(9/12/1996) Anos
60, tempo de paz, amor e uma revolução de costumes. Como contraste, o
confronto entre Estados Unidos e União Soviética na Baía dos Porcos em
Cuba, a Guerra do Vietnã. E é nesse cenário que, no início da década, sai do anonimato o lingüista Noam
Chomsky e, com ele, a teoria de uma gramática universal, já presente no
código genético, que ordena a fala do ser humano, relegando a língua a
uma mera questão cultural. A idéia provoca um rebuliço na comunidade
científica. A polêmica incentiva Noam Chomsky a expor sua visão política, suas críticas contra a Guerra do Vietnã
chamam a atenção. Começava aí, um caminho sem volta contra qualquer
modelo de poder, do comunismo ao liberalismo totalitário
norte-americano. Outro alvo de ataque é a mídia de massa. Chomsky trata
as grandes redes de comunicação como veículos manipuladores a serviço de
quem ele considera os verdadeiros donos de governos e nações, os
grandes conglomerados multinacionais.
Decifrar a história por trás da
mídia é um dos passatempos favoritos desse anarquista confesso. Em Repensando Camelot,
um de seus mais de 50 livros, o filósofo estarrece os leitores com uma
interpretação reveladora, arranca a máscara pacifista do ex-presidente
John Kennedy e apresenta JFK como um dos mentores da invasão de Cuba e
articulador da guerra contra o Vietnã e dos golpes no Chile e no Brasil.
Chomsky é filho de judeus; o interesse pela lingüística herdou do pai,
um erudito em hebraico. Aos 32 anos, Chomsky se tornou catedrático do
Instituto de Tecnologia de Massachusetts, um dos mais prestigiados
centros de pesquisas do mundo. Hoje, aos 68 anos, é considerado um dos
maiores intelectuais de esquerda e um crítico ferrenho das atuais
políticas interna e externa dos Estados Unidos. Mesmo de origem judaica,
é uma voz dissonante ao atacar a política israelense e se posicionar em
favor de um estado palestino. A perspectiva de Chomsky para a virada do
século é um balde de água fria nos apóstolos da globalização. Para ele,
a eliminação das culturas regionais e a interferência de instrumentos
de poder, como o FMI [Fundo Monetário Internacional], o Banco Mundial e o
Nafta [Tratado Norte-Americano de Livre Comércio], funcionarão como
geradores de pobreza, aumentando os problemas de distribuição de renda
em favor das elites.
Matinas Suzuki: Para entrevistar o pensador Noam
Chomsky, nós convidamos Alberto Dines, do Laboratório de Estudos
Avançados de Jornalismo da Unicamp; o Ibsen Costa Manso, que é
secretário assistente do Jornal da Tarde; o jornalista Sérgio Augusto, dos jornais O Globo e O Estado de S. Paulo; Daniel Piza, editor de cultura da Gazeta Mercantil; Breno Altman, diretor de redação da revista Atenção; o Emir Sader, que é cientista político, e o Ibsen Spartacus, diretor editorial da Nova Cultural. Boa noite, professor Noam
Chomsky. Eu gostaria de começar este programa do início, ou seja, o
senhor ficou conhecido no início como um estudioso dos fenômenos da
linguagem, e a partir de um certo momento, passou também a fazer uma
intervenção política. A partir de quando o senhor sentiu necessidade de
interferir na questão política?
Noam Chomsky:
Bem, meu primeiro artigo político escrevi quando eu tinha 10 anos, no
jornal da escola, depois da queda de Barcelona. Estava muito interessado
na guerra civil espanhola e envolvido, àquela altura, com grupos de
esquerda, preocupados com a difusão do fascismo
na Europa, seja lá como um garoto de 10 anos possa entender isso. E as
coisas não mudaram muito desde então. Então, não é primeiro lingüística e
depois política. Foi muito antes de saber que existia algo chamado
lingüística ou o estudo da língua.
Emir Sader: Professor Chomsky, terminada a chamada Guerra Fria
e os conflitos entre Estados Unidos e União Soviética, segundo o
professor Samuel Huntington, a dinâmica dos conflitos contemporâneos se
daria no nível das civilizações, no nível das culturas [e não no plano
ideológico ou econômico]; na verdade, a cultura ocidental contra o resto
das culturas. É um artigo famoso, seguiu a trajetória do [Francis] Fukuyama, primeiro artigo da Foreign Affairs [revista científica norte-americana sobre relações internacionais], depois um livro [O choque de civilizações e a recomposição da ordem mundial,
livro originalmente publicado em 1996 – no Brasil saiu em 1997– em que
expande a tese defendida anos antes]; segundo [Henry] Kissinger
[ex-secretário de Estado e ex-conselheiro de Segurança Nacional dos
EUA], é o livro mais importante, desde o começo da Guerra Fria. Queria saber que opinião o senhor tem a respeito dessa concepção?
Noam Chomsky: Não
tenho muita consideração pela maior parte do trabalho de intelectuais
respeitados, admito. Eles têm uma função a cumprir, que é fazer as
coisas parecerem complicadas e apresentar uma imagem do mundo que sirva a
seus interessas de poder, e o fim da história foi declarado, pelo menos
meia dúzia de vezes, nos últimos 130 anos, sempre da forma errada. Acho
que a Guerra Fria
foi seriamente mal interpretada. Do meu ponto de vista, foi uma fase do
conflito Norte-Sul, um eufemismo para a conquista européia do mundo. A
Europa Oriental era o Terceiro Mundo original desde o século XV, até
quando começou a andar em direção à independência em 1917. E evocou a
mesma reação que o extremo oposto, Granada, que começou a estabelecer
cooperativas de pesca. A escala é radicalmente diferente, mas é a
estrutura básica que está dentro desse molde e as coisas continuam. O
que o professor Huntington chama de conflito de civilizações tem
ocorrido há séculos e ocorre do mesmo modo de hoje. A idéia dele de que
os Estados Unidos são os líderes do Ocidente se confrontados com a
civilização islâmica, não faz sentido. Um dos mais próximos aliados dos
EUA é talvez o país mais fundamentalista islâmico do mundo, a Arábia
Saudita, e isso pode mudar amanhã se houver uma revolução na Arábia
Saudita. A dinâmica e os processos são iguais aos de antes. Na verdade,
chama a atenção, no caso dos Estados Unidos que, desde 1970, todas as
intervenções americanas, principalmente desde 1945, foram justificadas
como ligadas ao perigo soviético. Mas o que aconteceu antes da Guerra Fria,
que na verdade começou em 1917, bem antes de [Thomas] Woodrow Wilson
[1856-1924) presidente dos Estados Unidos pelo Partido Democrata por
duas vezes seguidas, ficando no cargo de 1912 a 1921] invadir o Haiti e a
República Dominicana. Isso não foi para defender-se da União Soviética,
mas sim para se defender dos hunos [um dos povos bárbaros mais
violentos e ávidos por guerras e pilhagens, eram nômades e provenientes
da região da Mongólia, na Ásia]. Antes disso, foi para defender-se de
outros. Considerando o desenvolvimento da marinha americana, há 110
anos, foi para defender-se do Chile. Navios de guerra americanos estavam
nas costas do Chile. Logo depois da queda do Muro de Berlim, o que
aconteceu? Poucas semanas depois, os Estados Unidos invadiram o Panamá.
Foi algo tão convencional, que nem chega a nota de rodapé na história. A
única diferença entre essa e outras intervenções, por muitos anos, foi a
falta de pretextos. Não podia ser para defender-se da União Soviética.
Então era contra os narcotraficantes hispânicos. Da próxima vez, será
outra coisa. Olhando os conflitos que existem pelo mundo, a maioria já
existe há muito tempo. Os únicos novos ocorrem dentro do império
soviético desmoronado. Chechênia [Em 1991, a Chechênia declarou
independência da Rússia, mas o ex-presidente russo Boris Yeltsin se opôs
e, em 1994, enviou tropas à região, para restaurar a autoridade de
Moscou. Em 1996, as forças russas foram derrotados pelas tropas
chechenas, mas, apesar disso, a Rússia não reconheceu sua
independência], isso é novo, mas é o resultado da queda de qualquer
sistema imperial. Quando o império português desmoronou, havia, de fato,
grandes conflitos ocorrendo no sistema colonial português: Angola,
Moçambique, Timor, no sudeste asiático.
Quando os sistemas britânico e francês desmoronaram, houve grandes
massacres, chacinas e conflitos. Alguns ainda continuam. Os da África
Central, no momento, são resíduos do imperialismo belga, alemão e
francês. Há sempre coisas novas acontecendo, mas a dinâmica fundamental
não muda substancialmente, na verdade, por muito tempo.
Alberto Dines: Professor
Chomsky, aproveitando a sua biografia, já que estamos no início do
programa, o senhor foi educado numa família de forte tradição cultural,
pelo menos judaica, uma família, inclusive, progressista, onde as
notícias da guerra de Espanha chegavam, entravam dentro de casa. Como é
que o senhor vê dois problemas ligados a sua formação? Um: no próximo
ano, nós vamos ter o 1º século de existência do sionismo [movimento
religioso e político, originado no século 19, que pregava o
restabelecimento, na Palestina, de um Estado judaico] político. Qual o
futuro que vê para o Estado de Israel? E qual o futuro que vê para o
judaísmo na diáspora: religião, cultura apenas, uma idéia moral e ética?
Eu queria que o senhor elaborasse um pouco sobre essas duas questões.
Noam Chomsky: Meus
pais foram da primeira geração de imigrantes da Europa Oriental e,
profundamente envolvidos na comunidade judaica, viviam num gueto
cultural. Ao mesmo tempo, eram liberais do new deal [depois da
grave crise finaneceira pela qual passaram os Estados Unidos em 1929, o
então presidente Roosevelt, inspirado nas idéias do economista inglês
John Maynard Keynes, lançou um conjunto de medidas econômicas pelas
quais o Estado aumentava sua participação na economia, criando uma
demanda que, para ser atendida, mobilizava setores da economia
paralisados pela crise], de [Franklin Delano]
Roosevelt [(1882-1945) presidente dos Estados Unidos entre 1933 e
1945]. Essa era a política basicamente. Outras partes da família, com as
quais eu era ligado desde cedo, eram da classe trabalhadora, na maioria
desempregados. Era o final dos anos 30, havia uma cultura intelectual
rica e animada na época, uma cultura muito elevada, debates sobre
psicanálise, [Karl] Marx [(1818-1883), teórico do socialismo e revolucionário alemão, autor, entre outras obras, de O capital,
sua obra-prima e referência para as gerações posteriores de sociólogos e
economistas] e Quarteto de cordas de Budapeste e assim por diante.
Muitos quase não tinham educação, mas uma rica tradição cultural da qual
eu fazia parte. É uma mistura de envolvimento judeu muito forte a minha
vida toda. Na época, eu era o que se chamava de sionista [que defende o
direito do povo judeu à autodeterminação e à criação de um Estado
judaico]. Na verdade a maior parte do meu ativismo na adolescência foi
sionista, mas em oposição a um Estado judeu, pois isso fazia parte do
movimento sionista na época. Havia muitas ilusões sobre isso. O primeiro
compromisso dos sionistas com um Estado judeu foi em 1942 nos Estados
Unidos. Antes disso, incluía fortes tendências binacionalistas, mesmo
incluindo a liderança de David Ben-Gurion
e outros. Eu fazia parte da ala socialista radical, que era ligada à
cooperação dos trabalhadores árabe-judeus. Talvez tenha sido uma ilusão
ou foi real – pode-se debater isso–, mas o compromisso era esse e eu
fiquei. Vivi em um kibutz
por algum tempo, em Israel, e podia ter ficado lá, mas voltei. Mas,
quanto ao futuro do sionismo, ele mudou. Em 1948 o sionismo político se
tornou o sionismo de modo que as tendências anti-Estado foram absorvidas
pelo Estado e, daquela época em diante, é apenas um outro Estado no
sistema internacional comportando-se como qualquer outro Estado.
Principalmente depois de 1967, com as conquistas, tornou-se um apêndice
dos Estados Unidos. Então agora é o 51º estado, o que não é muito
preciso, porque recebe muito mais subsídios federais do que qualquer
outro dos 50 estados originais. Assim sendo é um posto avançado do poder
dos EUA e dentro de um arranjo complicado, Israel tornou-se parte do...
Os Estados Unidos tomaram da Inglaterra a dominação do Oriente Médio em
1945, como assumiram o domínio da América do Sul. Parte do sistema
constitui um tipo de gendarmes [guardas] locais ou, como o secretário da
Defesa os chamou, de “policial local de ronda”. A sede da polícia fica
em Washington, Israel é uma delas. Faz parte de um imenso sistema que se
estende do Pacífico até os Açores que visa o Oriente Médio, controlando
o petróleo, o sistema do petróleo.
Alberto Dines: O futuro do judaísmo?
Noam Chomsky: O
futuro? O futuro das pessoas está em suas próprias mãos. Não dá para
prever coisas como o curso da civilização. Mesmo Israel está
rigorosamente dividido de muitos modos. Quase metade da população é de
países árabes, metade da Europa. Há uma divisão nítida de linhas
religiosas, quase uma guerra civil. Lendo a imprensa israelense, como
faço regularmente, pode-se ler na imprensa principal, avisos sobre
perigos de um golpe militar com elementos religiosos nos meios oficiais.
Muitos estão preocupados com isso. As últimas eleições mostraram uma
nítida divisão cultural e é difícil prever o que virá. Nas diásporas,
por exemplo, nos EUA, que conheço melhor, há um nível alto de
assimilação, mas, ao mesmo tempo, há uma volta a algo como uma versão ficcionalizada
dos séculos XVII e XVIII na Europa Oriental que está influenciando
centenas de milhares de pessoas. Os negócios humanos são complicados, eu
não tentaria prever [risos].
Breno Altman: Professor
Chomsky, as opiniões sobre globalização e nova ordem majoritariamente
têm se dividido em dois tipos: os eufóricos, que vibram com esse novo
modelo de desenvolvimento dos países, e os conformados, que criticam
esse modelo, mas o consideram inevitável. Na sua opinião, o senhor, que é
um dos grandes críticos da globalização, há alternativa para os povos
fora desse caminho? Há possibilidade de um outro modelo de organização
da sociedade em resposta à globalização? Como no passado, por exemplo,
houve modelos de uma sociedade não-capitalista, algum modelo alternativo
à globalização e à nova ordem mundial?
Noam Chomsky: Primeiro,
a globalização em si não é boa nem má, depende de que forma de
globalização se trata. Se for do tipo que une as pessoas ao redor do
mundo, é maravilhosa, sou a favor. O tipo de
globalização que transfere o poder para as mãos do que a imprensa
mercantil chama de governo “de fato” do mundo, das instituições
financeiras internacionais que representam corporações transnacionais e
seus afiliados locais, isso é ruim, é prejudicial para todas as pessoas
do mundo. A questão é: que forma assume a globalização? Incidentalmente,
quanto à inevitabilidade da globalização, deve-se cuidar de distinguir
doutrina de realidade, medir fluxos de negócios, investimentos etc. O
nível de globalização no mundo não é tão dramaticamente diferente do que
foi no passado. Há diferenças, mas não dramáticas, nem em escala, e a
maioria das interações é interna para os países ricamente desenvolvidos.
Então, a maior parte, 75%, dentro da Europa, Japão e Estados Unidos. E a
forma que toma depende do que as pessoas fazem com isso. Pode-se ter
uma forma muito construtiva de globalização, na qual existam
intercâmbios culturais e econômicos, ligações vitais se desenvolvendo
entre as pessoas ou pode-se ter um tipo que transformará o mundo em uma
espécie de Brasil. O Brasil é um caso extremo com dois países
radicalmente diferentes, um pequeno e rico que faz parte da elite
internacional e outro país enorme que é como a África Central. O mundo
poderia se transformar nisso. Com efeito, está acontecendo nos Estados
Unidos e na Inglaterra e em menores extensões em outras partes nesse
momento. Mas esses são assuntos que estão sob controle, não há nada de
inevitável neles. Não são leis da natureza. São decisões em instituições
humanas que podem ser mudadas como todas as outras. Que tipo de mundo
poderá ser? De maior liberdade e justiça. Tenho meu próprio ponto de
vista de como deveria ser, penso como um anarquista à moda antiga, como
era aos 10 anos. Acho que a ordem mundial deve
ser baseada em associação mútua e voluntária onde quer que as pessoas
estejam juntas, ou seja, controle do trabalhador no local de trabalho,
controle da comunidade, associações voluntárias, arranjos federais entre
atravessar fronteiras facilmente, não há nada de especial nelas. Acho
que é totalmente viável um mundo assim, mas isso significa eliminar
concentrações de poder. E, no momento, o poder está concentrado, a
democracia está declinando e isso é algo contra o qual devemos lutar,
pois não é inevitável. E não é uma lei da história. Olhando a história,
houve de tudo: houve vitórias da liberdade, houve expansões de
democracia, houve contrações. Estamos num período de contração, mas isso mudará, como mudou antes.
Matinas Suzuki: Professor Chomsky, mas o que o senhor pensa do marxismo? O marxismo ainda tem alguma contribuição a dar para essas novas transformações que o senhor está afirmando?
Noam Chomsky: Acho complicado o conceito de marxismo.
Na física, por exemplo, não existe “einsteinismo”, porque [Albert]
Einstein [físico alemão (1879-1955) que alterou as perspectivas teóricas
e práticas de sua disciplina, formulando a partir do trabalho de outros
pesquisadores a teoria da relatividade e explicando o efeito
foto-elétrico, pelo qual recebeu o prêmio Nobel de física de 1921] não é
um deus que se adore, mas um ser humano que tinha coisas importantes a
dizer e, como qualquer ser humano, cometeu erros [por exemplo, entre
1927 e 1930 Einstein tentou mostrar que a teoria quântica era incorreta e
lançou uma série de paradoxos, que Niels Bohr resolveu, mostrando que
os experimentos propostos não violavam o princípio da incerteza. Depois
disso, Einstein teve de aceitar que a mecânica quântica era ao menos
consistente]. Você aprende o que ele disse e desconsidera seus erros. O
conceito de marxismo,
na minha opinião, pertence à história da religião organizada. É um tipo
de adoração de um indivíduo que não faz sentido. Quanto ao próprio Marx
e outros da mesma tradição, aprende-se o que tem valor e descarta-se o
que é errado. Depois é só observar. Quanto ao socialismo,
por exemplo, Marx não tinha quase nada a dizer. Não sou um grande
especialista em Marx, mas pelo que eu entendo – e li bastante – há
apenas algumas menções de Marx ao socialismo.
Ele é um teórico do capitalismo, era um teórico basicamente do
capitalismo do século XIX. É perfeitamente natural. Ele desenvolveu uma
espécie de modelo abstrato do sistema capitalista e suas propriedades,
do qual temos muito a aprender. Uma pessoa pode ler e aprender disso
tanto quanto aprendemos de outros, mas presumir que isso ofereça uma
doutrina para hoje não faz sentido. Não consigo imaginar que Marx
acreditasse nisso. Ele também escreveu coisas importantes sobre assuntos
contemporâneos, como os ingleses na Índia. Certamente vale a pena ler,
mas, se estivéssemos repetindo isso ainda agora, a civilização estaria
morta. Tínhamos que aprender algo nos últimos 100 anos. Existem, sim,
contribuições, como há no resto de nossa tradição cultural. Aprender
deles o que é importante e descartar o que não é útil...
Ibsem Spartacus: Professor,
eu queria saber como o senhor avalia a possibilidade de fortalecimento
político internacional de países como China, Índia e Brasil, se o
crescimento econômico, que tem sido registrado nesses países, poderia,
de alguma forma, ameaçar a nova ordem mundial?
Noam Chomsky: Primeiramente,
acho que devemos ter cuidado quando nos referimos a um país como a
Índia, a China ou o Brasil, por exemplo. Devemos reconhecer que existe
um grande nível de abstração. O Brasil não é uma entidade de ordem
internacional, nem a Índia. Na Índia há um setor em desenvolvimento e um
grande setor que... ou está estagnado ou provavelmente declinando.
Estive lá há pouco tempo e vi os dois lados. Ao se falar de crescimento
na Índia, de novo, cuidado. Quando as reformas neoliberais foram
instituídas na Índia, houve, como sempre, um grande declínio e colapso.
Isso é comum. Depois uma recuperação do colapso. O Wall Street Journal
[jornal publicado na cidade de Nova Iorque] fala do crescimento
maravilhoso, mas partem do período de recuperação. Voltem 10 anos e
verão que, nesse período, o crescimento foi menor do que foi antes, mas é
altamente concentrado e também multinacional. A Índia se abriu para
penetrações estrangeiras, principalmente de empresas americanas. E foi
interessante a forma como o fizeram. Primeiro, tomaram conta da
indústria de propaganda. Vê-se a propaganda de bens estrangeiros, com o
propósito de podar a indústria doméstica e tornar as pessoas dependentes
de produtos estrangeiros. Há setores da sociedade indiana que se
beneficiam com isso, vivendo muito melhor do que antes. Há outros
setores que estão sofrendo. O mesmo ocorre na China. Ela está bem
nitidamente dividida. Partes da China estão se desenvolvendo e outras
estão devastadas. Tanto que estudiosos chineses temem a possibilidade de
voltar para as guerras camponesas do passado. Observando coisas como a
taxa de mortalidade, vê-se que o sistema de saúde em geral melhorou, se
desenvolveu muito. Por volta de 1979, começou a se estabilizar e, nas
mais recentes estatísticas, está em pleno declínio, isso paralelamente
ao grande crescimento. E os yuppies [derivação da
sigla YUP, expressão inglesa que significa "young urban professional",
ou seja, jovem profissional urbano, e descreve um conjunto de atributos e
traços de comportamento de jovens profissionais entre 20 e 40 anos, que
vieram a constituir um estereótipo que se acredita ser comum nos EUA.
Os yuppies, em geral, têm pouco tempo de formados em universidades,
trabalham em suas profissões de formação e seguem as últimas tendências
da moda] que aparecem na CNN [sigla de Cable News Network, rede de
televisão norte-americana pertencente ao grupo Time Warner especializada
na transmissão de notícias vinte e quatro horas por dia]... são duas
Chinas diferentes. Como isso vai afetar a nova ordem mundial? Depende de
qual será ela. Se a ordem mundial for dirigida por elites
transnacionais em seu próprio interesse, com a maioria da população
marginalizada, vai estar tudo bem. Se for uma ordem mundial baseada em
democracia popular, liberdade e justiça, vai romper as estruturas que
estão em desenvolvimento na China e na Índia, como vai romper as
estruturas que ocorrem no Brasil.
Ibsem Spartacus: Mas
essas elites locais não poderão vir a se associar de uma maneira a
intercambiarem produtos, serviços e de protegerem seus mercados, porque
são grandes mercados e podem vir a interessar uns aos outros, a algum
desses países entre si. Isso não pode ser uma proteção contra o que
seria essa elite internacional, basicamente que seria o Norte?
Noam Chomsky: A
mesma estrutura. O que é o Nafta, o Acordo de Livre Comércio da América
do Norte? É um acordo altamente protecionista, instituído pelos EUA e
elites associadas no México e Canadá, dirigido contra as populações de
seus próprios países, os três, e também contra Europa
e Japão. Quanto aos tratados do Nafta, cerca de 10% deles consistem em
exigências quanto à origem, o que quer dizer que alta porcentagem de
produção da área norte-americana deva ser exportada. É só uma arma
protecionista contra Europa e Japão. Os EUA gostariam de incorporar
parte da América do Sul dentro de um bloco protecionista de comércio. A
Ásia Oriental tem interesse em fazer a mesma coisa, a Europa está
fazendo a mesma coisa. Por outro lado, eles não estão só em guerra. As
ligações entre as empresas internacionais na Europa, Japão, nos EUA como
também em áreas da Ásia Oriental e no Brasil, são elos muito fortes,
são transnacionais. Então, há muitas coisas complicadas acontecendo ao
mesmo tempo, mas a maior tendência agora é em direção à transferência de
poder para tiranias particulares e longe dos temores públicos. Isso é
perigoso. Está acontecendo em certos países, em níveis diferentes, está
acontecendo internacionalmente e acho que será muito prejudicial para
valores que devemos partilhar, como a democracia por exemplo...
Ibsen Costa Manso: Professor, eu queria voltar um pouco ao passado, na linha do que o professor Sader estava dizendo. Após a Guerra Fria,
houve uma mudança na política externa americana no sentido de não mais
temer o inimigo interno. E, por outro lado, criou-se, principalmente nos
militares – e o Brasil foi usado como uma espécie de laboratório na
questão da segurança nacional–... ou seja, a volta para dentro do país. O
senhor teve acesso a documentos secretos no governo americano que
contam um pouco desse nosso período aqui no Brasil. Como é que o senhor
analisa esse período, que informações o senhor tem sobre isso?
Noam Chomsky:
Há muitos documentos. Os EUA são uma sociedade bem aberta e uma das
coisas boas nela é que se tem bom acesso aos planos secretos. Talvez uns
30 anos atrás, mas às vezes até bem recentemente. Não acho que a
política externa dos EUA tenha mudado muito depois da Guerra Fria.
Vejamos, por exemplo, o Oriente Médio, Cuba, Panamá, é tudo igual, nada
muda muito. Algumas mudanças, mas a política não foi guiada por medo da
União Soviética. Isso foi um pretexto. Vê-se claramente pelo fato de
que as políticas continuam sob diferentes pretextos. No caso de Cuba,
por 30 anos, o pretexto foi o perigo da União Soviética depois da Guerra Fria,
o que aconteceu? As políticas endurecem. Agora, de repente, os Estados
Unidos amam a democracia. Logo será outro pretexto. Acho que a política
não mudou. Com relação ao Brasil, conhecemos bem a ficha. No final dos
anos 50, a administração [Dwight David] Eisenhower
[(1890-1969) presidente dos Estados Unidos entre 1953 e 1961 e
comandante supremo das forças aliadas durante a Segunda Guerra Mundial]
começou a propor o fortalecimento militar da América Latina e uma troca
da missão militar, determinada, em grande parte, pelos EUA. Propunha uma
mudança que não pôde ser instituída na época, o Congresso não a
aceitou. Mas foi aceita, no governo Kennedy, em 1962. A administração
Kennedy mudou a missão militar da América Latina para defesa
hemisférica, que é algo da Segunda Guerra, que era chamado de segurança
interna, que é um termo técnico que significa guerra contra as suas
próprias populações. E o golpe militar brasileiro, logo depois, foi um
dos primeiros exemplos disso, muito bem recebido nos Estados Unidos,
mesmo publicamente. Não é preciso ler documentos secretos para isso. Foi
bem-vindo publicamente pelo pessoal de Kennedy –
ele já tinha sido assassinado – por Lincoln Gordon [(1913) foi
embaixador dos Estados Unidos no Brasil entre 1961 e 1966], Robert
McNamara [secretário de Defesa dos Estados Unidos de 1961 a 1968,
durante a Guerra do Vietnã,
e presidente do Banco Mundial de 1968 a 1981], como uma grande vitória
pela liberdade no século XX e assim por diante. O Brasil é um país
grande e isso teve um efeito-dominó, espalhou-se pelo hemisfério até a
América Central. Nos anos 80, houve ondas enormes de repressão, únicas
na história deste continente sangrento. E foi devastador. Acabou com
muitas organizações populares e estabeleceu a base para as políticas que
estão sendo seguidas agora. Pode-se encontrar a origem disso na mudança
da missão militar. Os militares brasileiros eram chamados de uma ilha
de sanidade no Brasil e sua tomada de posse foi muito bem recebida. E o
Brasil se tornou o que a imprensa comercial chamou de “a menina dos
olhos latino-americana da comunidade comercial”. Sabemos o suficiente
para mencionar o que aconteceu com a população, mas o setor se
beneficiou e continuou assim até os anos 80. Uma grande taxa de
crescimento, uma divisão em dois países, tudo isso muito bem-vindo nos
círculos internacional e financeiro e pode-se achar a origem disso. Não
temos as fichas dos anos recentes, mas temos as fichas dos anos 60 e são
claras. As mais importantes são as feitas por volta de 1965, que estão
disponíveis há alguns anos. São discussões entre os intelectuais de
Kennedy. McNamara era secretário da Defesa, [McGeorge] Bundy era
conselheiro de Segurança Nacional e eles discutiam que o desenvolvimento
do Brasil, dois anos depois do golpe, era um grande sucesso. E
discutiam que, dentro do que eles chamavam de contexto cultural
latino-americano, era necessário que os militares derrubassem o governo
civil quando, na opinião deles, esse governo civil não estivesse agindo
no interesse da nação. E o interesse da nação é descrito em termos
explícitos que parecem vindos de algo malicioso. Referem-se claramente à
luta revolucionária pelo poder nas classes conflitantes da América
Central e à necessidade de melhorar os investimentos etc. As discussões
internas eram muito francas. E a tomada de posse militar contribuiu para
isso e era bem recebida. Pouco tempo depois, há o apoio aberto dos EUA
para a derrubada do governo Allende [(1970-1973), o presidente do Chile,
Salvador Allende, foi deposto por um golpe de Estado comandado
pelo general Augusto Pinochet, que instaurou a ditadura no país] e
depois as atrocidades na América Central etc. E nada disso tinha a ver
com os russos. Quantos russos havia no Brasil em 1964? Na verdade, os
russos estavam apoiando os generais argentinos. Estavam entre os
principais parceiros comerciais deles. Claro que, para a população
americana, sempre se falava em ameaça russa. É assim que se controla as
pessoas: você as assusta. Mas, nos Estados Unidos, na realidade, isso é
uma piada. Não havia ameaça russa no hemisfério ocidental. Os russos
ameaçavam o hemisfério ocidental, tanto quanto os EUA ameaçavam a Europa
Oriental.
Sérgio Augusto: Professor
Chomsky, em 1967 o senhor publicou um ensaio polêmico, chamado "O poder
americano e os novos mandarins", em que o senhor apontava a
responsabilidade dos intelectuais americanos que trabalhavam atrás da
política externa americana. O senhor acha que nesses últimos 30 anos
intelectuais americanos ficaram mais ou menos responsáveis?
Noam Chomsky: Falar
de intelectuais é como falar de países, deve-se distinguir. Há aqueles
que são chamados de intelectuais responsáveis, os que servem ao poder, e
há aqueles que são os dissidentes, que estão fora do sistema de poder e
não o servem. Há intelectuais de todos os tipos desde que existe a
história registrada. Volte à Bíblia e achará a mesma distinção. Entre
aqueles dos anos recentes é difícil dizer. Houve uma grande mudança nos
EUA desde os anos 60. Houve uma mudança cultural de grande escala. Os
anos 60 levaram a uma mudança na sociedade em geral... à libertação da
sociedade. Ela é muito mais aberta do que era há 40 anos. Há mais
preocupação por questões de opressão racial, os direitos da mulher se
tornaram uma preocupação, questões ambientais, solidariedade com o
terceiro mundo. Isso tudo mudou, afetando todo o país. O ativismo era
maior nos anos 80 que nos 60 e mais profundamente enraizado na sociedade
americana e, entre as pessoas envolvidas, estão os intelectuais. O que
isso significa? São pessoas que têm o privilégio de devotar esforço
substancial ao trabalho da mente. E, para alguns, isso significa
trabalhar com pessoas que estão lutando por uma vida melhor, liberdade
ou direitos humanos. Para outros é servir ao poder, sempre foi assim,
mas a sociedade está diferente de muitos outros modos, está muito mais
saudável.
Daniel Piza: Senhor
Chomsky, o senhor tem dito, em várias entrevistas, que acha que a
democracia está sofrendo uma ofensiva no mundo inteiro hoje e que o
neoliberalismo seria essa ameaça à democracia. O senhor não diria também
que o que a gente poderia chamar de capitalismo de consumo foi
justamente o que levou as pessoas do Leste Europeu, por exemplo, a
lutarem por regimes democráticos e pelo fim do socialismo?
Noam Chomsky: Primeiro, nunca houve nada nem remotamente parecido com o socialismo
da Europa Oriental. Lá os países se chamavam de socialistas e
democráticos, eram democracias populares. O Ocidente ridicularizava a
alegação de serem democracias, mas adorava a alegação de serem
socialistas, porque é uma forma de difamar o socialismo.
Mas, de fato, eram tão socialistas quanto democratas. Não acho que o
fator motivador na Europa Oriental fosse um desejo de consumo. Na
verdade, os níveis de consumo se reduziram muito na Europa Oriental
desde o fim da Guerra Fria.
A busca por liberdade, sim. Lutavam por liberdade e democracia, mas o
que mais conseguiram, na maior parte, foi uma volta ao Terceiro Mundo.
E, quanto à primeira parte do seu comentário... Sim, acho que o que se
chama de neoliberalismo é um ataque aberto, não-secreto à democracia. O
objetivo é minimizar o Estado e, ao minimizá-lo, se maximiza uma outra
coisa. O que se está se maximizando? A tirania particular. O Estado é a
arena em que o público tem o papel, pelo menos, a princípio, de
determinar a política e o setor privado não tem regras. Quanto mais a
arena pública é minimizada e o poder particular é maximizado, menos
democracia se tem. Acho o Estado uma instituição ilegítima, que deveria
ser desfeita, mas não enquanto o poder particular subsistir. Isso é
pior, pois é um sistema que não presta contas ao público e o impulso
principal do neoliberalismo é restringir a arena onde o povo possa fazer
diferença.
Entrevistador: E o que o senhor propõe?
Noam Chomsky: Minha
sugestão é expandir a arena pública – e do modo clássico.
Principalmente, como disse antes, os trabalhadores devem ter o controle
dos locais de trabalho, não os tiranos particulares. As pessoas devem
ter o controle de sua comunidade e devem interagir umas com as outras,
isso aumenta a esfera pública. Se a pesada concentração de poder
particular for eliminada, daí eu acho que se vai em direção ao
desmantelamento do sistema de Estado inteiro, o que é adequado. Mas se
deve enfrentar o mundo em que se está. Esses movimentos neoliberais não
visam estabelecer um sistema de mercado, uma empresa privada: estão fora
do sistema de mercado. Se olharmos o mercado mundial, é como nos
Estados Unidos: cerca de metade do comércio americano não é comércio, e
sim apenas transações internas de uma empresa, administradas por uma mão
bem visível. Isso acaba de acontecer do outro lado da fronteira. A
metade das exportações americanas para o México nem entra na economia
mexicana. Peças estão sendo montadas nos Estados Unidos e transportadas
para o México, para uma outra filial da mesma Ford, como exportação, e
voltam para os EUA como importação. Isso não é comércio, é mercantilismo
e compreende grande parte do comércio mundial, um mercantilismo
corporativo no qual o mercado funciona apenas à margem, principalmente
para controlar as pessoas. Aqueles que administram a economia mundial se
protegeram muito contra a disciplina do mercado. Há bons estudos de
bons economistas a respeito de empresas transnacionais. Há um grande
estudo de dois economistas ingleses sobre as 100 maiores empresas
transnacionais. Todas se beneficiaram das políticas intervencionistas de
seu próprio governo e 20 delas foram salvas de um completo colapso pela
ajuda do governo. Acima disso, a própria empresa está fora do sistema
de mercado. Suas transações internas são centralmente dirigidas. Então o
sistema neoliberal é um ataque, na minha opinião, ao mesmo tempo, ao
mercado e à democracia.
Emir Sader:
Professor Chomsky, o senhor disse que, apesar de tudo que o senhor
mencionou anteriormente – a opinião pública mais informada, a maior
solidariedade–, há uma deterioração da democracia nos Estados Unidos.
Como é possível ver todos esses elementos de avanço e, no entanto, haver
uma deterioração democrática?
Noam Chomsky:
Bem, o mundo é complicado. Há uma clara luta de classes. Os que
controlam a sociedade e a administram temem naturalmente a democracia e
usam as medidas que podem para restringi-la. Uma medida é restringir a
arena pública, outra é a propaganda maciça. Os Estados Unidos têm uma
grande indústria de relações públicas, que, na maior parte deste século,
seus próprios líderes chamam de controle da opinião pública, com o
princípio de que a opinião pública pode ser arregimentada, assim como o
exército faz com os soldados. A razão é que eles dizem uns aos outros:
“O risco do industrialismo crescente é o poder político crescente das
massas. Isso tem que ser contido.” Não pode ser à
força nos Estados Unidos, pois é uma sociedade livre, então a controlam
pela propaganda, estreitando a arena pública por meio de tratados como o
Nafta, que anulam as decisões da arena pública. Por outro lado, há
forças populares lutando para ampliar a democracia, o conflito de
sempre, que acontece há séculos, como agora, vai e volta. Nos anos 50,
por exemplo, também declararam o fim da história, o fim da ideologia.
Dizem que está tudo sob controle, todos são consumidores passivos,
ninguém mais pensa e, poucos anos depois, o país está em tumulto.
Aconteceu várias vezes no passado e creio que está acontecendo agora.
Por exemplo, o movimento trabalhista, que foi severamente atacado – na
verdade, um ataque criminoso nos anos 80–, agora está revivendo.
Reconhece-se que uma guerra de classes unilateral levará à destruição. E
não sabemos aonde estamos indo.
Alberto Dines:
Professor Chomsky, a diminuição, o enfraquecimento do Estado
significaria, nas suas palavras e nas de todos nós, o fortalecimento da
sociedade, o revigoramento da arena pública, o senhor tem usado essa
expressão. E, nessa arena pública, a mídia tem um papel fundamental e o
senhor tem sido o mais vigoroso crítico da mídia internacional, da mídia
privada. Eu gostaria de que o senhor também elaborasse um pouco sobre a
questão: essa manipulação da mídia, esses descaminhos da mídia devem
ser apenas atribuídos ao grande capital, ao grande capital nacional e
internacional, interesses políticos ou é a própria instituição que está
precisando ser revitalizada como serviço público, como espírito público.
Qual a sua opinião a respeito desse processo todo?
Noam Chomsky:
Para ser bem claro, acho que agora a arena pública está encolhendo e eu
gostaria de vê-la se desenvolvendo. Então a minimização do Estado está
encolhendo a arena pública devido à ampliação do poder privado. Quanto à
mídia, as maiores mídias do mundo, nos EUA ou no Brasil, são empresas
privadas e elas simplesmente fazem parte do sistema empresarial. Elas
estão ligadas às grandes empresas, ligadas a outras maiores. Nos EUA os
grandes canais de TV fazem parte de megaempresas, ligadas intimamente ao
poder estatal. Os indivíduos que estão nos níveis mais altos de direção
movem-se muito facilmente da suíte executiva para a administração
estatal e a direção editorial e seus interesses são mais ou menos os
mesmos. Eles apresentam uma imagem do mundo que reflete seus interesses.
Eles têm certos objetivos que não são totalmente determinados pela
estrutura da instituição, querem proteger o nexo do poder estatal
privado que representam. Isso exige métodos diferentes para platéias
diferentes. Para grande parte da platéia, significa marginalizá-la. Para
a mídia e seus dirigentes, creio que o ideal social que eles desejam
alcançar é o de uma sociedade em que a unidade social consista em uma
pessoa e um aparelho de TV, sem outras associações, pois outras
interações de seres humanos seriam perigosas, podem levar à participação
democrática. Quanto mais perto se chegar do ideal de uma sociedade
baseada em uma pessoa e uma TV, quanto mais se fizer isso, mais se
estará livre para uma democracia política formal, sem a preocupação de
que signifique algo, porque assim as pessoas se tornarão consumidoras
passivas, trabalhadores obedientes, separados uns dos outros e a
sociedade civil entrará em colapso. Para a elite educada, ela terá uma
função diferente, será basicamente a doutrinação, a fim de garantir que
se tenha pensamentos corretos. São eles que tomam decisões, tomam
decisões certas para os que estão no poder. Dentro dessa estrutura,
pode-se explicar muito do que a mídia faz.
Alberto Dines: Mas e o papel do jornalista?
Noam Chomsky: Eu
diria que tenho muitos amigos na mídia, muitos deles em altos cargos.
Muitos são bem mais cínicos que eu sobre a mídia, como resultado de suas
próprias experiências. E vêem seu papel no trabalho como uma tentativa
de trabalhar nas estruturas institucionais para fazerem o que puderem. E
há muita coisa que podem fazer. Não são ditaduras militares, não serão
torturados e mortos se disserem a coisa errada. Podem perder o emprego,
mas esse é um problema pequeno. E as pessoas tentam pressionar suas
aberturas até o limite, tantas vezes, fazendo coisas muito importantes.
Outros estão subordinados ao sistema. Há muitos jornalistas bem
conhecidos, em posições privilegiadas, que se consideram livres e lhe
dirão “ninguém me diz o que escrever”. E é verdade, porque são tão
confiáveis, que ninguém precisa lhes dizer o que escrever. Eles já
internalizaram tão bem os valores, que nem podem ter outros pensamentos.
Ótimo, são totalmente livres. Outros, que são independentes, são menos
livres e estão sempre lutando contra os limites impostos por sistemas
poderosos. Para os jornalistas independentes, o objetivo é igual ao de
qualquer outro ser humano decente. Tentam fazer o que podem pelas
pessoas, informam-se, trabalham juntos, cuidam dos direitos humanos e
dos valores que têm.
Matinas Suzuki: Professor
Chomsky, a propósito dessa questão, o senhor está recebendo um grande
destaque na mídia brasileira. Como é que o senhor está se sentindo a
esse respeito?
Noam Chomsky:
Perfeitamente feliz de falar com qualquer um [risos], seja para um
público de rede nacional de TV ou para favelados, o que também já fiz.
Na minha experiência pessoal, não é muito surpreendente: tenho mais
abertura fora do que dentro dos EUA. Em parte, porque meus pontos de
vista são muito mais ameaçadores dentro do que fora dos EUA. Assim que
cruzo a fronteira, falo para redes nacionais de TV, mas não lá dentro.
Na verdade, na TV comercial dos EUA há muito mais liberdade do que na TV
pública. É interessante, ainda, que a TV pública tenha a fama de ser
mais liberal, no sentido norte-americano da palavra: mais progressista.
Mas quer dizer que são mais doutrinárias, são comissárias culturais,
entendem melhor os limites da discussão e se vêem no extremo dissidente.
Pode-se chegar a esse ponto e não além. Na verdade, a TV pública tem
isso por escrito, não permitindo que eu apareça nos principais programas
de debate. É incomum tornar públicas tais declarações, mas é
compreensível. No meu ponto de vista, esse artigo que se refere à
responsabilidade dos intelectuais foi, antes de tudo, uma crítica à
extremidade progressista do espectro chamado de liberal nos Estados
Unidos. Não falei muito sobre a ala direita. Acho que eles são os reais
comissários intelectuais, são eles os que estabelecem os limites. Agem
com um certo tipo de dissidência, mas aquela que pressupõe as doutrinas
do poder, assim ajudando a instilá-las melhor. E os mais espertos
entendem isso e não querem ter nada a ver com algo que vá para o lado
crítico. É assim que funcionam as instituições. Nada surpreendente.
Breno Altman: A
crítica que o senhor tem feito à mídia é essencialmente uma crítica ao
poder das corporações privadas. Como é que o senhor imagina um processo
de controle social ou de democratização da mídia? Em outros termos, o
senhor tem falado de controle social, sobre as corporações privadas nos
outros terrenos da economia. Como o senhor imagina em relação à mídia
esse processo de controle social da democratização?
Noam Chomsky:
A mídia deve envolver a participação popular. Na verdade, o modelo
existe. Eu vi coisas interessantes, no Rio há uns dias, quando fui aos
subúrbios, em Nova Iguaçu, e assisti à TV popular. Eles provêm
equipamentos e apoio técnico para grupos populares que fazem sua própria
TV. Escrevem os roteiros, apresentam os programas, atuam. E as pessoas
se reúnem na praça pública e assistem, discutem etc. E isso é um tipo de
mídia popular. Nos Estados Unidos, há um bom número de rádios apoiadas
pelas comunidades, quer dizer, rádios pequenas, mas que se estendem
pelas cidades médias e são sustentadas pelo público; não têm propaganda e
integram a comunidade, você pode notar a diferença. Eu viajo muito,
dando palestras. Você pode sentir a diferença entre uma comunidade que
tem rádio e uma que não tem. Há uma integração. As pessoas sabem uma das
outras, sabem o que ocorre, participam. E isso dá um certo ânimo e
vitalidade, visão para a comunidade, o que não é possível quando as
pessoas estão separadas umas das outras. Essa é a mídia democrática. No
momento, existe em pequena escala, mas não devemos esquecer que, há
pouco tempo, existia em larga escala, mesmo nos Estados Unidos, uma
sociedade altamente doutrinada, com um sistema poderoso de propaganda,
uma sociedade muito livre, mas dirigida pelos negócios. Mesmo nos
Estados Unidos, nos anos 50, existiam cerca de 800 jornais trabalhistas
independentes, que alcançavam cerca de 30 milhões de pessoas por semana.
Se voltarmos ao início do século, a mídia popular, ligada a comunidades
étnicas ou jornais de trabalhadores, tinha a escala da imprensa
comercial. Na Inglaterra, continuaram até os anos 60. Os grandes jornais
da Inglaterra... o Daily Herald tinha mais assinantes – era socialdemocrata – tinha mais assinantes, nos anos 60, do que o Times, o [The] Guardian
e os outros principais jornais juntos. Eles foram dominados pela
concentração de recursos e os tablóides, na Inglaterra, a mídia de massa
tinha orientação trabalhista. Muita bobagem, mas tinham orientação
trabalhista. Davam um quadro do mundo muito diferente do que aquele que é
orientado pelos interesses e preocupações das pessoas comuns. E era um
país diferente na época. E quando isso acabou, não pela força, mas
devido à pressão da concentração de recursos, de capital, o enfoque do
país mudou. Houve mudanças visíveis. Um histórico do thatcherismo. Isso
não está longe no passado, não estamos falando de uma utopia
inimaginável, mas de coisas que existem, em parte existiram em larga
escala e podem ser criadas de novo. As novas oportunidades das
telecomunicações oferecem meios para criá-las, meios usados, muitas
vezes, eficientemente. Vejam o último prêmio Nobel da paz, que acaba de
ser anunciado: José Ramos Horta, que esteve aqui, o ganhou. Essa questão
do Timor tem sido uma grande questão de direitos humanos por 20 anos,
mas só chegou à arena pública há 3 anos – apesar dos esforços, nos quais
também estive envolvido – em grande medida devido à internet. Ela
oferece meios de conseguir informações que escapam à mídia empresarial, a
qual organiza as pessoas. Nos Estados Unidos, houve tanta pressão no
Congresso, que foram impostas restrições aos militares. A administração Clinton
não observou as restrições, fugiu delas, mas, ainda assim, elas são
importantes e o público percebe quando isso acontece nos EUA. Isso é a
nova tecnologia. E a mídia democrática pode ser reconstruída e, como
qualquer outro sistema de tirania particular, como ditadura militar ou
totalitarismo ou empresas privadas, pode se eliminada. Não são leis da
natureza, mas sim instituições humanas.
Sérgio Augusto: Professor Chomsky, que opinião o senhor tem sobre a internet?
Noam Chomsky:
A tecnologia, em si, é totalmente neutra. Ela não liga se for usada
para controlar ou para libertar as pessoas. Pode-se dizer o mesmo sobre a
tecnologia impressa, o rádio, a TV ou a internet. Ela se torna o que as
pessoas fizerem dela. A internet, como todas as partes dinâmicas da
economia moderna, foi criada pelo público e à custa dele e devia ser
propriedade de quem a construiu, os contribuintes. A última decisão do
Congresso dos Estados Unidos entregou esse sistema criado pelo público a
megaempresas privadas. Foi o que aconteceu com o rádio em 1930, quando o
espectro livre foi entregue a empresas particulares. Aconteceu com a TV
em 1950. Há um esforço agora, já aprovado por lei, para comercializar o
sistema de telecomunicações, que foi criado às expensas do público, que
foi quem pagou pelos satélites, pelos computadores e desenvolveu a
tecnologia. Se isso vai dar certo ou não, não sabemos. Há muita
resistência, há muito esforço popular para manter a internet como um
sistema de acesso livre ao público e para que os segmentos populares
possam usar para seus próprios interesses e propósitos. As empresas
foram muito claras quanto ao que elas gostariam de que fosse. Queriam
que fosse um serviço de compras caseiras, outra técnica de
marginalização, isolamento e controle, mas não precisam ter sucesso como
tiveram com o rádio, a TV ou com a imprensa, portanto a internet será o
que as pessoas fizerem dela. Ela tem muitos aspectos positivos e
negativos também. A comunicação pela internet estabelece contatos entre
pessoas que, de outro modo, estariam isoladas, mas também isola as
pessoas. Somos seres humanos, não marcianos, e há uma grande diferença
entre contato cara-a-cara e ficar batendo teclas. Há efeitos
psicológicos que me deixam cético. Como toda tecnologia, a internet tem
muitas facetas.
Ibsen Costa Manso: Eu
pessoalmente gosto muito da internet, porque é o único meio da gente
conseguir contatá-lo, não é, professor? A gente conseguiu uma entrevista
no Jornal da Tarde e trocamos e-mails e tal.
Realmente o senhor que anda pelo mundo todo, só via internet mesmo. Eu
queria voltar um pouco na questão do papel dos intelectuais. Alguns
críticos da sua obra dizem que elas não atingem aqueles oprimidos que o
senhor próprio defende. O senhor também é um crítico dos intelectuais e
dos papéis dos intelectuais, sociólogos, principalmente sociólogos
franceses, vou citar aqui o Alain Touraine [(1925), sociólogo francês,
cujo trabalho é baseado na "sociologia de ação", seu principal ponto de
interesse tem sido o estudo dos movimentos sociais, pois acredita que a
sociedade molda o seu futuro através de mecanismos estruturais e das
suas próprias lutas sociais; tornou-se conhecido por ter sido o pai da
expressão "sociedade pós-industrial". Foi entrevistado pelo Roda Viva
em 2002], que é amigo pessoal do presidente Fernando Henrique Cardoso.
Também criticou quando os intelectuais chegam ao poder. E principalmente
alguns teóricos dizem que os intelectuais têm alguma dificuldade em se
contrapor ao establishment [grupo sociopolítico que exerce sua
autoridade, controle ou influência, defendendo seus privilégios],
porque eles fazem parte, na prática, do establishment. Saem das classes
mais privilegiadas e, portanto, eles têm dificuldades, ficam com as
mãos atadas na hora em que chegam ao poder, de contrariar esse
establishment. Qual o senhor acha que deve ser o papel do intelectual e
como o intelectual no poder pode agir?
Noam Chomsky:
O intelectual no poder deve agir para eliminar seu próprio poder. Isso é
difícil e não acontece muito. Mas as pessoas, às vezes, me perguntam o
que faria se eu fosse eleito presidente. Digo que, primeiro,
estabeleceria um tribunal de crimes de trabalho, para me julgar pelos
crimes de trabalho que eu cometesse. A seguir, me livraria do meu poder e
o poria nas mãos do público. Isso não costuma ser feito. As críticas de
Alain Touraine são corretas e antigas. E a primeira expressão que
conheço data de meados do século XIX, quando [Mikhail Alexandrovich]
Bakunin [(1814-1876) anarquista russo] previu
que a nova classe que surgia, que ele chamou de “inteligência
científica”, os intelectuais modernos, iria em duas direções [no texto
"Sobre a Associação Internacional de Trabalhadores e Marx", publicado em
1872, Bakhunin pode ter sido o primeiro a prever que os intelectuais e
administradores passariam a integrar o aparato do Estado – que sempre
teria sido patrimônio de uma classe privilegiada–, formando a "classe
burocrática"]. Alguns, ele disse, tentariam usar as lutas populares, dos
trabalhadores para obter o poder para si mesmos e se tornariam a
burocracia vermelha, que criaria o regime totalitário mais brutal de que
se tem notícias. Outros reconheceriam que o poder está em outro lugar,
no que hoje chamamos de instituições de capital do Estado e se tornariam
os administradores daqueles que detêm mesmo o poder. Bateriam no povo
com a vara do povo nas democracias de Estado. Foi uma boa previsão.
Depois, há outro grupo de intelectuais que nem gostam de ser chamados de
intelectuais. São apenas pessoas que pensam e trabalham com
organizações populares, que lutam contra o poder e tentam desintegrá-lo,
que se interessam por direitos, democracia, justiça social e em fazer
algo. Esse é um outro grupo de intelectuais. Eles não precisam ter uma
educação superior. Conheci pessoas que trabalham com as mãos e fazem um
trabalho intelectual muito mais criativo do que muitas pessoas de
universidade. Se é intelectual ou não, isso não tem a ver com sua
posição. Como disse antes, na minha infância um dos círculos mais
intelectualizados de que participei era de trabalhadores. Alguns nunca
tiveram uma educação primária, mas tinham uma vida intelectual muito
ativa, como muitos outros. Nós, que usamos paletó e gravata, fazemos
parte das classes ricas. Temos privilégios e, quanto mais privilégio,
mais responsabilidade. E como você exercita as responsabilidades? É uma
escolha pessoal.
Ibsen Spartacus:
Professor, voltando um pouco nessas duas últimas questões, talvez
misturando-as, na instituição à qual o senhor é ligado, o MIT [Instituto
Tecnológico de Massachusetts], há um laboratório de mídia que reúne a
nata dos pensadores da chamada “revolução digital”. Esses pensadores
acreditam e defendem que novas mídias e novas tecnologias podem
alavancar processos democráticos. A internet seria o grande espaço para
que esses processos democráticos surgissem e crescessem. Mas me parece
que esses processos estariam restritos a quem pode pagar pelo menos 2
mil dólares para ter um bom computador. Como é que o senhor avalia essa
corrente de pensamento?
Noam Chomsky:
O laboratório de mídia da MIT não é diferente de nenhum outro sistema
de telecomunicações. Em geral, há pessoas envolvidas genuinamente
empenhadas em torná-los acessíveis e disponíveis ao público como um
método para democratizar a mídia, aumentar o fluxo de informação,
permitir que as pessoas se expressem, se comuniquem entre elas, etc. E
outros estão empenhados em transformá-los num modo de controle e
domínio. Em um microcosmos se tem um conflito que se estende por toda a
sociedade. Agora, a internet ainda é um fenômeno de elite. A maior parte
da população mundial nem tem telefone. O número dos que usam a internet
é muito limitado e geralmente fazem parte de instituições ricas. Tentar
fazer isso sozinho é muito caro. Em princípio, ela pode ser
democratizada. A tecnologia está lá, mas a Lei de Telecomunicações de
1995 é um grande instrumento legal projetado para evitar a
democratização da internet, passando seu controle das instituições
públicas para mega empresas particulares. É interessante que, nos EUA,
isso não foi tratado como uma questão pública, mas como uma questão de
negócios. Você lê sobre a Lei das Telecomunicações na imprensa
mercantil. É um assunto público, mas a estrutura de pensamento tem que
ser comercializada. É a única opção. A idéia de que fique no controle do
público nem é opção. Então, não se escreve a respeito nas primeiras
páginas, mas nas páginas de negócios e a única questão é como ela deve
ser comercializada. Essas são algumas das formas como a propaganda age,
como as entidades doutrinárias formatam opções e pensamentos de modo que
os maiores problemas nem sejam visíveis para as pessoas. Poucas sabem
que isso aconteceu ou que haveria outras oportunidades. Quanto à mídia,
há os que sabem e os que são a favor.
Emir Sader: Professor, o presidente Clinton
finalmente anunciou, no seu segundo mandato, que virá à América Latina.
Ele não cruzou a fronteira nem para assinar o Nafta, nem para ver as
conseqüências do Nafta. Qual o senhor acha que é a pauta que ele trará
para o Brasil? O que os Estados Unidos, o governo americano pensa do
Brasil? E qual o senhor acha que deveria ser a pauta do governo
brasileiro soberano, que defendesse os interesses do país, a discutir
com o governo norte-americano hoje em dia?
Noam Chomsky: Se o presidente Clinton
vier ao Brasil será porque tem bons campos de golfe e um comitê de boas
vindas [risos] que queira discutir com ele a melhor forma de
estabelecer o controle e a subordinação da economia brasileira a
empresas transnacionais. Ele viria por isso. Pode dizer palavras
bonitas, mas é o representante das comunidades comerciais. Não é um
direitista extremo, mas um republicano moderado, do tipo de Eisenhower.
Virtualmente ele não se diferencia de seu adversário nas últimas
eleições. O que os brasileiros devem fazer? Não será o governo que o
fará, nem precisa dizer. O que os brasileiros devem fazer é superar o
escândalo da sociedade brasileira, que data de muito tempo atrás e faz
parte de um escândalo latino-americano, numa forma mais exagerada do que
achamos no mundo todo. O Estado se subordina aos ricos, que têm
responsabilidades sociais muito limitadas. O país é radicalmente
dividido. Não estou dizendo nada que não se saiba. A maior parte da
população está fora do setor moderno. Isso é um escândalo. O Brasil é um
país rico, tem muitos recursos e tem sido chamado de “o Colosso do
Sul”, que deveria ser uma contrapartie ao “Colosso do Norte”. Se não é
assim, são problemas internos do Brasil, claro que apoiados por fatores
externos, como o apoio americano ao golpe militar, mas as raízes
fundamentais estão aqui e, se não forem resolvidas internamente, vão
piorar cada vez mais. Obviamente as respostas não virão dos donos das
empresas nem dos líderes do governo nem do presidente Clinton:
virão de pessoas de dentro do Brasil que lutam para superar essa
situação horrível. O fato de o Brasil, depois de 20 anos de uma das mais
altas taxas de nascimento do mundo, de 1970 a 1990, maior que a do
Chile... O fato de que, depois disso, ficou no relatório de
desenvolvimento da ONU, ao lado da Albânia, deveria escandalizar os
brasileiros, incluindo o que representa. E representa um desastre para a
população, o que é dramático, pois aqui não é a África Central. Os
recursos materiais estão aí, os recursos humanos também. Faz com que o
fracasso seja mais dramático ao se notar o potencial do que seria num
país que sofre de limitações.
Breno Altman: Professor, qual é a sua opinião sobre o sociólogo Fernando Henrique Cardoso?
Noam Chomsky: Li
seu trabalho, quando ele era sociólogo e achei interessante e
esclarecedor. Foi há muitos anos, mas agora ele tem um papel
institucional diferente. Dentro da estrutura do sistema de poder, ou não
se sente livre para desafiar ou não quer desafiar. Pergunte a ele, não
sei, mas o sistema de poder é muito feio. Tomemos um exemplo. As
políticas do Brasil são constrangidas pelo pagamento da dívida. O povo
não deveria tolerar isso. Em relação à dívida e em todos os aspectos, a
política brasileira é restringida por esse limite. Quanto a isso, há
duas opções: pagar ou não pagar. Acho razoável não pagar, tem sido paga
mil vezes. Se decidirem pagar, suponham que eu tenha emprestado dinheiro
e o tenha gasto jogando. A responsabilidade é sua? Não, eu devo pagar. A
dívida do Brasil, se for paga, deveria ser paga por quem tomou
emprestado. Os que moram na favela do Rio não pediram nada emprestado,
não ganharam nada com isso. O dinheiro foi dado para os ricos, que o
mandaram para fora e enriqueceram. Eles que paguem, os generais que
paguem, não é um problema do povo do Brasil. Se o governo não é capaz de
enfrentar a questão ou, para ser mais exato, se a população não o
obrigar a fazê-lo, o Brasil tem muito poucas opções e quem assumir o
cargo de presidente também.
Daniel Piza:
Qual seria exatamente, dentro desse ponto de vista, uma política
adequada em relação às multinacionais? O que o presidente Fernando
Henrique deveria fazer em relação às multinacionais? Aumentar o
protecionismo de que maneira?
Noam Chomsky: As
escolhas não estão nas mãos do presidente, e sim nas mãos do povo. Como
pessoa, ele não pode fazer muito. Quanto às empresas multinacionais ou
em geral, a atitude deve ser a mesma que se toma em relação a outras
formas de tirania. É interessante estudar a história das empresas. Há
bons estudos acadêmicos sobre o crescimento das empresas. É
interessante, vale a pena estudar. As empresas modernas – falo dos EUA,
mas não é muito diferente em outras partes –, nos EUA, elas foram
criadas por tribunais e advogados, não por legislação. Lendo liberais
clássicos, como Thomas Jefferson [(1743-1826) terceiro presidente dos
Estados Unidos, de 1801 a 1809, e principal autor da Declaração da
Independência Americana], eles eram radicalmente contrários a elas. No
início da história, eram grupos de interesse público. As pessoas se
reuniam para construir uma ponte. A uma certa altura, no início do
século XIX, elas começaram a mudar. Jefferson, por exemplo, que era um
importante liberal clássico da história americana, em 1820 avisou que o
crescimento de instituições financeiras e empresas industriais seria o
fim da democracia. Tocqueville [Alexis
Henri Charles Clérel ou visconde de Tocqueville (1805-1859) foi um
pensador político, historiador e escritor francês. Tornou-se célebre por
suas análises da Revolução Francesa] disse
o mesmo. Ele é a outra figura do liberalismo clássico. Quando descreveu
os EUA em 1830, ele avisou que a aristocracia industrial, que crescia
perante nossos olhos – isso foi há 170 anos –, era a mais dura do mundo
e, se obtivesse o poder, seria o fim da democracia americana. Durante o
século, eles conseguiram o poder – e não por lei, mas principalmente
pelos tribunais– e conseguiram os direitos das pessoas, de palavra
livre, direitos individuais. No início do século XX, eram enormes
instituições dominando a sociedade. Não por desejo popular, muito pelo
contrário. Se olharem suas raízes intelectuais, verão que são muito
similares ao bolchevismo e ao fascismo.
Tem idéias hegelianas que se desenvolveram no final do século XIX
quanto aos direitos das grandes instituições sobre os indivíduos. Raízes
muito parecidas. Daí os progressistas, muitas vezes, apoiarem as
empresas, os mesmos que apoiaram o que se tornou o bolchevismo
no começo do século XX. Isso não é incorreto, uma corporação é uma
indústria totalitária. As ordens vêm de cima para baixo. Você se insere
nela, recebe as ordens de cima e as leva para baixo. No topo, há um
setor integrado de proprietários, investidores, bancos, instituições
financeiras etc, o mais perto possível do ideal totalitarista que os
humanos construíram. Se se está de fora, a única escolha é alugar-se
para ele, ou seja, conseguir um emprego ou comprar o que produz. São
empresas de mídia. Não são pequenas ilhas no cenário de mercado livre,
são enormes tiranias ligadas umas às outras, é com o Estado que
controlam em grande parte, integradas através das fronteiras. A
atividade deveria ser a mesma usada com outras formas de tirania. O fascismo foi derrubado, o bolchevismo foi derrubado, o corporativismo também pode ser.
Alberto Dines: Professor, o senhor falou agora que o fascismo foi derrubado, mas nós estamos vendo aí no mundo o neofascismo, em todos continentes, surgindo com muita força popular. A França, um caso clássico, que é a pátria do fascismo científico, desde o fim do século passado... o caso Dreyfus. O senhor não vê a possibilidade de esse fascismo
popular que está surgindo – a Áustria agora – se juntar às grandes
corporações, ou melhor, as grandes corporações perceberem no neofascismo uma oportunidade de ganhar legitimidade popular?
Noam Chomsky: Estou pensando nos movimentos atuais, como o de Le Pen. Os movimentos populares podem tomar formas diferentes. O mesmo grupo social pode lutar por liberdade ou ser a base popular do fascismo. Isso é verdade no caso de Le Pen.
[Adolf] Hitler [ditador austro-germânico que deflagrou a Segunda Guerra
Mundial, criou o Partido Nacional-Socialista na Alemanha e foi o
responsável pelo extermínio de milhões de judeus e de outros grupos
minoritários como eslavos, poloneses, ciganos, negros, homossexuais,
deficientes físicos e mentais, no que se convencionou chamar de
Holocausto] foi o líder mais popular da história da Alemanha. A base
popular de Hitler foi, em parte, não só os industriais, mas movimentos
sociais que, em outras circunstâncias, poderiam estar lutando. Era o
movimento trabalhista mais militante da Europa. Veja nos Estados Unidos:
os que hoje estão na chamada milícia de direita são os mesmos que
organizavam o CIO [Comitê por uma Internacional Operária, organização
que congrega partidos socialistas de 35 países] há 60 anos. Vêm do mesmo
setor socioeconômico, têm os mesmos tipos de problemas e estão
desaparecendo, o mundo está se desintegrando. E, nos anos 30, eles
criaram o movimento dos trabalhadores americanos e obtiveram direitos e
liberdade. Nos anos 90 são o movimento direitista, que é muito perigoso,
sob controle de líderes fanáticos, muitos deles fanáticos religiosos.
Os mesmos grupos populares e é a mesma história de todos os assuntos
humanos. Como vão se desenvolver depende do que fizerem e do que os
outros farão – outros, como nós, que têm o privilégio de interagir com
eles. Sempre foi assim e ainda é assim. Os grupos populares podem ser
uma fonte de fascismo perigoso ou de grande libertação.
Ibsen Costa Manso: Professor, o senhor é conhecido, o seu trabalho é muito conhecido, o senhor foi um dos primeiros a denunciar a Guerra do Vietnã,
quando isso não havia ocupado o espaço da mídia. O senhor denunciou a
questão do Burundi, quando a gente nem sabia onde esse país africano
ficava e, atualmente, o senhor está engajado, já há algum tempo, na
questão do Timor. Essa semana que nós estivemos juntos aqui, em São
Paulo, o senhor, inclusive, esteve com o prêmio Nobel da Paz, o José
Ramos Horta, que é seu amigo de duas décadas. Agora a questão é como
ajudar... como o Brasil, que tem tantos laços em comum – senão tantos,
pelo menos, a língua –, concretamente, como o senhor defende que seja
uma campanha a nível mundial para ajudar o Timor? Essa, aliás, é uma
outra questão que se coloca para os intelectuais, quer dizer, existe uma
análise muito clara, dos problemas mundiais, mas não se apontam por
muitas vezes, soluções práticas para combater essas situações. Eu
perguntei, inclusive, isso ao professor Ramos Horta: “o senhor acha que é
válido que haja um boicote governamental ao comércio bilateral com a
Indonésia, por exemplo?” Ele disse: “Não, isso precisa ser uma ação da
sociedade e, portanto, os governos vão atrás”. O que o senhor acha desta
questão?
Noam Chomsky: Fico
feliz em recomendar soluções práticas. É isso que faço nos Estados
Unidos o tempo todo, mas não me sinto livre para recomendar ações para
vocês. Decidam vocês. Faço isso onde moro. O papel do Brasil nesse
assunto poderia ser enorme. Podem ver como seria enorme olhando a
história. Ao ponto que pessoas como José puderam fazer algo. Foi porque
ele teve o apoio dos governos? Quais? Moçambique, São Tomé, governos
desse porte. Ele não teve o apoio do Brasil, do ex-mundo português. O
Brasil é muito mais poderoso obviamente. O tipo de apoio de Moçambique, o
Brasil poderia tê-lo dado cem vezes. Isso significa criar formas de
apoio internacional, ajudar a pôr o assunto na agenda internacional,
obter publicidade e participar de pressões econômicas. Ele tem suas
idéias quanto ao que deve ser feito, eu tenho as minhas. Eu sinto que os
generais indonésios estão prestes a decidir sobre isso, podem ir para
qualquer lado. O chanceler, há dois ou três anos, quando a opinião
pública crescia, disse que Timor Leste era uma pedra no sapato, “talvez
devêssemos nos livrar dela”. Essa é a implicação. “Está nos dando muito
trabalho”. O Wall Street Journal, que não é muito
progressista, fez um editorial que chamou “Uma pedra no sapato”, dizendo
aos generais indonésios: “Não vale a pena, livrem-se disso. Só causa
problemas”. Nessa última semana, a Far Eastern Economic Review,
o grande jornal sobre a economia asiática, publicou entrevistas com
altos executivos. Ainda não a vi. Estava viajando, mas José Ramos me
contou. É de segunda mão. Disse-me que estavam recomendando que a
Indonésia se livrasse “da pedra”. Pressão faz diferença. Os tipos de
pressão vindos do Brasil são diferentes dos que vêm dos Estados Unidos.
As pressões dos Estados Unidos são mais importantes, eles são o poder
dominante do mundo. Fazemos do nosso jeito. Mas as que vêm do Brasil não
são pequenas, sejam ameaças de cooperação econômica, sejam ameaças
políticas, demonstrações públicas. Devem decidir de acordo com o
contexto brasileiro.
Breno Altman: Senhor Noam
Chomsky, eu queria fazer uma pergunta sobre um dos mais longos
processos de discriminação imperialista deste século. O povo cubano, com
o segundo mandato de Bill Clinton, pode ter esperança de que caia o bloqueio econômico?
Noam Chomsky: Novamente,
as decisões estão nas mãos do povo dos Estados Unidos e dos outros
países do mundo. Depois da queda da União Soviética, quando não se podia
mais fingir que havia uma ameaça soviética, as sanções contra Cuba
ficaram mais rigorosas e o esforço para estrangular Cuba cresceu em
intensidade. E cresceu de novo no ano passado. No momento, a maior parte
do mundo está objetando retoricamente. Há objeções retóricas para
romper o boicote americano. Se isso der certo, se outros países
começarem a negociar com Cuba, verão exatamente o que aconteceu com o
Vietnã. No caso do Vietnã, depois da guerra, os Estados Unidos tentaram
estrangular o Vietnã e eles já tinham ganho a guerra. A Indochina estava
mais ou menos destruída, mas queriam ter certeza de que não se
recuperaria. Era um golpe econômico. Durou até que outros países
começassem a desobedecer. A maioria dos países obedecem aos Estados
Unidos. É um país poderoso e perigoso. Mas, depois de um tempo, o Japão
deixou de ligar e as companhias européias também começaram a negociar
com o Vietnã, a instalar escritórios de negócios. Daí, os negociantes
americanos começaram a se queixar: estavam sendo excluídos de mercados
importantes. E, de repente, num curto período de tempo, a política dos
Estados Unidos mudou. Descobriram que a situação dos direitos humanos
estava melhorando no Vietnã, portanto, podíamos lidar com isso. Nada
tinha mudado, na verdade – exceto que os rivais econômicos estavam
agindo –, e os negociantes americanos começaram a se queixar. Isso
começa a acontecer com Cuba. Na última visita de [Fidel] Castro [em
janeiro de 1959, Fidel assume o poder em Cuba, torna-se
primeiro-ministro (1959 a 1976) e presidente do governo e primeiro
secretário do Partido Comunista a partir de 1976. Em 1961, declara Cuba
um estado socialista. No mesmo ano, os Estados Unidos cortam relações
diplomáticas com a ilha e iniciam um embargo econômico ao país, que dura
até hoje] a Nova Iorque, ele... O governo não queria nada com ele, a
mídia fez grandes ataques a ele, exceto por uma coisa: David Rockefeller
[banqueiro e filantropo americano, esteve entre 1961 e 1981
no comando do banco Chase Manhattan, do qual era também o maior
acionista. Durante esse período, a instituição se tornou uma das maiores
credoras individuais da dívida externa brasileira] fez uma reunião de
industriais para conhecê-lo, porque o mundo comercial americano não
gosta do fato de que o México comece a se envolver com o ramo de
telefones e negocie com a Europa. Cuba e Vietnã não são a mesma coisa. A
maioria dos americanos não tinha ouvido falar do Vietnã, mas Cuba tem
sido a questão principal de política externa há 170 anos. Aí por 1820,
os Estados Unidos estavam empenhados em conquistar Cuba e eu diria que
eram pessoas boas como Thomas Jefferson que diziam: “Sim, temos que
incorporar Cuba ao império”. Não conseguiram, na época, devido à frota
britânica, não à russa, mas à inglesa. No final do século, o poder
mudou. Podiam fazer e fizeram. A pretexto de libertar Cuba, os Estados
Unidos se uniram à liberação de Cuba e a conquistaram até 1959. Cuba não
passava de uma fazenda americana. É uma questão profunda nos Estados
Unidos reintegrar, subordinar Cuba de novo ao sistema americano. Acima
disso, a elite americana se preocupa não com a falta de democracia em
Cuba. Isso não importa. Importam os padrões sociais que foram
alcançados. Há padrões altos de saúde e de educação, na verdade, único
nas Américas. Quase no nível do Canadá e dos Estados Unidos, o que é
notável dadas as circunstâncias. É um país pobre, não só pobre, mas sob o
ataque das superpotências do hemisfério e, ainda assim, manteve os
padrões e isso é perigoso, porque manda o recado errado. Diz às pessoas:
“Olhem, podem fazer algo com suas vidas”. E é algo perigoso pensar
assim. Eis as principais razões dos EUA quererem garantir que Cuba não
siga um caminho independente, e não será fácil de superar. Mas a questão
principal é parecida com a do Vietnã. Se outros países romperem o
boicote e houver protestos populares suficientes nos EUA, a política
muda.
Matinas Suzuki: Professor
Chomsky, infelizmente nosso programa está chegando ao final, eu e o
Sérgio Augusto, aqui, temos uma curiosidade, uma pequena curiosidade. O
senhor votou nas últimas eleições americanas?
Noam Chomsky: Na
verdade, sim. Foi um dia antes de vir à América do Sul. Acho que é uma
decisão de importância relativa, mas não sem importância. Os dois
partidos políticos são mais ou menos idênticos, mas têm formações
diferentes por razões históricas. Os que votam para os democratas tendem
a ser os de renda menor, minorias, mulheres etc. Os que votam para os
republicanos tendem a ser mais ricos, religiosos, fundamentalistas,
racistas, outros setores da população. Em qualquer sistema, seja tirania
ou democracia, os governantes terão de responder aos eleitores. Os
generais brasileiros tinham que prestar atenção ao que estava
acontecendo na sociedade. Quando se tem uma democracia política como no
EUA, basicamente com um partido e duas facções, eles jogam migalhas aos
eleitores, seguem a política básica, do mesmo modo. Mas fazem algo para
os eleitores, coisas diferentes. Não muda o mundo, mas faz diferença, se
uma criança de sete anos tem comida para comer. É uma razão para votar,
para um ou para o outro. Na verdade, eu divido meu voto. Às vezes voto
para os republicanos, outras para os democratas, mas é a minha base de
consideração.
Fonte: Memória Roda Viva
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