falou de cineastas de sua predileção. E quais seriam os pintores, então, na sua preferência?
David Lynch: Gosto
de Francis Bacon [(1909-1992) pintor anglo-irlandês de pintura
figurativa, conhecida como audaz, austera e grotesca ou imagem de
pesadelo], Edward Hopper [(1882-1967) pintor norte-americano lembrado
por suas misteriosas representações realistas da solidão, com notável
influência no mundo da arte e da cultura pop], Magritte [René François
Ghislain Magritte (1898-1967), um dos principais artistas surrealistas
belgas], Max Ernst [(1891-1976) pintor alemão surrealista]; gosto dos
trabalhos de Lucian Freud [(1922-) pintor alemão, neto do médico
neurologista judeu-austríaco, fundador da psicanálise, Sigmund Freud].
Gosto de Clemente [José Clemente Orozco (1883-1949), um dos maiores
pintores mexicanos e um dos protagonistas do muralismo]. Há muitos
pintores. Há Don Van Vliet [Don Van Vliet (1941-), pintor e músico
aposentado, sua arte é denominada como "abstrata-expressionista
aestética neo-primitiva". Sofre de esclerose múltipla], que costuma ser
chamado de Captain Beefheart e fazia música nos anos 1960, 1970. Ele é
um pintor genial.
José Geraldo Couto: O senhor produziu também um documentário sobre o Crumb [(1943-) artista gráfico e ilustrador, um dos fundadores do movimento underground dos quadrinhos americanos], que é maravilhoso. Robert Crumb.
David Lynch: Terry
Zwigoff [(1949-) diretor de cinema estadunidense, conhecido por suas
adaptações cinematográficas de desenhos animados alternativos, como Crumb (1994) e Ghost World (2001)] o
dirigiu. Eu conheci Terry em Berkeley, quando eu misturava uma série de
coisas na época. E Terry Zwigoff fez um trabalho genial no documentário
de Robert Crumb.
José Geraldo Couto: O Crumb seria uma espécie de inspiração sua também?
David Lynch: Não
exatamente. Eu o respeito. Ele tinha sua própria maneira de fazer as
coisas e usava os quadrinhos. Ele criou um mundo, o mundo de Robert
Crumb.
Ricardo Calil:
Senhor Lynch, o senhor está aqui no Brasil já há cinco dias. Eu sei que o
senhor está correndo muito divulgando a meditação, mas eu queria saber
se o senhor... Eu queria que o senhor compartilhasse algumas das suas
impressões sobre o Brasil. Eu queria saber, por exemplo, se o senhor
acha que a meditação ajudaria a gente a lidar com o trânsito de São
Paulo melhor. Seria o suficiente? E gostaria de saber se o senhor
encontrou no Brasil alguma idéia inspiradora o suficiente para estar num
próximo filme.
David Lynch: Lugares
realmente nos trazem idéias. Ao visitar Lodz, na Polônia, durante o
Camera Image Film Festival, tive muitas idéias. E acabei filmando Império dos sonhos
ali. Uma das primeiras coisas que adorei no Brasil foram os túneis no
Rio. Passando por aquelas montanhas belíssimas. Há uma atmosfera
maravilhosa ali. As pessoas – e não é por estar aqui com vocês – são as
mais cordiais que já conheci. Gentis, hospitaleiras, inteligentes. E tão
receptivas a isso tudo, a esse campo, e à possibilidade de dar-lhe
vida. Há uma escola nas cercanias de Belo Horizonte, Cidade da Criança,
para onde fui, pois eles vêm ensinando meditação transcendental. Ouvi
histórias lindas nesse lugar. Um lugar pobre. O pai ou a mãe de uma das
crianças está na prisão... Problemas... Muitíssimos problemas. Vocês
sabem disso melhor do que eu. Eles ensinam meditação transcendental e
ela se torna a técnica das crianças. Algo delas. E todo o seu potencial
vem à tona. A felicidade. E as coisas mudam. Entre 2500 e quatro mil
crianças a tiveram. Fizemos um grupo de meditação, Donovan cantou. Foi
maravilhoso. E eu lhes garanto que haverá mudanças... O estresse existe
no mundo todo, e a meditação acaba com o estresse. Basta mergulhar para
dentro de si mesmo e vivenciar isso. Crimes... A criminalidade ocorre
por causa das frustrações, do estresse por não se conseguir realizar o
que se deseja. Mude tudo isso com a meditação e veja o crime
desaparecer, o estresse ir embora. O Brasil é um país lindo, mas tem
problemas: drogas, estresse, violência nas cidades. E é possível dizer
adeus a isso. Há doenças relacionadas ao estresse. Todos parecem sofrer
de algum tipo de doença ligada ao estresse. Diga adeus a elas. Livre-se
desse estresse naturalmente.
Lillian Witte Fibe: A gente vai fazer então, mais um intervalo e voltamos num instante com o Roda Viva. Até já.
[intervalo]
Lillian Witte Fibe: O Roda Viva
entrevista hoje o cineasta americano David Lynch. A gente falava, um
pouquinho antes do intervalo, de Brasil - e para quem pegou o programa
no meio – o senhor David Lynch é um super especialista em café, tem a
grife dele agora à venda nos Estados Unidos. O que o senhor achou do
café brasileiro?
David Lynch: [hesita, talvez aguardando que termine a tradução simultânea, e diz] Novamente...
Lillian Witte Fibe:
[Interrompendo e rindo] Não, não é verdade que o senhor não experimentou
o café brasileiro! Vai experimentar agora, no programa.
David Lynch: Tomei muitos cafezinhos brasileiros, e o café é excelente.
Lillian Witte Fibe: Ok, thank you [obrigada, em inglês] [risos]. Quem queria perguntar antes do intervalo e não conseguiu? Diga, José Geraldo.
José Geraldo Couto:
Senhor Lynch, o senhor – como lembrou aqui o Leon – é um artista
multimídia. O senhor se expressa em vários meios, né? Mas uma parte
considerável da sua arte, que é o cinema, e especialmente os longa
metragens, a mim parece que eles precisam da tela grande, não só da tela
grande, mas da sala escura e desse ritual coletivo de embarcar em uma
atmosfera onírica, em uma atmosfera de sonho, né? Então, em vista disso,
eu queria que o senhor comentasse isso, quer dizer, o senhor já falou
que gosta da tela grande e do som poderoso e tal, mas como o senhor
vê... O senhor acha que o futuro, essa experiência de compartilhar
imagens em uma sala escura... imagens e som em uma sala escura vai ser
uma atividade quase que nostálgica, romântica, de um grupo pequeno de
pessoas? Ou existe futuro para essa forma de expressão e de arte?
David Lynch: Não sei
ao certo. Mas ouvi dizer que talvez os grandes cinemas nas cidades
estejam partindo para filmes em 3D. Um tipo mais avançado de filme...
Para atrair público. Ainda não se tem 3D em casa. Portanto, talvez as
pessoas comecem a ir aos cinemas para ver grandes filmes, espetáculos. E
os cinemas fiquem lotados. Mas, quanto aos antigos cinemas de arte, é
bastante triste. Mas, nos Estados Unidos todos eles fecharam. Restou
apenas um número muito pequeno. Aquele tipo de cinema acabará reduzido a
telas menores. A não ser que você tenha, em casa, como vê-los em telas
grandes. Quanto maior a tela, maior a possibilidade de realmente
penetrar naquele mundo. Quanto melhor o som, quanto mais escura a sala,
quanto mais silenciosa a sala... Traga toda a comida para perto de você e
entre naquele mundo. É uma coisa maravilhosa. Hoje em dia, essa
experiência é cada vez mais difícil. Recentemente, vi algo em um domo,
como os antigos domos dos planetários, mas, agora eles estão projetando
coisas em um domo. Pode-se projetar filmes comuns em um domo. E é
possível ter uma experiência incrível em um domo. Talvez um dia todas as
casas venham a ter um.
Leon Cakoff: Eu
estou, realmente, muito impressionado por esse coisa vocacional que o
senhor está nos trazendo, de meditar, né? E eu estou muito curioso, eu
queria que o senhor nos desse - e aos telespectadores - três elementos
de meditação. Para quem quer embarcar nessa nova experiência. Três
elementos para começar a meditar.
David Lynch:
Encontre um professor “verdadeiro”. Faça-lhe todas as perguntas. Obtenha
as respostas. Compreenda do que se trata. Você vai receber um mantra,
um pensamento específico em termos de vibração de som. E esse mantra
realmente o faz voltar-se para dentro de sim mesmo. Você aprende o
mantra e aprende a usá-lo. Trata-se de um ensinamento bastante
específico. E então, você fará sua primeira meditação. Você vai se
sentar confortavelmente em uma cadeira, fechar os olhos, vai começar
aquele mantra interior e irá transcender. Irá mergulhar para dentro de
si mesmo e irá transcender. E vivenciará essa experiência de
transcendência. Digo que minha primeira meditação foi sublime. Digo que
foi como se eu estivesse em um elevador que tivesse seus cabos cortados
[faz um barulho de queda com a voz e o gesto com a mão]. Foram ondas de
felicidade. Uma experiência singular. E eu me perguntei: “onde essa
experiência sublime havia estado antes?”. Algo profundo... E as coisas
começam a melhorar. Você transcende em seu primeiro dia. A cada
meditação. E vê sua vida melhorar.
Lillian Witte Fibe:
Senhor David, eu acho que muita gente nos vendo pode se perguntar se
essa não é uma fórmula de felicidade um tanto simplista. É tão fácil
assim chegar à felicidade? Como o senhor, no decorrer desses últimos
trinta e tantos anos, enfrentou os seus momentos de infelicidade? Foi
sempre recorrendo à meditação?
David Lynch: Não é
uma forma simples de felicidade. Mas a pergunta é legítima. Qual a
diferença entre uma felicidade simples ou profunda? Passei por
experiências de sentir meu corpo todo vibrando com essa felicidade. [faz
um som de vibração com a voz e gesticula] Assim. Uma felicidade sublime
e completa. Como já disse, uma felicidade física, emocional, mental e
espiritual.
Lillian Witte Fibe:
Será que é felicidade ou é sentimento de prazer? O senhor concorda com
alguns médicos ortodoxos que associam aos neurotransmissores dopamina,
endorfina, sibutramina etc?
David Lynch: Sim.
Quando se transcende, o resultado disso é esse êxtase, a felicidade. Os
acontecimentos de sua vida podem permanecer os mesmos, mas a maneira
como você lida com eles, certamente, muda para melhor. Coisas que quase o
matavam já não têm aquele poder. E não se trata de ficar insensível.
Você ainda vai se zangar, mas vai saber controlar isso. Pode se
entristecer, mas isso irá dissipar. Todos nós conhecemos pessoas que não
conseguem se livrar do rancor. Ninguém as quer por perto. Elas
contaminam a si próprias e o ambiente. Deixe-as transcender e veja
aquela raiva ir embora. Elas podem começar a desfrutar a vida. Já
aconteceu com tantas pessoas, que você diz: “Isso deve ser algo muito
real.”. As histórias sobre como a vida mudou... Pesquisando sobre o
cérebro, hoje, mostram os efeitos da transcendência. As pesquisas
mostram que, quando você canta, uma minúscula parte de seu cérebro é
ativada. Quando você fala, uma outra parte. Quando você pinta, outra
parte. Em um eletroencefalograma [exame feito por aparelho que registra
graficamente as correntes elétricas do encéfalo, parte do sistema
nervoso que fica na cavidade do crânio], a única experiência que ilumina
todo o cérebro é a transcendência. Boom! [gesto de expansão com as
mãos] Há uma completa coerência do cérebro. Fala-se muito nisso. E é
algo que não exige esforço. A maioria das pessoas acha que é algo
difícil, que é preciso abrir mão de alguma coisa, se enfiar em uma
caverna e se afastar da sociedade. Maharishi torna as coisas fáceis.
Trata-se de uma antiga forma de meditação. A natureza da mente busca o
que lhe traz a maior felicidade. Uma vez voltado para dentro de si, você
parte nessa direção. É por isso que uma criança de dez anos consegue
fazer isso. Não se trata de concentração, de algo penoso. Mas apenas de
voltar-se para si mesmo. E começar a revelar todo o seu potencial. E as
coisas vão ficando muito boas. Desde o início.
Lillian Witte Fibe: Com que idade estão seus filhos, hoje?
David Lynch: Odeio
lhe dizer quantos anos tem minha filha. Ela nasceu quando eu tinha três
anos [risos] e ela está com 40 anos. Tenho um filho de 25 e outro de 16.
Lillian Witte Fibe: E o senhor cooptou os três para a meditação já?
David Lynch: Desde que eles tinham seis anos de idade.
Leon Cakoff: Senhor Lynch, depois de uma experiência como essa de meditação, que filme o senhor me recomenda, dos seus, para assistir?
David Lynch: Depois
de uma experiência como essa? Sinceramente, você poderá assistir a
qualquer filme. Eu sei, mas qualquer um de meus filmes o deixará feliz.
[Risos]
David Lynch: Você terá tamanha felicidade que poderá ver qualquer coisa. Eu sugeriria O homem elefante.
Ricardo Calil: Senhor Lynch.
David Lynch: Sim.
Ricardo Calil:
Algumas figuras do cinema americano, como Tom Cruise [(1962-) ator e
produtor de cinema norte-americano] e o John Travolta [(1954-) ator,
cantor e dançarino norte-americano], por exemplo, são vistas com
bastante desconfiança por uma parte do público e da mídia, pela ligação
deles com a cientologia [sistema de crenças fundado em 1952 pelo autor
de ficção cientifica L. Ron Hubbard (1911-1986) e oficializado em 1954,
bastante polêmico e muitas vezes criticado por fazer "lavagem
cerebral"]. Eu sei que a meditação transcendental não é uma religião,
não é um culto, como o senhor enfatizou, mas algumas pessoas podem vê-la
assim. O senhor sente que, de alguma forma, algumas pessoas podem vê-lo
como uma espécie de lunático, talvez por esse desejo de divulgar a
meditação? Ou o senhor acha que seus filmes já eram suficientes para que
o senhor fosse considerado um excêntrico?
David Lynch: Há de
tudo em Hollywood. Algumas atrizes se colocam contra casacos de peles de
animais. Outros se voltam ao combate à Aids. Alguns à cientologia.
Alguns mexem com isso ou aquilo e saem por aí falando a respeito. Ou se
envolvem com política. E o que sempre se diz é que essas coisas passam.
Concentre-se no filme que está fazendo e vá em frente. Quanto à
cientologia, eu não sei o que é. Eles dizem que é isso e aquilo, não
dizem exatamente o quê. Eu lhe digo o que é a meditação transcendental.
Eu lhe conto histórias e há seiscentos a setecentos estudos validando a
prática. Validando todos os benefícios da transcendência. Não é uma
religião. Pessoas de todas as religiões a praticam. E como a compreensão
cresce, cresce a compreensão acerca da religião. Como cresce a
compreensão, há uma maior compreensão da religião. Os desentendimentos
se dissipam. Vê-se que é algo próprio do ser humano. Quanto aos meus
filmes, eu me preocupo. As pessoas dizem: “Ele é doidão e agora vem com
essa de meditação.”. Mas quando você fala a respeito, elas dizem:
“Espere um pouco.”. Como foi o caso do livro. Muitas pessoas começaram a
meditar depois de lerem esse livro, pois não se trata de algo estranho,
mas de algo que alimenta o artista, o ser humano. E tudo que estou
fazendo é falar a respeito. Apenas uma entre muitas pessoas que falam a
respeito. Mas eu entendo a posição das pessoas... Há muitas pessoas
estranhas em Hollywood.
Ubiratan Brasil:
Senhor Lynch, normalmente a imprensa em geral, mundial, a imprensa
mundial costuma destacar sempre o desconforto que os seus filmes
provocam no público, taxando o seu cinema como algo bizarro. Gosta de
relevar as suas obsessões por café, por acidente de carro. Incomoda um
pouco? E conhecendo o senhor um pouco, percebe-se que esse não é o
verdadeiro David Lynch, porque percebe-se que essa sua alma é mais
artística. Isso lhe incomoda um pouco? Essa posição de homem elefante
[fazendo um paralelo com o personagem do filme que é diferente das
outras pessoas], digamos assim?
David Lynch: Não.
Isso não me incomoda. O público tem direito à sua própria opinião. Há
uma frase que diz: “O mundo é como você é.”. Se você vê o mundo através
de óculos de lentes verde-escura, esse será o seu mundo. Se você vê o
mundo através de óculos cor-de-rosa ou dourados, aquele é o seu mundo.
Sempre digo que, quando o cinema se torna abstrato, as interpretações
são muitas. Mas todas elas são válidas. As pessoas podem dizer, pensar e
fazer o que quiserem.
Laís Duarte: A Gilda
Gonçalves, de Niterói, Rio de Janeiro, pergunta: "O senhor, em sua
filmografia, aborda com freqüência personagens cujas vidas se situam à
margem do grupo social a que pertencem. O que o levou a penetrar nesse
universo de rejeição e solidão?".
David Lynch: Idéias.
Não é que eu diga: “vou fazer filmes sobre pessoas no limite de seus
universos.”. Absolutamente. Vou caminhando pela rua e tenho uma idéia.
Eu a vejo, sinto, ouço, anoto e me apaixono por essa idéia. E o dia fica
maravilhoso. Sei o que vou fazer, pois adorei a idéia e adorei a
maneira como acredito que o cinema poderia transmitir aquela idéia. E
vou em frente.
José Geraldo Couto:
Senhor Lynch, reforçando uma pergunta que a Lillian fez sobre os seus
próximos projetos, então o senhor vai ser produtor executivo de dois
outros filmes. Eu queria saber se existe algum projeto seu como diretor,
se está em esboço, embrião, algum projeto, se nós podemos esperar um
novo David Lynch para os próximos anos.
David Lynch: Não
tenho um novo filme de David Lynch. Ainda não. Mas, no momento, estou
adorando pintar, adorando música e fotografia. Estou trabalhando em um
documentário acerca de uma viagem que fiz a 15 países, falando de
meditação e paz. Não é um filme de David Lynch, mas é nisso que estou
trabalhando.
Lilian Witte Fibe:
Senhor David Lynch, eu que quero agradecer demais a sua presença aqui,
mas não sem antes lhe perguntar - o senhor falou tanto que meditação é
completamente independente de religião -: o senhor tem alguma religião? O
senhor acredita em algum Deus?
David Lynch: Fui criado como presbiteriano. E acredito em Deus.
Lillian Witte Fibe: Ok. Muito obrigada pela sua presença...
David Lynch: Muitíssimo obrigado. Obrigado a todos vocês
Fonte: Memória Roda Viva
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